Correio braziliense, n. 20993, 15/11/2020. Mundo, p. 22

 

Vacinação sob risco

Vilhena Soares 

15/11/2020

 

 

As Nações Unidas listam a hesitação vacinal como uma das 10 principais ameaças à saúde mundial. Diante da pandemia da covid-19, a preocupação com essa questão tornou-se ainda maior, levando cientistas a intensificarem as investigações sobre as fake news relacionadas ao tema. Um recente estudo americano mostra a ocorrência de maior disseminação de mentiras em comunidades com menores taxas de imunização. Já investigadores britânicos buscam entender o perfil de pessoas que acreditam em boatos relacionados à crise sanitária

atual. Aquelas com habilidades numéricas parecem ser as mais desconfiadas com os textos recebidos, indica a pesquisa. Com base nos resultados de estudos do tipo, especialistas acreditam que possam ser construídas estratégias mais eficazes de combate à propagação de informações falsas nas redes sociais.

A equipe estadunidense fez um levantamento de mensagens contra imunização veiculadas em redes sociais em 190 países. Os cientistas concentraram-se em dois tipos de conteúdo: textos voltados para a mobilização de ações contra vacinas e mensagens que expressassem sentimentos negativos sobre a abordagem. Os dados foram avaliados e comparados com as taxas anuais de imunização das nações. "Incluímos informações sobre 10 tipos de vacina mais utilizadas entre 2008 e 2018, e usamos algumas ferramentas de análise on-line para realizar cálculos e comparações", relata Steven Wilson, pesquisador do Departamento de Política da Universidade Brandeis e principal autor do estudo, publicado na revista British Medical (BMJ).

As análises mostraram que a alta prevalência de mensagens com desinformações está significativamente relacionada a quedas nas taxas de imunização das populações. "Estabelecemos uma escala de cinco pontos que definia o nível de informações falsas em cada país. Vimos que uma mudança de um ponto para cima nessa escala foi associada a uma queda média de dois pontos na taxa de vacinação anual", resume Wilson. Os pesquisadores também observaram que quanto mais existiam mensagens para mobilizar ações que propagassem mentiras sobre a abordagem preventiva, maior era o nível de descrença da população na eficácia das fórmulas protetivas. Cada ponto a mais na escala de quantidade de textos com esse objetivo aumentou, em média, em 15% o número de mensagens negativas sobre as vacinas.

Apesar da necessidade de análises mais aprofundadas, os cientistas acreditam que os dados emitem um alerta importante. "Nossas descobertas sugerem que combater a desinformação a respeito das vacinas na internet é algo fundamental para reverter o crescimento da hesitação vacinal em todo o mundo", enfatiza Wilson. "Esses resultados são ainda mais importantes no contexto da pandemia, considerando que as vacinas em desenvolvimento exigirão distribuição global para bilhões de pessoas no próximo ano."

Também os instruídos
Alexandre Meyer Luz, professor de filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador do tema, destaca que a pesquisa americana mostra dados que confirmam suspeitas de especialistas que estudam o fenômeno da desinformação. "Com essas análises, temos ainda mais certeza de que as mensagens on-line atingem seu objetivo, o de reduzir as taxas de vacinação. Esse estudo mostra que o poder das redes sociais é realmente muito alto, a ponto de fazer pessoas instruídas acreditarem em mentiras", afirma.

Gabriel Gomes de Luca, professor de psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica o forte papel das redes sociais na difusão de notícias falsas. "Hoje, a maioria das informações que as pessoas recebem não passa, antes, por jornalistas ou fontes oficiais do governo. No passado, isso era diferente. Isso faz com que as notícias falsas tenham um alcance muito maior do que as informações verdadeiras", analisa. "Outro ponto importante é que as pessoas têm acreditado mais nos amigos de ambiente virtual, em quem elas seguem em determinadas redes sociais. Esses são os parâmetros de confiança delas, o que também contribui para uma maior desinformação."

Os cientistas americanos defendem a realização de campanhas de educação, mas admitem que elas não serão suficientes para conter a onda de desconfiança que ronda as vacinas. Para isso, acreditam, será necessário um trabalho ainda mais amplo dos governantes. "Em primeiro lugar, eles devem exigir que as empresas de mídia social sejam responsáveis por retirar o conteúdo antivacinação, seja ele de origem nacional, seja de origem estrangeira", aconselha Wilson.
Alexandre Luz também acredita que os dados da pesquisa americana podem ajudar a traçar estratégias mais eficazes de combate a fake news. "Os cientistas ressaltam que alguns países, como a Rússia, propagam mais essas informações, e esse é um dado importante, porque um governante sabe que ele precisa se alinhar a uma nação que tenha compromisso com a verdade", opina. "As fake news são um problema global e nada simples, ações mais severas precisam ser adotadas para detê-las."

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Habilidades com números podem ajudar

15/11/2020

 

 

Na atual pandemia, tem surgido uma série de teorias falsas sobre o coronavírus e a covid-19. Pesquisadores ingleses resolveram analisar a força que essas histórias conspiratórias exercem sobre moradores de cinco países: Reino Unido, Estados Unidos, Irlanda, México e Espanha. Os cientistas pediram aos participantes que avaliassem a confiabilidade de alguns boatos. Nas análises, observaram que algumas mentiras exerciam mais influência em determinados grupos, mas que, de forma geral, a maioria das pessoas considerava as histórias falsas como não confiáveis. Entre as pessoas com mais intimidade com os números, a desconfiança era ainda maior.

A conspiração considerada mais válida pelos participantes foi a alegação de que a covid-19 foi projetado em um laboratório em Wuhan, cidade chinesa em que foram registrados os primeiros casos da doença. Entre 22% e 23% dos entrevistados no Reino Unido e nos Estados Unidos classificaram essa afirmação como "confiável". Na Irlanda, a taxa subiu para 26%, enquanto no México e na Espanha, para 33% e 37%, respectivamente.

Os cientistas também observaram que, em todos os grupos que acreditavam nas histórias falsas, as pessoas tendiam a resistir à ideia de se vacinar. "Encontramos uma ligação clara entre acreditar em conspirações sobre o coronavírus e hesitar em relação a qualquer vacina futura. Essas pessoas também diziam que não recomendariam a vacinação para amigos e familiares", relata, em comunicado, Sander van der Linden, pesquisador da Universidade de Cambridge e um dos autores do estudo, que foi publicado na revista Royal Society Open Science.

Os pesquisadores também tentaram traçar um perfil do grupo. Observou-se que, nos cinco países, pessoas que tinham mais facilidade com atividades numéricas e confiavam mais em cientistas mostraram baixos níveis de suscetibilidade a informações falsas. "As habilidades numéricas são o indicador mais significativo de resistência à desinformação que encontramos", ressalta o autor. "Sabemos que as análises precisam ser mais amplas, precisamos estudar outras nações, pois há muitos fatores culturais que podem influenciar esse comportamento. Mas acreditamos que esses dados já podem ser usados por especialistas que se dedicam a campanhas de combate à desinformação."

Ação nas escolas
Gabriel Gomes de Luca, professor de psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), destaca que os dados são interessantes e podem ser usados para combater as fake news. "As pesquisas que tentam entender esse fenômeno são muito recentes. Nesse estudo, vemos algo muito interessante: a afinidade com números entre os participantes que não acreditam nas histórias falsas. Isso nos mostra que não é a quantidade de anos que uma pessoa estudou que vai fazer com que ela esteja protegida desses boatos. É um outro tipo de educação", avalia. "Com base nisso, podemos dar mais foco ao raciocínio lógico durante a educação das crianças nos ensinos fundamental e médio, por exemplo."

Para o especialista, outras pesquisas surgirão sobre o tema e ajudarão a lidar com a desinformação nos próximos anos. "Esses são pequenos tijolos que temos construído e que nos ajudarão a saber lidar melhor com esse fenômeno que, hoje, atinge mais o setor da saúde, principalmente a vacinação, mas que pode gerar prejuízos em diversas áreas", afirma. (VS)

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Ameaça a um sistema sólido 

15/11/2020

 

 

"Sempre houve boatos compartilhados com o objetivo de prejudicar a vacinação, mas temos visto um aumento dessas atividades desde o ano passado e agora ainda mais com a pandemia da covid-19. Nossas vacinas são seguras, eficazes e gratuitas para a população brasileira, e todas essas fake news prejudicam a estrutura sólida que construímos. Elas geram insegurança, perda de confiança nos imunizantes e colocam a população em risco. Apenas com um controle maior das informações que são divulgadas pelas redes sociais, vamos conseguir combater esse fenômeno tão negativo. É uma das alternativas que mais trariam efeito a curto prazo, na minha opinião. Nós, profissionais da área médica, também fazemos um apelo à comunidade para que confie apenas nas informações que são divulgadas por fontes confiáveis. Consultem as mídias que tratam esse tema com responsabilidade, elas têm sido nossas parceiras nessa luta contra a desinformação. Esse é um problema que já prejudicou a cobertura da vacina de sarampo e não queremos que se repita com outros imunizantes, incluindo as futuras vacinas da covid-19."

Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)