Valor econômico, v. 21, n. 5138, 30/11/2020. Política, p. A20

 

Para Temer, governo não deve politizar vacina

Mônica Scaramuzzo

30/11/2020

 

 

Na avaliação do ex-presidente, a saúde deve prevalecer sobre a economia

Em um almoço fechado para quase 30 pessoas na sexta-feira, o ex-presidente da República, Michel Temer (MDB), avaliou que o atual presidente Jair Bolsonaro tentou dar prosseguimento à sua agenda de reformas, mas não conseguiu avançar muito mais, em parte por conta da pandemia. Ele também disse que temas como a politização da vacina e posicionamentos contra a China podem prejudicar o Brasil.

Temer participou de uma reunião entre amigos - boa parte deles advogados, empresários e alguns executivos do mercado financeiro - e aproveitou o encontro também para divulgar o seu livro “A Escolha - Como um presidente conseguiu superar a grave crise e apresentar uma agenda para o Brasil”, em uma sala reservada do restaurante Parigi, no Itaim, um dos mais caros de São Paulo.

Entre os presentes estavam o advogado Arnoldo Wald Filho, Carlos Sanchez (farmacêutica EMS), Flávio Rocha (Riachuelo), Miled Khouri (Sawary), João Camargo (Camargo Comunicações), Mário e Álvaro Garnero.

Temer chegou por volta das 13h ao restaurante, onde os convidados já o estavam esperando e fez um discurso de quase cinco minutos. Ele disse que seu governo realizou importantes reformas, como a trabalhista, em um momento que sua popularidade era muito baixa. Foi aplaudido pelos convidados - a maioria não usava máscara.

Já entre os amigos dos amigos, cerca de 10 pessoas, Michel Temer disse que a discussão sobre a vacina de combate à covid-19 não deveria ser politizada e que o governo deveria adotar uma política externa multilateral. “Eu tomaria qualquer vacina”, disse Temer. Segundo um amigo que sentou perto dele, Temer falou que, sobre a atual crise ambiental, a narrativa do governo não deveria ser local. “É preciso uma boa comunicação no exterior.”

O Brasil é alvo de pesadas críticas, sobretudo por parte de países europeus, por sua gestão ambiental desde o ano passado por conta dos incêndios da Amazônia. O vice-presidente Hamilton Mourão tem encaminhado as discussões ambientais. Outro ponto sensível abordado entre os presentes na mesa com Temer foi sobre as mensagens enviadas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro sobre a China em suas redes sociais.

Em mensagem no Twitter, no dia 23, depois apagada pelo filho do presidente, Eduardo disse que o programa Clean Network, ao qual o Brasil declarou apoio, pretende proteger seus participantes de invasões e violações a informações particulares. Segundo ele, a iniciativa afasta a tecnologia da China e evita espionagem do país asiático. “Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China.”

Em resposta, também pelo Twitter, a embaixada do país asiático disse que o deputado acusou a China de fazer espionagem cibernética e ressaltou que ele defendeu iniciativa que discrimina a tecnologia 5G chinesa. Não é a primeira vez que Eduardo Bolsonaro provoca, com seu discurso, um risco de uma crise diplomática com a China.

Questionado sobre o tema, Michel Temer disse ao Valor que “não acha útil” essa fala de Eduardo Bolsonaro. “Não colabora em nada para a tranquilidade do governo e do país. A China é o nosso maior parceiro comercial, seguido pelos Estados Unidos. Isso revela que o Brasil tem de adotar a tese multilateralista, como adotei. Temos de nos dar bem com todos os países.”

Segundo Temer, o governo de Jair Bolsonaro deu início às reformas já encaminhadas por ele, como a da Previdência, por exemplo. “[O governo] também deu continuidade à redução da [taxa de] juros e comprometimento [em manter] a inflação [baixa]. É claro que, com a pandemia, tudo zerou.”

Na avaliação do ex-presidente, a saúde deve prevalecer sobre a economia. “A economia pode ter problema agora, mas é recuperável. Quando cheguei ao governo, em maio de 2016, o PIB era negativo em 3,6%. Um ano e sete meses, ficou positivo em 1,3%.”

Então vice-presidente da República do governo Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) assumiu o maior posto do país em 2016, após a ex-presidente ter sofrido um processo de impeachment em maio do mesmo ano.

Temer avaliou que ainda é cedo para se falar em sucessão na Câmara dos Deputados. “[O atual presidente] Rodrigo Maia (DEM-RJ) sempre teve uma posição de liderança no Congresso. Aliás, sempre me ajudou muito nos dois anos e meio do meu governo. Fica difícil prever hoje o que vai acontecer nas eleições da Câmara dos Deputados. Há vários candidatos. O que tenho ouvido é que ele não quer [tentar uma nova reeleição].”

Temer mesmo lembrou que ocupou a presidência da Câmara por três mandatos. “Em um dado momento, há uma conjuntura de forças que obriga a pessoa a ser candidato. No meu caso foi isso. Não sei se pode acontecer com o Rodrigo. Se acontecer com ele, acredito que ele continuará no mesmo caminho: de independência do Legislativo, mas basicamente de harmonia na atividade governativa.”

A possível reeleição de Rodrigo Maia, contudo, não é bem vista entre parte do empresariado. Em recentes encontros com parlamentares e potenciais candidatos à sucessão da Câmara, uma parte desses empresários diz que Rodrigo Maia não foi firme em dar prosseguimentos às principais reformas econômicas, entre elas a administrativa e tributária.