Correio braziliense, n. 21000, 22/11/2020. Política, p. 4

 

Aliança que continua no papel

Ingrid Soares 

22/11/2020

 

 

Partido político que tende a ser a casa eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, o Aliança pelo Brasil ainda está longe de atender aos requisitos para ser homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Uma batalha que dura mais de um ano e que, até novembro passado, reuniu apenas 42.789 mil rubricas válidas — ou seja, aproximadamente 9% do mínimo que é preciso, das 492 mil assinaturas necessárias para que a legenda saia do papel. A intenção era que a sigla deslanchasse ainda para as eleições municipais, o que não se concretizou.

Na visão do ex-ministro do TSE e secretário-geral do Aliança, Admar Gonzaga, o partido segue em processo de formação ágil, apesar dos entraves, e a expectativa é que as assinaturas necessárias sejam entregues até o final de janeiro de 2021. Isso possibilitará que o partido esteja pronto para lançar Bolsonaro à reeleição, em 2022.

"Temos dois anos para construir o partido, até o final do ano que vem. Poderíamos pedir mais tempo porque a Justiça Eleitoral fechou por mais de cinco meses. Na minha avaliação, está indo bem, numa velocidade boa. Tem toda essa crítica, mas as pessoas não percebem que, durante a pandemia, não podemos coletar (assinaturas). Além do mais, os cartórios estavam fechados para a entrega das fichas, o que atrasou o processo de conferência das assinaturas e dos títulos válidos", relatou.

Gonzaga afirmou que, apesar de não se reunir com Bolsonaro há mais de um mês e meio, o presidente mantém-se informado sobre do andamento do partido e não demonstra pressa na construção da sigla, pois "sabe que o trabalho está sendo feito".

"Ele está tranquilo. Não nos encontramos nesse tempo porque ele está envolvido em muito trabalho também", explicou.

Para o secretário-geral da sigla, na época da criação do PSD, que ajudou a fundar, criar partidos era mais fácil. "Era diferente. Depois disso, o Congresso estabeleceu que quem é filiado a partidos não pode apoiar e instalou-se no Tribunal o sistema para conferir a validade dos títulos", observou.

O ex-ministro reconhece que faltou, no primeiro turno da eleição municipal, no último dia 15, um partido aglutinador, capaz de captar os votos da direita. E se o Aliança tivesse ficado pronto a tempo, o alcance do apoio de Bolsonaro e dos candidatos teria sido maior.

"Temos dificuldade porque, se criarmos com pressa, embarca muita gente que não passou pela triagem do partido. Por outro lado, os candidatos mais alinhados à direita e centro-direita tiveram que se abrigar em outras legendas, e o eleitor teve dificuldade de identificar. O eleitor de direita não sabia onde encontrar esses candidatos. Assim, não vale a pena apressar porque acabam embarcando oportunistas, como alguns se revelaram", constatou.

Gonzaga não cravou um prazo, mas afirmou que, até março de 2021, as assinaturas necessárias serão coletadas. "Talvez muito antes disso, mas não quero dar datas porque vai que tem outra pandemia aí. Mas, temos prazo máximo até dezembro de 2021, já que a legislação eleitoral estabelece que cada apoiamento tem validade de dois anos. O Aliança vai ficar pronto, vamos trabalhar por isso", observou.

Já o vice-presidente do Aliança, Luís Felipe Belmonte, ressaltou que tudo segue dentro do prazo, e que mais de 195 mil assinaturas ainda não foram apreciadas por conta do período eleitoral, mas que outras 50 mil serão lançadas no sistema.

492 mil

É a quantidade de assinaturas para que um partido político seja criado, de acordo com o TSE

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Paira uma dúvida: e se o presidente não se filiar?

22/11/2020

 

 

A criação do Aliança pelo Brasil não é a única dúvida que persiste sobre o partido. A entrada automática do presidente Jair Bolsonaro é outro enigma. Isso porque ele disse que não pode investir 100% na criação da sigla e admitiu que mantém conversas com outras legendas –– inclusive, um retorno ao PSL não está afastado, assim como a adesão a alguma agremiação que companha o Centrão.

Isso não parece abalar o vice-presidente do Aliança, Luís Felipe Belmonte. Sobre a eventual desistência de Bolsonaro em se juntar à sigla, considera que "a escolha será dele".

Mas, ao contrário do pai, o filho 03 do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), defende que o Aliança fique pronto o quanto antes. No último dia 17, após os resultados do primeiro turno, ele usou as redes sociais para fazer um desabafo e disse que o resultado da eleição municipal não foi o que a direita esperava.

"Formar o Aliança, ou ter um partido verdadeiramente conservador, torna-se a cada dia mais fundamental, seja para o embate nas Casas legislativas, seja para a eleição. Os diferentes grupos e pessoas de direita poderiam estar em maior contato, melhor comunicação e amadurecer para não se enxergarem como adversários nas eleições", defendeu.

Para a advogada constitucionalista e mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV) Vera Chemim, a fragmentação na direita inviabiliza a criação do Aliança e a possibilidade de reeleição de Bolsonaro, a menos que as políticas e ações governamentais direcionadas às regiões Norte e Nordeste venham a sustentar um segundo mandato.

Já o cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando explica que a criação do Aliança não quer dizer que agregará maciçamente os conservadores ou todo o espectro da direita. "Partidos que saem fortalecidos da eleição municipal têm uma máquina à disposição e têm vereadores e prefeitos a lutar por seus candidatos no plano nacional. Bolsonaro terá que se virar com o Centrão e pensar como chegar forte se o pós-pandemia trouxer uma crise profunda", alertou. (IS)