O Estado de São Paulo, n.46327, 19/08/2020. Política, p.A13

 

TSE rejeita punir abuso de poder religioso

Rafael Moraes Moura

19/08/2020

 

 

Maioria da Corte é contra tese do ministro Edson Fachin, que previa cassar mandato de político que usa influência sobre fiéis para ter voto

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou ontem a possibilidade de políticos terem o mandato cassado por abuso de poder religioso já nas eleições deste ano. O julgamento sobre o tema fez o TSE entrar na mira da militância digital bolsonarista e de lideranças evangélicas, que veem, na discussão, um ataque ao conservadorismo e ameaça à liberdade de culto.

Atualmente, a legislação eleitoral prevê três tipos de abuso de poder que podem levar à perda do mandato: político, econômico e uso indevido dos meios de comunicação. O ministro Edson Fachin propôs criar a possibilidade de se punir, também, quem utiliza sua ascendência religiosa sobre algum grupo para influenciar na escolha de candidatos, o que foi rejeitado pelos outros integrantes do TSE.

Ao apontar dificuldades no debate do tema, o ministro Luís Felipe Salomão ressaltou que não há previsão legal que combata especificamente o abuso de poder religioso – o que dependeria da aprovação de uma lei pelo Congresso. Na avaliação de Salomão, eventuais práticas ilícitas cometidas na esfera religiosa podem ser punidas por meio de dispositivos já previstos, como propaganda irregular, compra de votos, abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.

O ministro Og Fernandes foi na mesma linha. "Tenho o entendimento de que não é preciso destacar uma categoria para sedimentar que a Constituição proíbe a fraude às eleições, de modo que eventuais abusos praticados por lideranças, sejam elas eclesiásticas, sindicais, patronais, esportivas, artísticas (...) estão incluídas na expressão fraude", disse.

Og, Salomão e Sérgio Banhos acompanharam o entendimento dos ministros Alexandre de Moraes e Tarcísio Vieira, que já haviam votado contra a punição ao abuso de poder religioso.

Críticas. Voto vencido, Fachin é o relator do caso que envolve a vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), reeleita em 2016. Pastora da Assembleia de Deus, ela é acusada de usar sua posição na igreja para influenciar o voto de fiéis. Fachin votou contra a cassação da vereadora, por não encontrar provas suficientes no processo, mas ressaltou que Estado e religião devem ser mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores.

Integrantes da Corte avaliavam que o caso em si não era dos melhores para debater a figura do abuso de poder religioso – todos votaram contra cassar o mandato de Valdirene. "As circunstâncias desse caso concreto não permitem uma discussão de nenhum desses pontos", afirmou o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso.

Em reunião reservada com deputados da Frente Parlamentar Evangélica, no último dia 5, Fachin ouviu críticas à sua proposta. Para os parlamentares, é "ativismo judicial" cassar o mandato de políticos por abuso de poder religioso. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) alegou que a legislação eleitoral não prevê esse instrumento, de modo que a aplicação de eventuais sanções com base neste conceito pode violar a liberdade religiosa.