Correio braziliense, n. 20996, 18/11/2020. Artigos, p. 11

 

Reforma Trabalhista. Onde estão os prometidos empregos?

Ronaldo Curado Fleury 

18/11/2020

 

 

No final de 2016, o governo federal enviou ao Congresso Nacional projeto de lei que objetivava reformar sete artigos estratégicos da CLT em tópicos de proteção aos trabalhadores e ao financiamento dos sindicatos. No Legislativo, a proposta foi turbinada pelo deputado Rogério Marinho, hoje ministro de Estado, passando a alterar 117.

O processo legislativo foi tocado com a astúcia de eufemismos conhecidos, como o de que não seria uma reforma, mas uma "modernização" que importaria na geração de empregos. Autoridades da República, inclusive um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), não se constrangeram em espalhar fake news, com retórica professoral, como a de que o Brasil seria responsável por 98% das reclamações trabalhistas do mundo ou que a CLT seria uma velha senhora de 75 anos. Omitiam que mais de 85% da CLT haviam sido alterados.

Recordo-me de participar de audiências públicas no Congresso Nacional, como a realizada em 16 de fevereiro de 2017, quando o então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, afirmou que que a "modernização" iria "gerar... em torno de 5 milhões de empregos no Brasil".

Na mesma linha, o presidente Michel Temer, afirmou que a reforma criaria "mais de 2 milhões de empregos". O mais "otimista", sem dúvida, foi o então ministro Henrique Meirelles, que assegurou a criação de 6 milhões de empregos. Recentemente, o ex-presidente Temer admitiu que seu governo superestimou os efeitos da reforma trabalhista.

Nas diversas oportunidades do processo legislativo em que fui convidado a debater a reforma, assinalei a urgência da criação de empregos e da regularização das relações informais de trabalho. Afirmei, contudo, que "o que permite a criação de empregos e garante a regularização dos informais é o desenvolvimento da economia, o crescimento da demanda e não a precarização das relações de trabalho". Aliás, eu fazia tal afirmação baseado no estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que analisara impactos da flexibilização da legislação trabalhista em 62 países. Não me recordo de um estudo sério, sequer, apresentado pelos defensores da reforma, que sustentariam suas falas e previsões de um futuro maravilhoso.

As mudanças, com graves consequências para a Justiça do Trabalho, além do direito e do processo do trabalho, prejudicando seriamente os trabalhadores, foram embaladas por discursos que falsearam dados e ignoraram a fragilidade jurídica dos trabalhadores numa sociedade constrangedoramente desigual. Os principais articuladores da dita reforma, que deu de ombros para a sociedade, receberam o veto nas urnas. A maioria não foi reeleita no pleito de 2018.

Qual não é a nossa surpresa ao ver aqueles que defendiam a destruição da legislação trabalhista, como a chave para o paraíso, atribuírem o malogro das suas promessas às crises econômicas que se sucederam a partir de novembro de 2017!

Agora, distorcem e retorcem o discurso. Condicionam a criação de empregos ao desenvolvimento econômico. Longe de ficar lisonjeado com o reconhecimento tardio de que estávamos certos, e eles, errados. Ao contrário, o sentimento é de ter cumprido o papel constitucional na representação do MPT.

Não carrego alegria pelo resultado dessa luta enfrentada em triste quadra da nossa história, mas ostento a certeza de que, em manifestações técnicas fundamentadas, fui fiel à missão institucional e não traí a confiança dos membros do Ministério Público do Trabalho, que me elegeram procurador-geral não para fazer adulações a autoridades de plantão, mas, para atuar com altivez, respeito e firmeza na defesa das pautas institucionais.

Ainda vivemos num país democrático. Luto para que as futuras gerações vivam a democracia que lutamos para conquistar, usufruam um país melhor, mais justo e menos desigual, livre de espertezas e enganações.

Hoje, passados três anos da reforma trabalhista, pergunto: onde estão os 2, 3 ou 6 milhões de novos empregos que nos foram prometidos? Segundo o IBGE, antes da pandemia, eram cerca de 13 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados e 28 milhões de informais. Nos prometeram o paraíso e vemos um país de ainda mais desempregados e de trabalhos precários, além da diminuição dos salários. Aliás, hoje, os trabalhadores por conta própria e os biscateiros são chamados de empreendedores.