O globo, n. 31852, 21/10/2020. País, p. 10

 

Moraes é novo relator de caso que envolve Bolsonaro e PF

André de Souza

21/10/2020

 

 

Sorteio definiu nome de ministro, que já barrou posse de diretor do órgão e está à frente de inquéritos sobre bolsonaristas

 Responsável pelo veto, em abril, à posse do delegado Alexandre Ramagem na direção-geral da Polícia Federal (PF), o ministro Alexandre de Moraes foi sorteado ontem como novo relator do inquérito em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar se houve interferência política do presidente Jair Bolsonaro no órgão. Com a definição, o ministro vai acumular três investigações envolvendo o presidente ou apoiadores do governo—Moraes também é titular dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.

A apuração sobre a possível interferência na PF era conduzida pelo ex-ministro Celso de Mello, que se aposentou na semana passada. Em uma de suas últimas ações na Corte, Celso votou a favor do depoimento presencial de Bolsonaro à PF, mas a questão ainda vai ser decidida pelo plenário.

O presidente da Corte, Luiz Fux, determinou a redistribuição—caso não houvesse, a investigação passaria a ser atribuição do novo ocupante da vaga, provavelmente o desembargador Kassio Marques, que foi indicado por Bolsonaro e será sabatinado hoje na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Fux tomou a decisão após um pedido do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, também parte no inquérito. Já havia um precedente no STF: em 2017, quando morreu o ministro Teori Zavascki, que cuidava dos processos da Operação Lava-Jato, houve sorteio, e Edson Fachin se tornou o novo relator. A vaga aberta na Corte viria a ser ocupada por Moraes, que ficou coma maior parte dos processos de Te ori, mas não coma Lava-Jato.

A investigação atual foi aberta apedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), após Moro deixar o governo afirmando que Bolsonaro pretendia fazer uma interferência indevida na PF, por meio da troca de superintendentes da corporação e do próprio diretor-geral. Segundo

o ex-ministro, Bolsonaro informou que nomearia Ramagem para que pudesse ter alguém do seu “contato pessoal” à frente do órgão, para “quem pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência”. Ramagem é amigo do vereador Carlos Bolsonaro e atuou na segurança do presidente no fim de 2018, quando já havia sido eleito, mas ainda não tinha tomado posse.

PRESIDENTE IRRITADO

Após a nomeação ser concretizada, no fim de abril, Moraes barrou a posse, afirmando que havia “desvio de finalidade” e desrespeito ao princípio da impessoalidade no ato.

“O chefe do Poder Executivo deve respeito às hipóteses legais e moralmente admissíveis, pois, por óbvio, em um sistema republicano não existe poder absoluto ou ilimitado, porque seria a negativa do próprio Estado de Direito, que vincula a todos”, escreveu o ministro ao conceder a liminar.

Bolsonaro ficou irritado com a suspensão, dando início a um momento turbulento na relação entre os Poderes. Ao falar a apoiadores, no Palácio da Alvorada, disse que a decisão de Moraes foi “política” e ironizou a forma como o ministro chegou à Corte.

“No meu entender, uma decisão política ( .... ) Não justifica a questão da impessoalidade. Como é que o senhor Alexandre de Moraes foi para o Supremo? Amizade com o senhor Michel Temer. Ou não foi?”, disse o presidente na ocasião.

A postura gerou reação de ministros do Supremo, como Gilmar Mendes, que saíram em defesa do colega:

“As decisões judiciais podem ser criticadas e são suscetíveis de recurso, enquanto mecanismo de controle. O que não se aceita —e se revela ilegítima —é a censura personalista aos membros do Judiciário. Ao lado da independência, a Constituição consagra a harmonia entre poderes”, escreveu Gilmar.

MANDADOS DE BUSCA

No mês seguinte, uma nova decisão de Moraes irritou Bolsonaro. O ministro determinou, no fim de maio, o cumprimento de mandados de busca e apreensão nos endereços de empresários e blogueiros apoiadores do governo, investigados por suposto envolvimento na disseminação de notícias falsas e ataques ao STF. Na manhã em que a PF realizava a operação, Bolsonaro, sem citar nomes, disse que “as coisas” tinham um “limite” e reclamou de decisões monocráticas, sem o endosso do colegiado.

“Acabou, porra. Me desculpem o desabafo. Acabou. Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações (...) Foi o último dia. Eu peço a Deus que ilumine as poucas pessoas que ousam se julgar melhor e mais poderosas do que os outros, que se coloquem no seu devido lugar”, afirmou Bolsonaro.

Moraes também está à frente do inquérito que apura o financiamento e a organização de atos antidemocráticos, que também envolvem apoiadores do governo —caso da extremista Sara Giromini, que chegou a ser presa por ordem de Moraes.

Fora dos casos criminais, o ministro também já desagradou ao governo quando determinou que o Ministério da Saúde retomasse a divulgação de dados e indicadores da pandemia de coronavírus.