Valor econômico, v. 21, n. 5137, 27/11/2020. Especial, p. A24

 

Bolsonaristas e centro unem-se nas redes contra as esquerdas

Malu Delgado

27/11/2020

 

 

Disputa é bem mais polarizada em São Paulo e Porto Alegre; Boulos predomina engajamento digital

A forte mobilização de forças de esquerda nas redes sociais em São Paulo comprova a expectativa criada por esse campo político com a presença de Guilherme Boulos (Psol) no segundo turno, em disputa com Bruno Covas (PSDB). Monitoramento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV- Dapp) com exclusividade para o Valor identificou cerca de 1,7 milhão de tuítes sobre as disputas acirradas em quatro capitais - São Paulo, Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro -, sendo 1,1 milhão das postagens referentes à eleição paulistana.

A análise da Dapp confirma a associação de forças políticas de centro quando há um nome forte da esquerda na disputa, como é o caso de São Paulo e Porto Alegre. É exatamente nessas duas capitais onde mais se observa a ação de perfis bolsonaristas contra a esquerda. A diretoria analisou as postagens feita entre 0h do dia 16 e 12h de 25 de novembro.

O engajamento à candidatura de Boulos gerou a maior parte das reações no Twitter. O candidato do Psol provocou 62,8% das interações na plataforma. Perfis apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, no outro polo, anti-Boulos, somaram 26% das interações, enquanto os apoiadores de Covas mostraram uma baixa atividade digital, com apenas 5,3%.

O candidato do Psol, que já tem uma forte atividade digital, foi beneficiado pela adesão de perfis de políticos da esquerda - do Psol, PT, Rede e PCdoB -, mas também de influenciadores e celebridades que o apoiam, como Felipe Neto, Jones Manoel e Xico Sá. Perfis engajados na causa LGBTQI+ também ecoam esse apoio à candidatura de Boulos.

Já Bruno Covas contou com o apoio de grupos de direita articulados na plataforma, como integrantes do MBL, o candidato derrotado Arthur do Val (Patriota), o vereador Fernando Holiday (Patriota) e o deputado Kim Kataguiri (DEM). Os grupos bolsonaristas repercutem muito mais propaganda negativa a Boulos e “fake news”.

No Rio, a campanha ligada ao prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) repete o tom das ruas, com apelos a uma narrativa semelhante ao pleito presidencial de 2018, indica a FGV-Dapp. Crivella tem apoio do presidente Jair Bolsonaro e conta com o engahamento de perfis de extrema-direita nas redes, contra o candidato do DEM, Eduardo Paes, que acabou contando com a simpatia das esquerdas na disputa.

Enquanto a esquerda carioca critica a presença de milícias na cidade, a candidatura de Eduardo Paes, que lidera as pesquisas, passou a ser alvo de inúmeros ataques com duas narrativas centrais, segundo os pesquisadores: a associação ao ex-governador Sérgio Cabral, à Lava Jato e ao ex-presidente Lula, de um lado, e, de outro, a informação, sem embasamento, “de que o PSOL teria um acordo com Paes para controlar a Secretaria de Educação”.

É daí que surgiu a “fake news” de que haveria pedofilia na rede pública, conteúdo propagado pelos deputados federais Otoni de Paula (PSC-RJ) e Márcio Labre (PSL-RJ), que associavam o Psol a um projeto de sexualização e repetiam o debate do kit gay de 2018.

Em Porto Alegre, o alto índice de menções a Manuela D´Ávila (PCdoB), citada em 81,5% dos tuítes sobre o segundo turno, também tem um eco da polarização de 2018. Sebastião Melo (MDB), que lidera as pesquisas na capital do Rio Grande do Sul, é citado em apenas 10,7%. “Se nos primeiros dias as menções à Manuela foram majoritariamente de apoio, a partir do dia 20 de novembro observou-se a inclusão de narrativas contrárias à candidata disseminadas por influenciadores conservadores, como Guilherme Fiuza, Alan Lopes e Oswaldo Eustáquio”, aponta o relatório. Esse grupo criticou, sobretudo, o tuíte de Manuela convocando protestos no supermercado Carrefour, após o assassinato de João Alberto Freitas, negro espancado até a morte por seguranças da rede.

No Recife, a candidata do PT, Marília Arraes, lidera os engajamentos e interações na plataforma, mas o que mais agitou os usuários na última semana de campanha foi o episódio envolvendo o deputado federal Túlio Gadelha (PDT), aliado da petista.

Reportagem da revista “Veja” divulgou áudio em que o parlamentar relata um pedido de Marília para recolher R$ 30 mil de assessores. Perfis pró-João Campos (PSB), o adversário da petista, repercutiram o fato e acusaram Marília de fazer um esquema de “rachadinha”, desvio de salários de servidores.

“Os quatro estados apresentam contextos distintos em relação às pesquisas de intenção devoto e forças políticas envolvidas, sendo possível fazer uma distinção entre campanhas que o debate nacional entre campos da esquerda e direita se tornaram principal motor para o debate (Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) e a campanha de Recife”, apontam os pesquisadores da Dapp. Na capital de pernambuco, em que há o confronto PT e PSB, “as candidaturas de centro aparecem como opções contra a reorganização da esquerda”.

Em outro monitoramento, feito entre os dias 16 e 23 de novembro, a FGV-Dapp analisou quais foram os temas que mais mobilizaram o debate eleitoral nessas mesmas capitais. Em São Paulo, a maior preocupação é com uma segunda onda de covid-19. “Foram mais de 51 mil menções a preocupações com a saúde entre usuários na capital paulista.” O tema educação aparece, em críticas à gestão Covas. O suposto envolvimento do vice do tucano em denúncias referentes à “máfia das creches” também ocuparam espaço de destaque nas redes.

No Rio, o que mais mobiliza os usuários na plataforma é a atuação das milícias, segundo que o tema saúde, também associado à pandemia, aparece em segundo lugar. O racismo foi o assunto do momento em Porto Alegre na reta final da campanha, após a morte João Alberto Freitas. Segurança e saúde dividiram as atenções nos debates digitais no Recife, mas de forma mais equilibrada. Na capital pernambucana, a nacionalização da disputa é bem menos intensa.