O Estado de São Paulo, n.46329, 21/08/2020. Política, p.A5

 

TSE indica garantias a candidatos negros

Rafael Moraes Moura

21/08/2020

 

 

Corte deve formar maioria para que critério racial seja levado em conta pelas siglas na divisão dos recursos; três ministros já votaram a favor

Três dos sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já votaram para que o dinheiro do fundo eleitoral e o tempo de propaganda no rádio e TV sejam divididos na mesma proporção de candidatos negros e brancos de cada sigla. A ofensiva do TSE para obrigar os partidos a usar o critério racial para uma divisão mais igualitária de recursos gerou descontentamento e pedidos de reação no mundo político. Dirigentes de partidos dizem que o Congresso Nacional deve se pronunciar sobre a questão.

A discussão foi interrompida ontem por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Og Fernandes, mas o Estadão apurou que a maioria do TSE deve acompanhar o entendimento de que é preciso corrigir distorções históricas e evitar que os partidos sigam favorecendo políticos brancos. No centro da disputa estão os R$ 2 bilhões do fundo eleitoral destinados ao financiamento de candidaturas de prefeitos e vereadores nestas eleições.

"Há momentos na vida em que você precisa escolher de que lado da história quer ficar. Tudo indica que o TSE irá se posicionar contra o racismo estrutural da sociedade brasileira. Estaremos do lado dos que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores", disse o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, ao Estadão.

Uma das questões em aberto é se a decisão do tribunal já será aplicada nestas eleições ou se a Corte vai optar por uma espécie de "regra de transição". Ao suspender a análise do tema, Og Fernandes prometeu aos colegas que devolveria o caso para julgamento na próxima terça-feira.

A discussão, iniciada em junho, gira em torno de uma consulta apresentada ao TSE pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que pediu ao tribunal para estabelecer uma cota de 30% de candidaturas negras em cada partido. Atualmente, os partidos não são obrigados a lançar um número mínimo de candidatos negros e negras.

A medida foi rejeitada por Barroso, relator do caso, para quem uma iniciativa nesse sentido, com a criação de uma cota de candidatos negros, depende de legislação aprovada pelo Congresso. Barroso, no entanto, acolheu outro pedido da parlamentar, de que o dinheiro do fundo eleitoral e o tempo de rádio e TV sejam divididos na mesma proporção de candidatos negros e brancos em cada sigla. A análise foi retomada ontem com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou Barroso.

"Faço questão de salientar essa relevantíssima questão: o que se discute é a distribuição de recursos públicos. Tanto os recursos financeiros quanto o direito de arena, tempo de televisão e rádio, todos esses recursos são públicos e, se são públicos, esses recursos devem respeitar em sua execução os fundamentos constitucionais da República", afirmou.

Em seu voto, Moraes ressaltou que não se trata de substituir a atuação do Congresso, mas, sim, de "assegurar direitos fundamentais de grupos historicamente vulneráveis". Além de Moraes e Barroso, o ministro Edson Fachin também já votou a favor da distribuição de recursos do fundo eleitoral, formando o placar provisório de 3 a 0.

 

Reação. Como o Estadão havia antecipado, dirigentes de partidos de diferentes matizes ideológicas resistem à iniciativa da Justiça Eleitoral. Mesmo os que concordam com a tese de Benedita, agora parcialmente encampada pelos ministros do TSE, argumentam que seria necessário o Congresso Nacional se manifestar, pois o assunto deveria ser tratado por meio de lei.

"Concordo plenamente com o mérito da questão. Penso, entretanto, que o TSE não tem o poder de legislar sobre a matéria. Tal poder é exclusivo do Poder Legislativo. Mas, no Brasil, tornou-se comum o Poder Judiciário invadir a competência do Legislativo, sem reação à altura por este último poder", disse Carlos Siqueira, presidente do PSB.

Outros dirigentes, que preferiram falar em anonimato por receio de uma repercussão negativa, ponderaram que há diferenças regionais na proporção de negros na população brasileira, o que deveria ser levado em conta.