Correio braziliense, n. 21005, 27/11/2020. Política, p. 2

 

Bolsonaro desiste de depor em inquérito

Renato Souza 

Sarah Teófilo 

27/11/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro abriu mão de prestar depoimento no inquérito da Polícia Federal que investiga suposta interferência dele na corporação. O comunicado da Advocacia-Geral da União (AGU) foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), com data de quarta-feira, e diz que o chefe do Executivo declinou "do meio de defesa que foi oportunizado unicamente por meio presencial".
A AGU ainda pediu o "pronto encaminhamento dos autos à Polícia Federal para elaboração de relatório final a ser submetido, ato contínuo, ainda dentro da prorrogação em curso, ao Ministério Público Federal". O comunicado foi tornado público ontem. Horas antes, o Correio havia mostrado que a investigação não tinha provas suficientes para apontar a suposta interferência de Bolsonaro, apesar de já estar em estágio avançado.

Além de não terem encontrado elementos suficientes para caracterizar uma investida de Bolsonaro, por interesses pessoais, os investigadores avaliavam que a PF só conseguiria concluir o inquérito após o depoimento do presidente.

O imbróglio relativo à possibilidade de que Bolsonaro pudesse prestar depoimento por escrito ainda está no STF. O presidente foi intimado a depor pela PF, e a defesa dele pediu que o depoimento fosse por escrito. O ministro Celso de Mello, então relator do caso, determinou que a oitiva fosse presencial. A AGU recorreu, e o caso foi a plenário, mas ainda não teve análise concluída.
Antes de aposentar, Celso de Mello manteve a tese e votou para que Bolsonaro fosse ouvido presencialmente. Para o magistrado, o presidente da República, quando figura como investigado e não testemunha, não tem direito a depor por escrito. "Entendo que não, que não pode, que não lhe assiste esse direito, pois as prerrogativas submetidas ao presidente da República são aquelas que a Constituição e as leis do Estado o concederam", sustentou, na ocasião.

No voto, Celso de Mello afirmou que, "não obstante a posição hegemônica do Poder Executivo, o presidente também é súdito das leis como qualquer outro cidadão desse país". A continuidade do julgamento, com o voto dos demais ministros, depende de decisão do presidente da Corte, Luiz Fux.
Na avaliação de fontes na PF, ouvidas pelo Correio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve pedir o arquivamento do inquérito, tendo em vista as evidências frágeis que foram levantadas para imputar crime a Bolsonaro.

Acusação
O inquérito teve início depois que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, ao deixar o cargo, acusou Bolsonaro de interferir na PF, relatando que o presidente tentou trocar o superintendente do Rio de Janeiro e o diretor-geral da PF para beneficiar pessoas próximas.

No mesmo dia em que Moro pediu demissão, foi publicada em Diário Oficial da União (DOU) a exoneração de Maurício Valeixo, então chefe da PF. O documento relatava ter sido "a pedido", mas foi corrigido depois que o ex-juiz da Lava-Jato negou que Valeixo tivesse solicitado a mudança.
Na época, Bolsonaro indicou Alexandre Ramagem ao cargo, mas o ministro Alexandre de Moraes, do STF, vetou a nomeação, justificando princípios de impessoalidade. Ramagem, que é diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi apontado como figura próxima à família do presidente. Moro disse que o chefe do Executivo pressionava por Ramagem no comando da PF desde o início do ano.

Uma das principais provas apontadas por Moro é o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. No encontro, Bolsonaro diz que não esperaria "f. a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa". "Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui para brincadeira", disparou.

No comunicado enviado ao STF, a AGU afirma que "a publicização do inteiro teor de gravação" da reunião "demonstrou completamente infundadas quaisquer das ilações que deram ensejo ao presente inquérito, o mesmo valendo para todos os demais elementos probatórios coletados nos presentes autos".

O advogado de Moro, Rodrigo Sánchez Rios, disse ontem, em nota, que a defesa recebeu com surpresa o declínio do presidente "de atender à determinação para depor em inquérito no qual é investigado". "A negativa de prestar esclarecimentos, por escrito ou presencialmente, surge sem justificativa aparente e contrasta com os elementos reunidos pela investigação, que demandam explicação por parte do presidente da República", destacou.