Correio braziliense, n. 20989, 11/11/2020. Economia, p. 6

 

Guedes fala em risco de hiperinflação

Rosana Hessel 

11/11/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Brasil pode "ir para uma hiperinflação muito rápido se não rolar a dívida pública satisfatoriamente". A afirmação, feita em evento organizado pela Corregedoria-Geral da União (CGU), provocou surpresa e estranhamento no mercado, entre outros motivos, por ocorrer logo após o Senado ter aprovado projeto que confere autonomia ao Banco Central. A proposta, que ainda precisa ser ratificada pelos deputados, havia sido elogiada por Guedes.

Na literatura econômica, hiperinflação ocorre quando o principal conjunto de preços de um país aumenta mais de 50% em um mês, algo que ocorreu no fim da década de 1980, conhecida como a "década perdida". Mas, desde o Plano Real, em 1994, que conseguiu debelar a inflação, o crescimento dos preços ficou bem mais controlado no país.

Mais recentemente, porém, alguns sinais de alerta se acenderam. Em outubro, puxado pela disparada do preço dos alimentos, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,86% sobre setembro, registrando a maior alta desde 2002, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano, o avanço do indicador da inflação oficial avançou 2,22%, e, no acumulando em 12 meses, 3,92%. A mediana das projeções do mercado para a alta do IPCA em 2020 está em 3,20%, abaixo da meta de 4% para a inflação deste ano perseguida pelo BC.

Privatizações
Sempre que pode, o ministro da Economia tenta minimizar o fato de que a maioria das promessas que fez, desde que assumiu o cargo, não foram cumpridas. Ontem, mais uma vez, esbanjou otimismo, e prometeu vender quatro empresas estatais, entre elas Correios e Eletrobras, até o fim de 2021. No entanto, ele admitiu frustração por não ter conseguido privatizar nenhuma estatal nesses quase dois anos no governo para reduzir o elevado nível de endividamento público.

"É bastante frustrante", disse ele, ao justificar a saída do governo do ex-secretário especial de Desestatização Salim Mattar. O auxiliar foi substituído por Diogo Mac Cord, que, por ser mais novo, segundo Guedes, deve "aguentar o tranco" e tentar fazer, pelo menos, "um gol neste ano para ganhar", ou seja, vender uma estatal.

Ao ser questionado, em outro evento, sobre qual empresa conseguiria privatizar Guedes disse que o governo deve conseguir vender os Correios ainda este ano, mas não foi muito assertivo. Ele citou quatro empresas: Correios, Eletrobras, Porto de Santos e PPAS (Pré-Sal Petróleo) — que administra o sistema de partilha da produção de petróleo na área do pré-sal.

Ele prometeu entregar os projetos de privatização ainda este ano, para que as estatais sejam vendidas até fim de 2021. "Até dezembro, esses quatro devem estar feitos. Esse é o ponto de partida. Estamos propondo isso para o Congresso nos próximos 30 a 60 dias", disse Guedes, durante painel de um fórum virtual realizado pela Bloomberg sobre mercados emergentes.

Negócio trilionário
Quando assumiu, Guedes prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações no primeiro ano de governo. Nos últimos meses, vinha falando nas mesmas quatro empresas, prometendo novidades para "os próximos 90 dias". A nova promessa, para 2021, parece que não vai ser cumprida, na avaliação do economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas. "Pelo andar da carruagem, o governo, neste ano, não aprova mais nenhuma reforma e nenhuma privatização. Na verdade, eles não conseguem sair da tal modelagem. Ficam só na intenção. É curioso ver eles repetirem tudo que disseram quando assumiram", destacou.

O especialista em contas públicas lembrou que o ministro mostrou que desconhece a complexidade dos Correios ao falar apenas da parte de encomendas, que atende ao comércio eletrônico, que é a parte boa da empresa e que vem crescendo na pandemia. Para Castelo Branco, Guedes esquece das obrigações constitucionais da estatal — que é entregar carta em todos os municípios brasileiros, a parte menos rentável, pela qual nenhum empresário deverá se interessar. "Acho que a única coisa que anda é o prazo mesmo de quando vão privatizar", ironizou Castello Branco.

O ministro ainda disse que acordos políticos no Congresso foram um dos motivos para que as privatizações não avançassem. "Precisamos recompor nosso eixo político para fazermos as privatizações prometidas na campanha", afirmou. Ele disse acreditar que, se houver sucesso na venda das quatro empresas listadas por ele, o Brasil pode recuperar dois terços do que foi gasto para combater os efeitos da pandemia de coronavírus.

"Eu não acredito que seremos bem sucedidos em vender tudo, é só para te dar ideia do montante. Por outro lado, acredito que vamos vender muitas outras companhias. Esse é só o primeiro movimento", afirmou. O ministro ainda reafirmou que a economia está crescendo "mais do que o esperado" em um "grande e bonito V", sinal de retomada rápida.

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"É quase um grito de socorro" do ministro 

11/11/2020

 

 

As afirmações do ministro da Economia, Paulo Guedes, foram vistas por agentes do mercado como um desabafo e um recado ao Congresso. "É quase um grito de socorro para o Legislativo aprovar as reformas. Mas, para isso acontecer, é preciso também um desejo expresso do Executivo. O problema é que o governo queimou muitas pontes nos últimos dois anos e fica difícil que as medidas relevantes sejam aprovadas pelo parlamento", destacou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

O economista observa que o cenário para os juros futuros continuam mostrando uma curva bastante inclinada, o que significa tendência de alta, apesar de a taxa básica (Selic) estar no menor patamar da história, de 2% ao ano.

Por conta desse juro baixo, e as incertezas crescentes sobre a possibilidade de Guedes conseguir conter o ímpeto populista do presidente Jair Bolsonaro, o Tesouro Nacional vem tendo dificuldade para emitir títulos indexados à Selic, porque até o governo já admite que a dívida pública bruta este ano vai chegar a 100% do Produto Interno Bruto (PIB). "O presidente não é populista. Ele é popular", disse Guedes no evento da Bloomberg.

Guedes ainda garantiu que o governo vai respeitar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior. Ao admitir a possibilidade de uma segunda onda da pandemia da covid-19, afirmou que o auxílio será menor do que os valores deste ano, para ser concedido por um período mais longo. "Estamos determinados a voltar para nossos programas de ajuste fiscal", garantiu.

Segundo ele, em vez de 8% do Produto Interno Bruno (PIB), o total das despesas extras com a pandemia neste ano, poderá ser menor no ano que vem, "filtrando os excessos". "Definitivamente, não vamos usar a desculpa da doença para fazer um movimento político irresponsável", assegurou.

De acordo com Vale, os juros futuros estão subindo por uma explosão da inflação, como consequência do câmbio. Mas, com dívida a quase 100% do PIB, o governo precisa controlar os gastos públicos para evitar que os juros subam mais. Ele observou que, se isso ocorrer, a dívida vai crescer mais ainda e, devido à desconfiança em relação ao controle das contas públicas, o país se verá diante de um círculo vicioso bem complicado.

"Guedes está certo, mas precisa ter consciência do Executivo sobre isso. Deveria quase ser o único tema do presidente", destacou. Na avaliação do economista, o nó fiscal está quase impossível de ser desatado, se a economia não deslanchar no ano que vem, como Guedes promete.

"Bolsonaro vai querer entregar resultado econômico, mas não adianta se não for por meio das reformas. A vontade da reeleição pode impedir que reformas importantes avancem", destacou Vale.

Estados Unidos
Paulo Guedes voltou a demonstrar um pragmatismo maior do que o do presidente Jair Bolsonaro, em relação à vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Guedes observou que mais de 70 milhões de pessoas votaram no vencedor dos EUA, assim como, no Brasil, cerca de 60 milhões de pessoas escolheram Bolsonaro em 2018, e que esses votos precisam ser respeitados, seja Biden ou o presidente Donald Trump.

"É preciso respeitar os votos e ponto. Somos um grande país e continuamos emergentes. Os Estados Unidos são a maior economia do planeta e também uma democracia", afirmou o ministro, durante evento virtual organizado pela Bloomberg sobre países emergentes. Nesse sentido, afirmou não acreditar que a mudança de governo vá afetar os "antigos relacionamentos", levando em consideração quem gosta e quem não gosta de Trump. "É o que somos: uma democracia", complementou. (RH)