O globo, n.31892, 30/11/2020. País, p. 16

 

Cacife eleitoral

Sérgio Roxo 

30/11/2020

 

 

Nem bem a apuração dos votos em São Paulo havia sido encerrada, o candidato Guilherme Boulos (PSOL) telefonou para o tucano Bruno Covas — vencedor do pleito com 59,38% dos votos — para parabenizá-lo pela vitória no segundo turno. Com uma campanha focada no mote “vamos virar”, Boulos não conseguiu alcançar a simpatia da maioria dos paulistanos, embora deixe a eleição com um cacife eleitoral até pouco tempo atrás inimaginável. O candidato pso lista teve 40,62% dos votos.

Em discurso gravado por conta do diagnóstico por Covid-19, Boulos fez questão de conclamar a esquerda para que se inspire na sua performance na eleição paulistana.

— Quero agradecer a todos os partidos e apoios que vão muito além da cidade de São Paulo, como o ex-presidente Lula, Ciro Gomes, Marina Silva, Flávio Dino. Vou trabalhar a partir de agora para que o que a gente conseguiu construir e unir aqui em São Paulo sirva de inspiração para o Brasil —disse Boulos. — Vou estar à disposição como sempre estive, nas lutas do nosso povo em São Paulo e no país.

Pouco antes, em pronunciamento do terraço de sua casa, na periferia da cidade, agradeceu à militância:

— Quero agradecer de coração a cada um e cada uma que acreditou e segue acreditando. A todos que semearam amor e esperança. A gente vai ganhar, a gente vai vencer. Não foi nesta eleição, mas ainda vamos ganhar —disse Boulos.

A campanha de Boulos até se animou com o resultado do Datafolha da última terça-feira e, a partir daí, passou a sonhar com uma virada sobre Covas. O resultado positivo de exame para o novo coronavírus na sexta-feira, porém, foi um balde de água fria. O debate da TV Globo, visto como esperança para conquistar votos, acabou cancelado.

Além disso, nas redes sociais surgiram comentários questionando o candidato pelo fato de ele ter mantido  atividades de campanha mesmo depois de saber que a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) estava com coronavírus. A parlamentar havia participado de um evento de campanha junto com ele no dia 20.

Mas, apesar da derrota, a votação obtida por Boulos é motivo de comemoração no PSOL. O candidato emerge da eleição paulistana com cacife para ter papel de destaque nas discussões da disputa presidencial de 2022.

Boulos conseguiu superar a hegemonia do PT no campo da esquerda em São Paulo. Desde 1988, o partido havia vencido ou terminado em segundo em todas as eleições da cidade. Por enquanto, a ideia é que ele mantenha a sua atuação ativa nas redes sociais, território em que se consolidou como um antagonista do presidente Jair Bolsonaro.

FATO NOVO

O líder dos sem-teto ainda deverá trabalhar para manter o diálogo com nomes de peso da esquerda que o apoiaram no segundo turno, como os ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), o ex-presidente Lula (PT) e o governador Flávio Dino (PCdoB-MA).

—O grande fato no campo da esquerda nas eleições municipais deste ano é o Boulos. Ele emerge como uma liderança nacional e passa a ser importante nos debates para 2022 — afirma o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP).

Mas seus aliados admitem que, apesar de ter conseguido na disputa paulistana o que Fernando Haddad não alcançou em 2018 contra Bolsonaro, uma união completa das siglas de esquerda para 2022 ainda é um sonho distante no horizonte.

Ciro, por exemplo, dificilmente desistiria de concorrer. Antes de declarar o apoio a Boulos no segundo turno, o pedetista havia criticado, em uma entrevista no primeiro turno, a falta de experiência do candidato do PSOL. Ciro só embarcou na campanha do líder dos sem-teto pelo desejo de ver um aliado do governador João Doria (PSDB), também cotado como presidenciável, ser derrotado.