Correio braziliense, n. 21005, 27/11/2020. Negócios, p. 8

 

Esforço para reparar atritos

Rosana Hessel 

Marina Barbosa 

27/11/2020

 

 

A piora do quadro fiscal e a falta de soluções claras do governo para evitar uma explosão da dívida pública nos próximos anos gerou rusgas entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O excesso de lives e falas públicas recentes de ambos está incomodando os agentes financeiros. Para eles, há muito mais discurso do que fatos concretos.
Na noite de quarta-feira, Guedes queixou-se de declarações de Campos Neto. O presidente do BC disse que, para conquistar credibilidade, o governo precisa "de um plano que dê uma clara percepção aos investidores de que o país está preocupado com a trajetória da dívida".

"O presidente Campos Neto sabe qual é o plano. Se ele tiver um plano melhor, peça a ele. Pergunte a ele qual é o plano dele que vai recuperar a credibilidade. Porque o plano nós já temos", disse Guedes ao ser questionado por jornalistas.

Ontem, no entanto, o ministro e outros integrantes da equipe econômica trataram de colocar panos quentes na discussão. Até o presidente Jair Bolsonaro saiu em defesa de Guedes afirmando que ele é "insubstituível", ao comentar os dados sobre criação de empregos em outubro. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Guedes negou atritos com o presidente do BC. O secretário do Tesouro, Bruno Funchal, também foi na mesma linha.

"Não tem divergência. O objetivo do Banco Central está alinhado com o Ministério da Economia. Todo mundo faz parte do mesmo governo", disse Funchal, durante a apresentação do resultado das contas públicas em outubro. Ele ainda disse que o plano já foi apresentado e citou as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, que trata da desvinculação de despesas, e a Emergencial, que regulamenta os gatilhos a serem acionados para conter gastos no caso de descumprimento da regra do teto.

O governo, segundo Funchal, espera que essas duas matérias avancem no Senado, "na semana que vem". Ele ainda afirmou "ter certeza" de que o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) "será aprovado ainda neste ano" pelo Congresso.

As falas de Guedes e de Funchal, de acordo com Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Investimentos, acalmaram o mercado e ajudaram a reduzir os juros futuros no fim do dia. As taxas dos contratos DI para 2027 passaram de 7,68% ao ano, na véspera, para 7,61%, apesar de o leilão do Tesouro, pela manhã, apontar alta nos juros em relação ao leilão da semana anterior.

À noite, foi a vez de Campos Neto tentar colocar uma pedra sobre o assunto. "Evento superado", resumiu, em entrevista ao SBT. Ele explicou que defende o mesmo plano de trabalho de Guedes e que já conversou com o ministro "para acertar o discurso".

Apesar das garantias da equipe econômica de que o atrito não existe, as dúvidas sobre a capacidade do governo controlar o aumento das despesas no ano que vem persistem. "Hoje, você não tem um horizonte claro de para onde o governo está indo. Os investidores querem ter a segurança de que a dívida não vai entrar em uma dinâmica insustentável", disse o ex-economista chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Roberto Luís Troster.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Deficit aumenta 

27/11/2020

 

 

O rombo das contas públicas do governo central ficou em R$ 3,6 bilhões em outubro de 2020, o pior resultado para o mês desde 2015. No acumulado do ano, o saldo negativo das contas combinadas do Tesouro, do Banco Central e da Previdência Social, de R$ 681 bilhões, foi o maior da história.
O deficit de outubro foi melhor que a mediana das expectativas do mercado, que indicava um saldo negativo de R$ 44,1 bilhões. "Assim como nos meses anteriores, o deficit observado em outubro foi influenciado pelo aumento das despesas com as medidas de combate à crise da covid-19. No entanto, o recolhimento em outubro de parte das receitas diferidas no início da pandemia resultou em impacto positivo no fluxo de receitas", informou o Tesouro, em nota.

A receita total cresceu 9,6%, em termos reais (descontada a inflação), no mês passado na comparação com o mesmo período de 2019. As despesas, porém, tiveram alta de 21,8%.
O resultado negativo de R$ 681 bilhões acumulado de janeiro a outubro decorreu da alta de 42,7% nas despesas e da queda de 11,6% na receita líquida.

O Tesouro demonstrou preocupação com o aumento do endividamento para financiar o rombo "Torna-se fundamental a retomada de um ambiente de gastos compatível com a realidade fiscal brasileira. Para isso, é necessário garantir que gastos temporários sejam, de fato, temporários, sem transbordamentos das despesas de 2020 para 2021", salientou, em nota. (RH)