Correio braziliense, n. 20987a, 09/11/2020. Cidades, p. 19

 

Garantir acessibilidade é obrigação

Ana Maria da Silva 

09/11/2020

 

 

Cerca de 46 milhões de brasileiros apresentam algum tipo de deficiência, segundo o Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O fato é que as pessoas com necessidades especiais, atualmente, formam um grande mercado consumidor. Entretanto, cabe destacar que a maioria dos estabelecimentos comerciais não está preparada para receber esse público. A falta de acessibilidade no comércio pela internet e em estabelecimentos físicos ainda é grande. O que pouca gente sabe é que pessoas com deficiência são protegidas pelo direito de forma geral, e no campo do direito do consumidor não é diferente.

Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/205, pessoa com deficiência é aquela que tem "impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Ou seja, a deficiência não se resume à redução de capacidade motora ou sensorial, incluindo limitações mentais e intelectuais que merecem atenção e inclusão em todas as esferas da vida social, entre elas a esfera do consumo.

Considerado consumidor hipervulnerável, o deficiente apresenta uma situação de vulnerabilidade potencializada ou agravada, por circunstâncias pessoais aparentes ou conhecidas do fornecedor. A hipervulnerabilidade é inerente e "especial" à situação de um consumidor, seja permanente ou temporária. Segundo o advogado especialista em direito do consumidor Leonardo Memória, é importante que os fornecedores estejam atentos e assegurem a acessibilidade a todos. "O foco é sempre trazer as informações de várias maneiras, para que sejam acessadas por todos, inclusive por quem possui alguma deficiência", ressalta.

Para isso, é importante que seja assegurado alguns direitos fundamentais dos deficientes no campo do consumo, tanto em meios físicos quanto remotos. "No caso do comércio físico, chama-se atenção para a acessibilidade dos portadores de necessidade ao estabelecimento comercial, como criação de rampa, corrimão e piso tátil", ressalta. O especialista chama atenção para o caso de vendas on-line. "É interessante que a empresa se resguarde por meio de SAC, para que as pessoas com deficiência possam tirar as suas dúvidas", explica Leonardo.

Direitos

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege os direitos de todos os consumidores, porém, não menciona explicitamente o consumidor com deficiência. Segundo a advogada especialista em direito do consumidor Ildecer Amorim, por meio do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Código de Defesa do Consumidor sofreu alterações que ampliam as garantias para esse público.

No caso de sites, passou a ser obrigatória a acessibilidade nos sites mantidos por empresas com sede no Brasil e por órgãos de governo. "Isso significa que as informações divulgadas no endereço devem ser acessíveis conforme as diretrizes adotadas internacionalmente, com opções de contraste, áudios e vídeos", explica a advogada.

Quanto à telefonia, Ildecer diz que a lei determina que empresas prestadoras de serviços de telecomunicações garantam pleno acesso à pessoa com deficiência. "Isso inclui recursos como disponibilizar demonstrativo de pagamentos em braile e canais de comunicação adequados para atender consumidores com deficiência visual, auditiva ou de fala, ressalta.

A advogada diz que, no caso do comércio, cabe aos fornecedores de produtos ou serviços disponibilizar os recursos de acessibilidade para que anúncios publicitários veiculados na mídia impressa, na internet, no rádio e na televisão sejam compreensíveis para todos os consumidores. "Também é dever do fornecedor oferecer exemplares de bulas, prospectos, textos ou qualquer outro tipo de material de divulgação em formato acessível mediante solicitação do consumidor", ressalta a especialista.

Vistorias

De acordo com os especialistas, a maior dificuldade para alcançar a acessibilidade a todos é a fiscalização, que ainda está em falta. Todavia, o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon) adotou, recentemente, como medida de conscientização a vistoria do comércio do Distrito Federal.

Durante ação especial no dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência — 21 de setembro —, bancos, bares e restaurantes foram vistoriados com objetivo de garantir respeito à legislação de consumo que protege os direitos da pessoa com deficiência. Agentes do Procon fiscalizaram 36 estabelecimentos no Plano Piloto, Taguatinga, Ceilândia e Samambaia. Sete bancos foram autuados por infração por desrespeitar o atendimento prioritário e/ou não contar com equipamentos e caixas acessíveis.

Na opinião de Ildecer, falta interesse do mercado em cumprir o que uma série de dispositivos legais já exige. "Ainda existem muitos obstáculos a serem superados para que as pessoas portadoras de necessidades especiais sejam realmente inseridas no mercado consumidor', ressalta.

*Estagiária sob a supervisão de Adson Boaventura

Penalidades

Além dos danos materiais e morais que podem ser acumulados, o Estado tem diversas formas de punição para garantir que os estabelecimentos cumpram as regras de acessibilidade. Entre as penalidades estão: multa; apreensão do produto; inutilização do produto; cassação do registro do produto junto ao órgão competente; proibição de fabricação do produto; suspensão temporária
de atividade; cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; dentre outras. Caso o consumidor sinta-se lesado, poderá recorrer aos seus direitos no Procon ou no Poder Judiciário.