Correio braziliense, n. 20990, 12/11/2020. Política, p. 4

 

Violência assombra eleições

Vera Batista 

12/11/2020

 

 

O número de candidatos a prefeitos e vereadores que sofrem atentados não para de crescer. Ontem, uma postulante à prefeita de São Vicente (SP), Solange Freitas (PSDB), foi alvo da violência ao ter o carro atingido por tiros na Vila Voturuá, área urbana do município. Na terça-feira, Ricardo Moura (PL), candidato a vereador em Guarulhos (SP) foi atingido baleado no ombro e na perna quando fazia uma transmissão ao vivo, pelo celular. Ele teve alta ontem.

Os dois casos estão longe de serem isolados. A lista é longa. A violência política que tem assombrado as eleições municipais já resultou no assassinato de 82 pessoas, entre militantes e candidatos. E ao menos 170 sofreram agressões nos 10 primeiros meses de 2020, segundo levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
As organizações não governamentais (ONGs) Terra de Direitos e Justiça Global, que mapeiam dados desde 2016, revelam que o Brasil, em média, registra um ato de violência a cada quatro dias. Apesar dos números robustos, o estudo Violência Política e Eleitoral no Brasil destaca que essa realidade é ainda mais assustadora porque é pouco monitorada e há subnotificação. Por meio de nota, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou, apenas, que "não julga esse tipo de processo criminal" e que cabe ao "Poder Judiciário competente".

Jorge Mizael, cientista político e diretor da Consultoria Metapolítica, destacou que essa situação de beligerância é um reflexo do atual momento político e social do Brasil, em que não se permite a mínima discordância de ideias. "Tudo vira algo muito personalístico e não abre espaço para a contraposição. Qualquer ideia vira um cavalo de batalha. Isso acaba levando a esses fatos dramáticos, inclusive, com agressões físicas e assassinatos", frisou.
Tudo começa, segundo Mizael, em movimentos nas redes sociais, com memes e de tentativas de desmoralizar quem tem pensamento divergente. "E, por fim, acaba desembocando em tragédias. Há um completo desrespeito pela outra parte, pelo outro ser humano, o que é completamente desprezível em uma sociedade democrática", criticou. "No entanto, percebe-se que boa parte da população ainda pretende viver assim nos próximos anos. Vejo com preocupação essa tendência que, a cada dia, vai se mostrando mais real do que pretendíamos que fosse."

Domínio e poder
Para entender esse fenômeno que se espalha pelo Brasil é preciso entender vários aspectos: a questão cultural, a intenção de domínio de vários setores e a expansão de poder de alguns nichos da sociedade, na análise do especialista em segurança pública Leonardo Sant'Anna, ex-consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) para o setor. "Infelizmente, principalmente nos interiores, a tradição e o controle de famílias na economia, na política (principalmente no Executivo e no Legislativo) têm conseguido evoluir para um constante domínio e poder", lamentou.

E esse poder se espraia de tal forma que resulta não só em benefícios financeiros como em manutenção do status quo. "É um retrocesso social que estabelece a força e o medo em todos os setores de uma comunidade e impede a prosperidade", ressaltou Sant'Anna. O fato não é novo. O que acontece atualmente é uma propagação dessa prática. Antes, poucos conheciam esses pilares. "Outros grupos tentam se apossar. Prova disso é que o país tem mais de 70 partidos, porque todos sabem que o poder paralelo só se consegue com o ingresso na política. Por isso, os bons que querem chegar lá são neutralizados por intermédio da violência", exemplificou.

A repressão aos "chamados bons" também é incisiva não apenas no "novo político de boas intenções", mas também no seu eleitorado. "Na prática, se existem 10 lutando por melhorias, com um assassinato, pelo menos oito vão desistir, e o restante fica enfraquecido", enfatizou. E isso acontece porque o Estado não atende e não dá segurança a essas pessoas, conforme avaliou. "O Estado está contaminado. Uma política limpa acontecerá somente quando houver uma intervenção, de forma que se criem estruturas e que auxiliem as pessoas a sair desse medo. Esse medo que está presente não somente nos interiores, mas nas grandes capitais", reforçou.

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Candidatos escapam ilesos 

12/11/2020

 

 

O carro da candidata do PSDB à Prefeitura de São Vicente (SP), Solange Freitas, foi atingido, ontem, por, ao menos, quatro tiros na Vila Voturuá, área urbana do município. Os disparos foram contra a janela do passageiro, onde Solange estava sentada, mas o vidro, blindado, resistiu aos impactos e ninguém ficou ferido. A tucana estava acompanhada do candidato a vice, Gil dos Santos, também do PSDB, e de três assessores. O ataque aconteceu por volta das 10h30, na Avenida Monteiro Lobato, quando Solange cumpria compromissos de campanha. O atentado foi feito por um motoqueiro que emparelhou com o carro da candidata. A Polícia Civil informou ter requisitado imagens de câmeras instaladas na região na tentativa de chegar ao atirador. O carro passará por perícia. Anteontem, em um vídeo postado em rede social, ela reclamou de perseguição à sua candidatura e pediu segurança. A candidata também disse que estava recebendo ameaças.