O Estado de São Paulo, n.46332, 24/08/2020. Política, p.A5

 

Mendonça atribui dossiê à 'atuação proativa' de diretoria

Breno Pires

24/08/2020

 

 

Em reunião sigilosa com parlamentares, ministro afirmou desconhecer atividades de Inteligência da pasta da Justiça

Prática. André Mendonça disse a deputados e senadores que é 'histórica' a produção de relatórios no Ministério da Justiça

Em audiência reservada com parlamentares, em 6 de agosto, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, atribuiu a elaboração de relatórios sobre 579 policiais e professores de oposição ao governo à "atuação proativa da própria Diretoria de Inteligência" do ministério. Em reunião virtual da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso, o ministro revelou desconhecimento sobre as atividades de Inteligência até que o tema viesse à imprensa. Os áudios do encontro foram obtidos pelo Estadão.

A elaboração de dossiês na Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal na última quinta-feira, por ampla maioria de votos (9 a 1), em julgamento repleto de críticas ao monitoramento de opositores pelo governo Jair Bolsonaro.

Em seu relato, quando explicava a produção do relatório sobre "antifascistas", revelado pelo UOL no fim de julho, Mendonça disse que "havia manifestações de imprensa que geravam preocupação na área de segurança pública e havia uma atuação proativa da própria Diretoria de Inteligência sobre o assunto".

"Esse relatório de Inteligência, foi a primeira vez que eu me deparei. É uma atividade muito específica, muito técnica, que eu entendo, até por um princípio, que é o da segregação da informação, que não caberia a um dirigente, principalmente a um ministro de Estado, ficar perguntando ou querendo saber o que a atividade de inteligência está fazendo", disse.

No cargo desde abril, o ministro afirmou ainda que, após a divulgação na imprensa, perguntou internamente o "porquê da produção deste relatório". "Alguns elementos que me foram trazidos: em primeiro lugar, algumas notícias de imprensa, em função já de manifestações que tinham ocorrido tanto em São Paulo como em Curitiba relativo ao grupo Antifas", disse. Mendonça então leu a parlamentares trechos de reportagens.

Em uma das citadas, publicada pela Zero Hora, no dia 4 de junho, um delegado comparava antifascistas a black blocs. "O repórter pergunta: 'Qual é a relação dos Antifas com black blocs?' O delegado responde: 'Total, os black blocs não são um grupo rígido, eles são muito mais vinculados a uma tática, uma forma de atuação, e comungam muito com a Antifas, por vezes trocam de nome'", disse Mendonça. "Estou falando aqui sem fazer juízo de valor, são dados objetivos apresentados como justificativa", acrescentou.

O ministro disse também que é "histórica" a produção de relatórios, pela área de Inteligência do ministério, sobre "movimentos que têm uma bandeira e querem ir para a rua se manifestar". "Eu pedi a eles para colherem procedimentos de relatórios de Inteligência, por exemplo, nas manifestações que tivemos em 2013, nos movimentos pró-impeachment em 2015 e 2016, e eles: 'De fato, olha, é uma atividade de rotina na área de segurança pública'", relatou Mendonça.

'Desvio'. A maioria do Supremo Tribunal Federal, no entanto, entendeu que houve "desvio de finalidade" e "devassa" indevida na coleta de informações sobre 579 servidores. Os ministros do STF, no entanto, não atenderam ao pedido do partido Rede Sustentabilidade – autor da ação – de abrir um inquérito para apurar o episódio.

Na audiência virtual, apesar de críticas da oposição, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP) defendeu Mendonça. "Vão tentar empurrar a narrativa de que Jair Bolsonaro pedia informações sigilosas a ( Sérgio) Moro, Moro negava com base na lei, e agora Vossa Excelência estaria passando informações que não deveria ao presidente."

PARA LEMBRAR

STF barrou monitoramento de opositores

Ministério da Justiça

A Secretaria de Operações Integradas foi criada na gestão de Moro com objetivo de integrar operações policiais contra o crime organizado.

Dossiê

O trabalho da Seopi virou alvo do Ministério Público após revelação de que o órgão produziu um dossiê sobre opositores do governo Bolsonaro.

Pedido da Rede

Partido pediu abertura de inquérito para verificar eventual crime cometido pelo ministro André Mendonça.

Supremo

Corte suspendeu qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre "antifascistas". Relatora do caso, Cármen Lúcia disse que "não compete a ninguém fazer dossiê contra quem quer seja".