Correio braziliense, n. 20994, 16/11/2020. Economia, p. 8

 

Trabalhador doméstico sofre mais na pandemia

Rosana Hessel 

16/11/2020

 

 

Dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) mostram que o desemprego está voltando no meio da pandemia, e, nesse cenário, os trabalhadores domésticos estão sendo os mais afetados. O número desses profissionais chegou a 4,6 milhões, de acordo com a última Pnad Contínua, no trimestre encerrado em agosto, o menor patamar da história.

Segundo analistas ouvidos pelo Correio, a taxa de desemprego do trabalhador doméstico vem sendo maior do que a média geral, especialmente entre aquele sem carteira, o mais prejudicado durante a crise porque é mais fácil desligar quem não tem vínculo trabalhista.

"De julho para setembro, a população ocupada bateu o fundo do poço e começou a ter algum aumento, mas, no caso do trabalhador doméstico, isso não está acontecendo. E esse tipo de profissional é o que está mais registrando perdas no momento", destacou Marcos Hecksher, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que fez um levantamento mensal da evolução do desemprego usando como base as Pnads Covid e Contínua.

"O desemprego dos trabalhadores domésticos caiu 32,6% entre fevereiro e julho, mais ou menos dois terços, incluindo os com e sem carteira. Essa queda desde fevereiro foi muito forte e não houve recuperação", salienta.

Alexandre Almeida, economista da CM Capital, estima que o setor de serviços domésticos apresente queda de 27,51% de toda a população ocupada, pela análise da Pnad Contínua em sua comparação anual. "Entretanto, se compararmos o mesmo período da população ocupada total da economia, a queda é de 12,78%, ou seja, significativamente inferior à redução na categoria de serviços domésticos. Esse segmento apresenta uma taxa de queda na população ocupada e um crescimento inferior na remuneração média habitual, que em, boa parte, é absorvida pela inflação corrente. Em contrapartida, a população ocupada total da economia, apesar de exibir uma queda relevante, mostra uma recuperação substancial na remuneração média anual que pode ser explicada pela política de auxílio emergencial", observou.

Rota de subida
A taxa de desemprego no país bateu o recorde da série histórica da pesquisa, de 14,4%, no trimestre encerrado agosto, de acordo com dados da Pnad Contínua. Contudo, estimativas dos analistas indicam que esse indicador pode ultrapassar facilmente 15% nos próximos meses, batendo novos recordes históricos até meados de 2021.

Além disso, eles alertam que a realidade do mercado de trabalho não é tão cor-de-rosa quanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, costuma pintar. Basta incluir nessa conta os desalentados –– pessoas que não procuram mais emprego ou estão fora pesquisa do IBGE porque sabem que não adianta sair em busca de trabalho em plena recessão. Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), estima que, com isso, o desemprego total poderia chegar a 33% –– ou seja, um terço da força de trabalho, em grande parte devido ao crescimento no número de desalentados.

"O desemprego estava tendo uma redução lenta no começo da pandemia, mas a tendência é aumentar nos próximos meses, em virtude da redução do auxílio emergencial e, posteriormente, o fim do benefício no ano que vem", destaca. Segundo Duque, no caso dos trabalhadores domésticos, os direitos trabalhistas e questões culturais vinham levando à queda nesse tipo de atividade.
"Com a pandemia, as pessoas perderam muita renda e cortaram despesas. E esse (serviço doméstico) é um gasto importante para a maioria das famílias de classe média", destacou.

Para Duque, "as pessoas vão se adaptando a conviver com o trabalho doméstico, tendem a prescindir desse tipo de serviço, que costuma ser um gasto elevado para as famílias", salientou.
O pesquisador do Ibre rebate afirmação de Paulo Guedes de "que o desemprego gerado durante a pandemia, até setembro, é menor do que na recessão de 2015 e 2016". "A tendência é de o desemprego aumentar porque há um contingente expressivo da força de trabalho que está fora do mercado devido ao auxílio e vai voltar a procurar emprego com o fim do benefício", afirmou.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Previdência em queda

16/11/2020

 

 

Nem mesmo a lei que garantiu aos domésticos ajudou a melhorar o cenário para esses trabalhadores, pois, pelo histórico da arrecadação registrado pela Receita Federal, as contribuições vêm apresentando os menores níveis da história. Os valores recolhidos pelo Fisco apontam queda de quase 7% nas contribuições previdenciárias dos domésticos (incluindo empregador e empregado) –– confira quadro acima.

"Houve uma diminuição do valor arrecadado e na quantidade arrecadada de contribuição previdenciária do doméstico neste ano, em relação aos anos anteriores. Comparando os meses de janeiro a outubro de 2019 e de 2020, houve uma redução de quase 7% no valor pago e redução de 8,5% na quantidade de pagantes", destacou a Receita, em nota.

Em outubro deste ano, o total de pagantes somou 884.524, o segundo menor patamar da série histórica, iniciada em janeiro de 2016 e 22,2% abaixo do pico de 1.136.614 contribuintes, computado em maio do mesmo ano. O piso, de 875.853 pagantes, foi registrado em setembro.

A Secretaria Especial de Previdência do Ministério da Economia evita divulgar e comentar esses dados ao mesmo tempo que cresce o número de analistas criticando os dados positivos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pela pasta. "Os números do Caged não deveriam ser tão bons no meio da pandemia", destacou Carlos Alberto Ramos, professor da Universidade de Brasília (UnB). (RH)

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Elevada informalidade

16/11/2020

 

 

De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a informalidade é a regra no mercado de trabalho doméstico –– acima de 70% da base desses trabalhadores. Para o economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), "tem muita desigualdade nesse ramo e, como grande parte é informal, tem renda muito baixa".

Por isso, na avaliação do economista Carlos Alberto Ramos, professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), as conquistas recentes dos trabalhadores domésticos estão ameaçadas pela pandemia e pelo avanço de tecnologias.

"Muitas famílias de classe média que estão ficando mais em casa compram eletrodomésticos, como lava-louças, e substituem a mão de obra doméstica para evitar contato social. E esta é uma tendência de toda a sociedade que se moderniza e não haverá reversão, como vemos nas economias avançadas", explicou.

Ramos reconhece que o desemprego tende a aumentar no Brasil daqui para frente, principalmente, entre os trabalhadores domésticos. "Este setor ainda vai ser mais punido ainda porque o processo de avanço tecnológico não terá substituição. Quem comprou a máquina de lavar louça não vai devolvê-la para contratar um empregado. Além disso, os setores nos quais haverá oportunidades de emprego, como o de tecnologia, não absorve esse tipo de trabalhador, mesmo que ele faça cursos, porque muitos têm cultura baixo nível educacional", lamentou.

Flexibilidade
A economista e consultora Zeina Latif reconhece que o cenário do mercado de trabalho e, principalmente, do trabalhador doméstico, não é animador nos próximos meses, quando se verá o desemprego subir, pois, no conceito ampliado, a taxa está mais elevada do que a apontada pelo IBGE.

"O mercado de trabalho brasileiro não tem muita flexibilidade para realocação. Do ponto de vista de arrecadação, é melhor a formalidade, pois os brasileiros fazem pouca poupança para momentos de adversidade. Pensando em prioridades, seria bom ter uma nova rodada de leis trabalhistas para o país lidar com momentos difíceis como este. As pessoas vão começar a procurar trabalho com o fim do auxílio emergencial", destacou.

Para Zeina, a geração de vagas não vai dar conta do número de pessoas procurando emprego e o país não vai ver uma recuperação em V como o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que vem ocorrendo. "As medidas que o governo federal adotou, como o auxílio emergencial e as de flexibilização dos contratos de trabalho, ajudou a preservar 10 milhões de empregos. As políticas públicas adotadas têm efeito transitório e não resolvem os problemas estruturais", alertou. (RH)