O Estado de São Paulo, n.46330, 22/08/2020. Metrópole, p.A24

 

14 Estados já relatam síndrome infatil

Ludimila Honorato

22/09/2020

 

 

Levantamento do 'Estadão' aponta que País tem 144 pessoas identificadas com condição, que pode estar relacionada à covid, e 9 mortes

Pelo menos 14 Estados e o Distrito Federal registram casos da síndrome que acomete crianças e adolescentes e pode estar relacionada à covid19. Conforme levantamento feito pelo Estadão com as secretarias estaduais da Saúde, o Brasil tem 144 pessoas identificadas com a condição ou com quadro suspeito e 9 mortes, 2 dessas em análise. Diante dessa nova síndrome, sobre a qual ainda se estuda a relação com a covid-19, os Estados se mobilizam para fazer uma vigilância eficiente em saúde, a fim de monitorar e notificar as ocorrências.

Os dados foram levantados pela reportagem em 18 e 19 de agosto. Dos 22 Estados que responderam aos questionamentos, Acre, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Roraima e Tocantins informaram que, até agora, não têm registros da doença. Cinco secretarias não responderam ou a reportagem não conseguiu contato. Os números são diferentes daqueles divulgados pelo Ministério da Saúde no balanço mais recente da pasta, com informações até a semana epidemiológica 30 (25 de julho).

Em nota, a pasta informou que a atualização e a divulgação dos números são semanais, mas até a noite desta quinta-feira não havia novos dados disponíveis. Isso também explica a diferença entre os dados compilados pelo Estadão e os do governo federal. Conforme o órgão, até julho, 71 relatos foram registrados nos Estados de Ceará (29), Rio (22), Pará (18) e Piauí (2), além de três óbitos no Rio. Mas o Ceará, por exemplo, já reporta 41 casos e 2 mortes.

No Pará, o ministério informa que há 18 casos, mas a secretaria estadual reportou apenas 7, que constam no próprio sistema nacional. A pasta explicou que as 18 pessoas foram diagnosticadas no Instituto Evandro Chagas, unidade de referência no Estado, que tem um estudo sobre essa síndrome inflamatória. "Na ocasião do estudo, ainda não havia o monitoramento sistemático nacional dos casos. Desta forma, esses casos ainda estão sendo inseridos no formulário nacional", disse o ministério.

No fim de abril, países da Europa começaram a relatar um conjunto incomum de sintomas em crianças. Já no começo de maio foi a vez de os Estados Unidos reportarem hospitalizações relacionadas ao quadro, que começa com febre e pode apresentar manchas vermelhas pelo corpo. A situação descrita como síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) pode afetar pessoas de 0 a 19 anos. A maioria dos casos conhecidos tem relação com o novo coronavírus, mas, por ora, as evidências são inconclusivas quanto à relação de causa e efeito. Tem-se uma relação temporal, em que a condição é identificada semanas após a contaminação, mesmo depois de uma boa evolução da covid-19.

Embora os casos sejam recentes no Brasil, com orientações do Ministério da Saúde para notificação a partir de julho, há registros anteriores a isso. A Secretaria da Saúde do Rio, por exemplo, disse que o primeiro caso foi notificado em 5 de março. A partir do momento em que os Estados começaram a ser notificados pelo ministério sobre a necessidade de monitoramento dos casos de SIM-P, alertas foram emitidos a todas as unidades de saúde e centros de operações de emergências foram criados. Elaborar informações que orientem os profissionais também faz parte da organização, como fez o Acre, ao produzir nota estadual e convocar reuniões com grupos estratégicos para alinhar as ações de atendimento e notificação.

Mesmo assim, é possível que o País enfrente subnotificação. O ministério reconhece que "por se tratar de uma nova apresentação clínica, ainda pouco conhecida, e de características muito semelhantes à síndrome rara de Kawasaki, é possível que se tenha subnotificações de casos relacionados temporalmente à infecção pelo Sars-cov-2". "Como toda doença de notificação, tem delay entre a internação e o profissional de saúde fazer a notificação e coletar a notificação", diz Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). No dia 7, a entidade publicou nota de alerta para a necessidade de notificação obrigatória da SIM-P em todo o Brasil.

Ele acredita que a situação de agora é diferente do surto do novo coronavírus. "A covid, claramente, tem subnotificação porque alguns casos são leves, assintomáticos, ainda não há disponibilidade suficiente de teste. No caso da síndrome, são poucos casos e que precisam de hospitalização. A tendência é que a subnotificação seja branda."

Saulo Duarte Passos, professor titular de pediatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí, reforça a necessidade de atenção e vigilância. "O nosso sistema de notificação ainda é precário. Precisa de envolvimento maior das autoridades, dos profissionais de saúde, de sensibilização maior de todos."

Um fator que pode comprometer a correta notificação dos casos é a semelhança que a SIM-P tem com a síndrome de Kawasaki. Sáfadi explica que ambas podem ser confundidas por apresentarem sintomas parecidos, mas a faixa etária acometida e as manifestações mais intensas na síndrome identificada após a covid-19 podem ajudar a diferenciar um quadro do outro. E como ela afeta vários órgãos e sistemas do corpo, pode ainda ser classificada como outra doença.

Passos destaca que o que pode distinguir as condições é a chamada tempestade de interleucina, substância que é a base da cadeia inflamatória na covid-19 e responsável pela inflamação nos pulmões. "O ideal é que tivéssemos um marcador de diagnóstico (para a SIM-P), mas não tem um exame nem existirá. Depende da sensibilidade clínica do profissional de saúde", afirma Sáfadi. Na Bahia, por exemplo, a secretaria da saúde contabiliza 18 notificações que, a princípio, se encaixavam na síndrome inflamatória multissistêmica. Dessas, 11 tiveram como diagnóstico final a SIM-P, 3 foram identificadas como síndrome de Kawasaki, 2 tiveram outras classificações e 2 ainda não têm confirmação.

Internação. Segundo os médicos, a internação de pacientes da síndrome é regra, até mesmo pela necessidade de tratamento com medicação intravenosa e observação do quadro clínico. No Distrito Federal, quatro crianças foram identificadas com a síndrome potencialmente ligada à covid-19 (duas delas são de outros Estados), sendo que todas precisaram de internação. No Rio Grande do Norte, os oito diagnosticados também foram hospitalizados – quatro já receberam alta.

Sem indentificação

"É natural que tenha defasagem de números e podemos ter quadros que não foram identificados."

Marco Aurélio Sáfadi

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA