Correio braziliense, n. 20993, 15/11/2020. Cidades, p. 28

 

Juntos, apesar de tudo

Ana Maria da Silva 

15/11/2020

 

 

Em meio à pandemia e ao isolamento social, as famílias brasilienses precisaram adaptar suas rotinas. O almoço de domingo, antes com toda família reunida, passou a ser com cada um em sua própria casa. Os aniversários, que antes eram celebrados com todos amigos e familiares foram adaptados. Nesse novo normal, as famílias passaram a buscar novas tradições e costumes. Seja um almoço com os vizinhos em isolamento, seja uma reunião por semana para jogos, o fato é que muitos criaram — ou resgataram – soluções para sair do tédio.

A estudante universitária Marina Moura, 26 anos, adaptou o dia a dia em casa com seus pais, com quem mora. "Passamos por inúmeras mudanças, foi tudo muito rápido e um choque de que a realidade seria outra a partir daquele momento. Teríamos que nos adaptar, o que nos acalmava um pouco era saber que estávamos em família e juntos", lembra. "Tenho três irmãos e ficamos sem ter contato total com eles por um bom tempo. Isso chocou bastante. Levo uma vida movimentada, tive que parar com tudo, minha mãe estava acostumada a ver a casa cheia de filhos e netos, tudo mudou. No início foi bem difícil, mas, aos poucos, estávamos sabendo lidar", afirma.

Antes da pandemia, Marina conta que os horários da rotina familiar eram bem diferentes, mas, com a pandemia, o tempo ganhou outros significados. "Começamos, de fato, a almoçar juntos, jantar, assistir à televisão, sentar na sala pra conversar. Foi algo que estávamos sentindo falta antes da pandemia e que nos aproximou bastante", afirma. De acordo com a estudante, os momentos são únicos: "risadas atrás de risadas", brinca.

Televisão

Separar um tempo para ficar em família tornou-se uma das prioridades da casa. Os momentos de união ajudaram a filha e os pais a relembrarem e trazerem à tona algumas tradições. "O fato de assistirmos a algum programa de televisão era algo que fazíamos desde quando eu era novinha, na pandemia, e essa tradição voltou", conta. "Começamos a ficar juntos na sala, chegamos até a dormir juntos, no mesmo quarto. Pegamos nossos programas favoritos que passam na televisão e, pronto, estávamos sempre juntos nesses momentos", recorda.

Segundo Marina, a reaproximação da família tem ajudado todos a passarem pelo momento difícil da crise sanitária. "Foi algo que aconteceu no momento certo, sou muito grata por isto. Eu sentia falta, e com a correria não sabia como ajustar nossos horários para termos momentos juntos", ressalta. "Saber que estamos passando por tudo isso e ter nossos pais ao lado dão uma segurança, né? Todos nós respeitamos os momentos em que não queremos muito papo, ou estamos mais quietos, mas, também, nos ajudamos tanto na fase psicológica quanto nas atividades da casa. Estar em isolamento com meus pais me motiva muito a acreditar que tudo ficará bem, é um cuidando do outro", acredita.

Valores

De acordo com a psicóloga Juliana Gebrim, durante o isolamento social as pessoas passaram a perceber a importância dos laços no núcleo familiar. "Elas começaram a ficar mais aglomeradas dentro de casa e, com isso, tiveram que lidar com questões que muitas vezes foram esquecidas, ou não tinham tempo nem disponibilidade. Agora, com a iminência de uma pessoa pegar covid-19, essas relações e tradições ficaram mais estreitas. Esse foi um dos lados positivos da pandemia nesse momento", afirma.

Perpetuar valores e manter a união, cooperação e harmonização do ambiente familiar. Juliana explica que as tradições tornaram-se ainda mais importantes no período de isolamento social. "Com muitas pessoas em isolamento, torna-se o momento ideal para socialização dentro do núcleo familiar, e as tradições podem ajudar nesse sentido. O isolamento favoreceu o surgimento delas, no sentido de dar mais coesão e fortalecimento para as pessoas durante esse momento difícil para todos, em maior ou menor grau", acredita.

A psicóloga explica que uma tradição familiar se caracteriza por questões intrafamiliares que são propagadas de gerações após gerações. "Como, por exemplo, encontros em determinadas datas que são, muitas vezes, inegociáveis e intransferíveis", cita. Os benefícios são incontáveis, conforme explica Juliana. "Vão desde a transmissão de valores após gerações, até a segurança emocional na geração atual. Podemos criar tradições dentro de um âmbito familiar, e é algo que vai muito de cada núcleo e origem, muitas vezes até cultural. E podemos resgatar antigas também, dentro daquele núcleo de valores e cultura de onde aquela família é proveniente", ressalta.

A estudante universitária Maria Eduarda Tambara Marzola, 22, explica que o momento de isolamento social fez com que a família fortalecesse laços. Com as mudanças na rotina, novas tradições surgiram junto com seu irmão, o estudante Pedro Tambara Spindola Álvares, 15. "Estimulo ele a ler, com a meta de, ao menos, três páginas por dia. Desde então, durante a noite, pegamos o meu Kindle (tablet para leitura de livros) e lemos juntos poesias e poemas. Aprendemos palavras novas e damos muitas gargalhadas com tudo", conta.

De acordo com a estudante, os momentos não foram planejados. "Eu não esperava que ele fosse se interessar, sabe? Li algumas poesias e ele se envolveu no momento. Depois, passei para ele o Kindle e pedi que lesse a próxima. Fluiu. Desde então lemos juntos", conta. A iniciativa tem ajudado na relação dos dois, além de trazer outros benefícios: "Sem dúvidas tem fortalecido nossa relação, nos entretém bastante e ajuda na ansiedade", afirma. A pretensão é manter a tradição, conforme explica Maria Eduarda. "Com certeza, queremos continuar e trazer mais pessoas para esse momento", ressalta.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

União familiar e novas tradições

15/11/2020

 

 

A distância não foi impedimento para os familiares da estudante universitária Cibele Soares Barbosa, 20, que, após serem diagnosticados com a covid-19, puderam valorizar cada vez mais o tempo juntos. "Logo no início da pandemia, meus tios constataram que estavam com covid-19 e descobrimos que também estávamos contaminados. Foi um período que passamos isolados, mas, também, muito juntos. Tivemos o apoio um do outro, e depois disso começamos a olhar de um jeito diferente", conta.

A parceria, segundo a estudante, aumentou ainda mais. "Passamos a fazer muitas coisas juntos, desde participar da missa em casa, até refeições e jantares, coisas que antes não eram costume", ressalta. Para Cibele, o tempo de união familiar trouxe grandes benefícios. "Eu acredito que esse tempo que ficamos doentes nos uniu bastante. Todos os dias conversávamos, ligamos para famílias de outros estados para perguntar como estavam. Então, estávamos sempre nos ajudando, e, mesmo os que moravam longe, começaram a se aproximar mais", diz.

Com isso, novas tradições surgiram. Católica e participante ativa de movimentos na igreja, Cibele decidiu aplicar, dentro de casa, o que via acontecendo nos grupos que participa. "Muitos grupos começaram a se reunir on-line, a fazer lives e rezar o santo terço. No meu grupo de oração, começamos a organizar e pensei em levar isso para minha família também", partilha. "Convidei todos para rezarem o santo terço por vídeochamada. Mesmo os familiares de outros estados e regiões participaram. Eu pensei que ia ser só uma vez, que iríamos nos reunir naquele dia e acabava por aí. Mas, aí, resolvemos dar continuidade", recorda.

A experiência, que começou em maio, motivou os familiares da estudante, que passaram a se reunir quinzenalmente via internet. "No primeiro terço, conseguimos juntar a maioria, rezamos, cantamos. Foi muito bom. Ao final, todos queriam repetir e pensamos em começar a fazer de 15 em 15 dias. Desde então, toda a família passou a reservar o domingo para rezar, e até hoje estamos aqui, firmes e fortes. Até meus avós que são do interior e não conhecem muito de tecnologia participaram", conta.

Para a estudante, o terço quinzenal serviu para que a família valorizasse ainda mais a união. "Esse é o momento que mais nos unimos. Acredito que antes da pandemia, quando nos encontrávamos pessoalmente, não tínhamos experiências tão fortes e especiais juntos. Mas, quando nos colocamos em oração e cada uma vai colocando a sua intenção, a intenção de cada casa e família é uma forma que temos de nos abrir", ressalta. "Mais do que qualquer amigo ou colegas de trabalho, quem realmente vai sempre estar ao nosso lado é a família. Esses momentos têm sido importantes para fortalecermos laços com pessoas que são do nosso sangue, que Deus escolheu para estarem conosco ao longo da vida", pondera.

* Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira