O Estado de São Paulo, n.46331, 23/08/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Baseadas em ativos da floresta, startups na Amazônia, impulsionam a bioeconomia

Cleide Silva

Giovana Girardi

23/08/2020

 

 

Negócios unem biodiversidade, sustentabilidade e tecnologia para aumentar o valor dos produtos e beneficiar as populações locais

O universo de startups que está nascendo na Amazônia com foco em atividades sustentáveis pode ser exemplo para fomentar a bioeconomia que governos, grupos empresariais, investidores e ambientalistas buscam para desenvolver a região e gerar renda para a população sem derrubar ou queimar a floresta. Baseados em produtos e projetos locais, que vão de açaí a cosméticos, pequenos negócios inovadores começam a transformar o cenário regional (veja mais nesta página).

A economia verde, ou de baixo carbono, deve ajudar a Região Amazônica – que representa cerca de 60% do território brasileiro – a dar um salto em sua participação no Produto Interno Bruto (PIB), hoje de apenas 8%, segundo avaliação de especialistas no tema.

O caminho trilhado por um número crescente de startups amazônicas para essa nova economia envolve comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas e agricultores familiares. A lógica está em aplicar ciência e tecnologia a dezenas de ativos da região, desde o início da cadeia de produção, para aumentar o valor dos produtos e beneficiar as populações locais.

Fabricante de cosméticos com óleos extraídos de plantas da região, a startup Biozer se prepara para exportar seus produtos aos EUA, Emirados Árabes e Europa. Já o Café Agroflorestal de Apuí usa grãos de plantações em áreas sombreadas pela floresta e será enviado para a Alemanha. Os chocolates da De Mendes são feitos com cacau nativo colhido por ribeirinhos e índios e chegam a consumidores de vários Estados e também do exterior.

"Não tem como manter a floresta de pé sem gerar renda para a população local", afirma Mariano Cenamo, engenheiro florestal e diretor de Novos Negócios do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), que promove programas de aceleração de negócios de impacto.

Potencial. Dono da maior biodiversidade vegetal do mundo, o Brasil possui cerca de 50 mil espécies de plantas, das quais pelo menos 20 mil endêmicas – que ocorrem somente no País. Embora todos os biomas nacionais tenham capacidade de desenvolver uma economia baseada na biodiversidade, é a região da Amazônia que oferece as condições para investimentos imediatos. Estudo feito pelo WRI Brasil, lançado na semana passada, com base em dados do Censo

Agropecuário do IBGE, mostra que 74% das atividades extrativistas não exaustivas (com sementes, folhas, frutos, óleos, sem levar à derrubada da árvore) estão na Amazônia. Idealizador do projeto Amazônia 4.0, o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP, diz que o conceito de bioeconomia visa a promover sistemas de produção baseados no uso e na conservação dos recursos biológicos da floresta em pé. Segundo ele, atividades extrativistas realizadas na região, apesar da pequena escala, já são mais lucrativas do que desmatar. O valor anual da produção de carne e soja, por exemplo, é de R$ 604 por hectare; no caso do açaí, cacau e castanha, chega a R$ 12,3 mil.

Especialista do WRI no tema, o economista e biólogo Rafael Feltran-Barbieri vai na mesma linha e calcula que o extrativismo não exaustivo é particularmente rentável para os pequenos proprietários. "Para as pequenas propriedades, os produtos nativos cultivados trazem renda média de R$ 3.100 por hectare ao ano. Quem faz rotação de soja e milho, tira cerca de R$ 1.762/ha/ano. Já a pecuária de corte, rende apenas R$ 1.250/ha/ano", afirma.

"Mas a exploração de produtos in natura é só a ponta do iceberg para a bioeconomia. Há uma grande diversidade de substâncias que podem ser produzidas em escala", diz. Para Carlos Nobre, para isso vingar como uma alternativa econômica é preciso investir em uma bioindustrialização local, que possa beneficiar os produtos, gerando mais renda e empregos (ler mais na pág. B3).

Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, há aí uma enorme oportunidade. "Com pesquisa, que foi justamente o que transformou o agronegócio brasileiro, é sim possível desenvolver esses projetos e ganhar escala", afirma. O caminho, segundo ele, passa pela transformação de matériasprimas em novos materiais e pelo pagamento por serviços ambientais, como dar a proprietários de terra uma renda para preservar uma nascente.

Mendonça de Barros ressalta que a pandemia acentuou a tendência de que a sustentabilidade é indispensável. "Ganha força a ideia de que é possível transformar partes do sistema de produção em direção à sustentabilidade. E isso vai entrar na experiência das grandes empresas."

'Bioeconomia precisa-se industrializar', diz cientista
Pág. B3