O Estado de São Paulo, n.46314, 06/08/2020. Política, p.A10

 

Bolsonaro terá de consolidar apoio após fim do auxílio, dizem analistas

Vinícius Valfré

06/08/2020

 

 

Presidente afirma que 'não dá para continuar muito' com o benefício que, para cientistas políticos, ajuda a melhorar sua imagem

Formatado à revelia do Planalto, o auxílio emergencial de R$ 600 serviu como respiro para o presidente Jair Bolsonaro entre crises sucessivas. Segundo analistas, o benefício ajudou a melhorar a imagem do chefe do Executivo, sobretudo entre os mais pobres, mas precisa chegar ao fim com uma transição suave, sob pena de corroer o capital político que arrecadou.

Ontem de manhã, Bolsonaro afirmou que "não dá para continuar muito" a liberar o auxílio a trabalhadores informais durante a pandemia do novo coronavírus por causa do impacto da medida na economia. Segundo ele, o benefício custa R$ 50 bilhões mensais. "Começou a pagar a quarta parcela (do auxílio emergencial) e depois tem a quinta. Não dá para continuar muito porque, por mês, custa R$ 50 bilhões. A economia tem que continuar. E alguns governadores teimam ainda em manter tudo fechado", disse o presidente a apoiadores, ao deixar o Palácio da Alvorada.

"O auxílio emergencial está permitindo uma estabilidade e, especialmente no Nordeste, um crescimento. Mas não podemos dizer, neste instante, que o crescimento é consistente, isto é, que a aprovação vai superar a reprovação. Ainda é cedo", afirma o cientista político Adriano Oliveira, professor da Universidade Federal de Pernambuco.

O Nordeste foi a única região do País em que Bolsonaro perdeu no segundo turno de 2018. Agora, é para onde o presidente direciona agendas com verniz eleitoral. Ele pretende concorrer à reeleição em 2022 e pode usar o auxílio como bandeira.

"Só vai haver ganhos para 2022 se tiver continuidade. Se ficar até dezembro, voltamos para os parâmetros anteriores. À medida que o benefício é retirado, a avaliação pode flutuar", disse Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC-RIO. "Bolsonaro ainda tem rejeição no Nordeste, região ligada ao PT, grata ao ex-presidente Lula. Mas ele começa a falar para esse eleitor."

Como o Estadão mostrou, o governo estuda estender o auxílio emergencial, destinado a trabalhadores informais, desempregados e beneficiários do Bolsa Família, até o fim de 2020. Uma das opções seria pagar R$ 200 por mês, um terço do valor atual. "Claro que foi o Congresso (o responsável pelo auxílio), mas o presidente tinha o poder de vetar e não vetou", disse o deputado Júlio Cesar (PSD-PI), coordenador da bancada nordestina na Câmara.

Prorrogação. Os estudos governamentais para prorrogação do auxílio até dezembro dão sentido às análises. Mas a substituição do benefício emergencial por um novo programa social, batizado de Renda Brasil, é um "grande nó" no governo. Há dúvidas sobre a possibilidade de o programa pretendido como substituto do Bolsa Família sair do papel até o fim do ano.

Coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC-MG, Robson Sávio Reis Souza avaliou que o presidente pode ser ajudado por um sentimento de gratidão à autorização do auxílio, estimulado também pelo segmento dos neopentecostais. "É um fato importante a ser considerado. Um outro é que o governo quer mudar não somente o nome do Bolsa Família, mas agregar outras políticas ao novo benefício. Não diria que teremos uma mudança completa no perfil do eleitorado, de lulista para bolsonarista, mas pode significar a construção de uma base para o presidente nos segmentos mais pobres", disse.

Adversário de Bolsonaro, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCDOB), disse ver melhora na aprovação do presidente em sua região, mas a considerou "momentânea". Segundo ele, Bolsonaro enfrenta legados de programas assistenciais do ex-presidente Lula na região e dificuldades para imprimir um ritmo próprio. "Até agora, Bolsonaro tem um auxílio emergencial temporário. Eu diria que ( a melhora na aprovação) é uma situação momentânea. Muito provavelmente ele deve tentar algum tipo de prorrogação. Mesmo com essa perenização, não é suficiente", afirmou Dino.

Economia

"Não dá para continuar muito ( a pagar o auxílio emergencial) porque, por mês, custa R$ 50 bilhões. A economia tem que continuar. E alguns governadores teimam ainda em manter tudo fechado."

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE