O Estado de São Paulo, n.46332, 24/08/2020. Política, p.A5

 

Jair Bolsonaro faz ameaça a jornalista

Gabriela Biló

Camila Turtelli

Eduardo Gayer

Ricardo Galhardo

24/08/2020

 

 

Questionado sobre Fabrício Queiroz, presidente afirma a repórter: 'Vontade de encher tua boca de porrada'; entidades repudiam episódio

Jair Bolsonaro disse ontem ter "vontade de encher de porrada" um repórter do jornal O Globo. A reação do presidente foi a um questionamento do jornalista sobre os repasses do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, à primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Entidades em defesa da liberdade de imprensa reagiram à ameaça e cobraram uma "reação contundente" do Legislativo e do Judiciário. O Palácio do Planalto não comentou.

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem, em frente à Catedral Metropolitana de Brasília, ter "vontade de encher de porrada" um repórter do jornal O Globo. A atitude gerou forte reação de entidades em defesa da liberdade de imprensa, que cobraram uma "reação contundente" do Legislativo e do Judiciário.

Durante uma visita à feirinha de artesanato no local, ao descer do carro, Bolsonaro foi questionado pelo jornalista sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-rj), à primeira-dama Michelle Bolsonaro.

"Vontade de encher tua boca de porrada", disse Bolsonaro ao repórter. Jornalistas que acompanhavam a visita questionaram se a declaração era uma ameaça, mas o chefe do Executivo não respondeu. O Palácio do Planalto foi questionado pelo Estadão sobre o teor da frase e informou que não iria comentar.

"É lamentável que, mais uma vez, o presidente reaja de forma agressiva e destemperada a uma pergunta de jornalista. Essa atitude em nada contribui com o ambiente democrático e de liberdade de imprensa previstos pela Constituição", disse o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech.

Em nota, o jornal O Globo repudiou a "agressão". "Tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população. Durante os governos de todos os presidentes, O Globo não se furtou a fazer as perguntas necessárias para cumprir o papel maior da imprensa, que é informar os cidadãos. E continuará a fazer."

"O presidente vinha muito bem nas últimas semanas. Com sua moderação estava contribuindo para a pacificação do debate público. Lamentável ver a volta do perfil autoritário que tanta apreensão causa nos democratas", disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.

Em nota conjunta, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Artigo 19, Conectas, Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB e Repórteres Sem Fronteiras disseram que a atitude de Bolsonaro é incompatível com as regras mínimas de convivência social e própria das ditaduras. As entidades cobraram uma "reação contundente" do Legislativo e do Judiciário. "Essa ameaça de agressão física se soma a um histórico de forte hostilidade de

Bolsonaro contra jornalistas e marca um novo patamar de brutalidade", diz o texto. "As agressões levaram diversos veículos a interromper a cobertura diária na frente do palácio."

Jornalistas se mobilizaram nas redes sociais e publicaram centenas de mensagens ao presidente repetindo a pergunta do repórter: "Presidente, por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?"

Investigação no Ministério Público do Rio aponta que Queiroz e a mulher, Márcia, depositaram 27 cheques em nome de Michelle de 2011 a 2016.