Se a jornada eleitoral da Bolívia foi tranquila e sem grandes incidentes, após o fechamento das urnas o país viveu, na noite de ontem, uma incerteza agravada pela demora na divulgação dos resultados de boca de urna, atrasados em mais de duas horas, inserindo um elemento a mais de tensão em torno do pleito. José Luis Gálvez, diretor da Ciesmori, a empresa responsável, justificou de forma inusitada o atraso afirmando que seria necessário atingir 95% de apuração nos locais onde a pesquisa foi feita para que o resultado fosse divulgado.

Em entrevista coletiva pouco antes, o presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), Salvador Romero, disse que, “em uma eleição tão delicada era preciso privilegiar a certeza da informação”, e afirmou que pararia de atualizar a contagem dos votos em seu site durante a madrugada.

Horas antes do início da votação, na noite de sábado, o órgão eleitoral anunciou a suspensão do sistema rápido de divulgação dos resultados preliminares, que apontaria um vencedor ainda ontem. No Twitter, o ex-presidente Evo Morales, exilado na Argentina, contestou a demora:

“Ontem (sábado) denunciamos que era suspeita a suspensão do Direpre [resultados rápidos] a poucas horas do dia das eleições. Agora, as empresas de pesquisa se negam a publicar os resultados da boca de urna. Estão escondendo o grande triunfo do povo representado pelo MAS-IPSP”.

ÁÑEZ PEDE PACIÊNCIA

Apesar de criticar a medida, Luis Arce, ex-ministro da Economia de Evo Morales e que aparecia em primeiro nas pesquisas de intenção de voto, pediu calma e disse que aguardará “de maneira pacífica e respeitosa” o resultado final, que deve ser divulgado nos próximos dias. Seu principal adversário, o ex-presidente Carlos Mesa, também “lamentou” a decisão do TSE, mas disse entendê-la.

Após votar, Arce afirmou que o anúncio “desgasta a imagem do país no exterior”, mas ressaltou que seu partido já fizera ressalvas sobre a contagem rápida e desenvolveu seu próprio sistema para saber os resultados com antecedência. Segundo ele, o Movimento ao Socialismo (MAS) conta com delegados em todas as mesas de votação, mais de 80 mil pessoas fiscalizando as eleições.

—Os bolivianos somos pacíficos e estamos votando para recuperar nossa democracia. Isso é uma boa notícia e temos de manter a calma —afirmou Arce, em entrevista coletiva em La Paz.

— Haverá disparidade e um monte de resultados esta noite. Uma confusão.

Na mesma linha, Mesa, em segundo lugar nas sondagens, disse que iria agir com “muita prudência, sabendo que qualquer declaração pode gerar conflitos”.

—Eliminar isso [o sistema rápido] poderá ser negativo, mas vamos ter a recontagem ata por ata.

Após a jornada eleitoral, a presidente interina Jeanine Áñez também pediu paciência e garantiu “resultados confiáveis”:

— Quero pedir aos partidos políticos e aos cidadãos que tenham paciência, todos temos que ter paciência para esperar os resultados semgerar violência. Garanto que teremos resultados confiáveis, sejamos pacientes — disse. — Apesar das diferenças, todos somos bolivianos e devemos construir una Bolívia unida, democrática e pacífica.

Na noite de sábado, o TSE anunciou a decisão surpreendente de eliminar a contagem rápida, argumentando que não havia certeza de que o sistema refletiria com fidelidade os resultados. A corte informou que seriam divulgados diretamente os resultados da contagem manual, mais lenta, que deve demorar dias.

Só não vamos ter nada de oficial, ou seja, é uma irresponsabilidade da parte deles, quem sai desmoralizado é o tribunal.

ANALISTAS ALERTARAM

Na reta final para a votação, analistas já haviam alertado que qualquer sinal de deficiência técnica na gestão dos resultados poderia levar instabilidade ao pleito. Enquanto alguns virama medida como prudente, outros, como ocientist apolítico Marcelo Ar equipa, afirmaram que ade cisãoé ,“no mínimo, questionável”.

— Não é porque se trata de outro Tribunal Supremo Eleitoral, diferente daquele do ano passado, que temos que aceitar absolutamente tudo. Não vejo bem o fato de que, horas antes do início da votação, tenham suspendido os resultados rápidos. Pior ainda porque, em várias reuniões prévias, o TSE explicou a solidez desse sistema — disse ao GLOBO. —Essa decisão em nada ajuda.

A contagem rápida preliminar — baseada no envio eletrônico ao TSE de fotos das atas da contagem das cédulas de papel de cada seção eleitoral — foi um dos fatores que causaram turbulência nas eleições de 20 de outubro do ano passado, que acabaram anuladas.

Embora o sistema de contagem rápida tenha sido modificado este ano pelo órgão eleitoral, cujos membros foram substituídos após a renúncia de Morales, já haviam surgido críticas, incluindo de observadores internacionais e de setores próximos ao MAS, de que ele poderia dar margem a problemas na apuração.

Um eventual segundo turno será em 29 de novembro.