Correio braziliense, n. 20986, 07/11/2020. Política, p. 2

 

Desafio para o novo ministro do STF

Luiz Calcagno 

Augusto Fernandes 

07/11/2020

 

 

Caberá ao novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, o papel de relator da ação que pede a perda do foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no processo da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O magistrado foi indicado à Corte pelo presidente Jair Bolsonaro, com apoio do Centrão. Esse será o primeiro teste de independência do recém-empossado que, na sabatina no Senado, afirmou não ser próximo do chefe do Executivo.

No sistema do STF, a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) movida pelo partido Rede Sustentabilidade ainda está com o nome do ministro Celso de Mello, que se aposentou em 13 de outubro. Em casos como esse, porém, o comum é que o sucessor assuma o trabalho.
Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o melhor seria que Marques se declarasse impedido de relatar a ação, "uma vez que ele acabou de ser indicado pelo presidente da República". Com isso, o processo seria distribuído para outro magistrado. "Caso ele mantenha essa ação para que possa julgá-la, somente com a posição, com o voto que ele for declarar é que nós vamos poder avaliar até que ponto ele estará sujeito às pressões políticas de parte de quem o indicou, ou até que ponto vai tentar provar para os pares e para a sociedade que é independente e que vai votar como deve ser", afirmou.

Chemim destacou que a independência é característica fundamental em membros do Judiciário. "É um paradoxo ele assumir como ministro e ser um dos guardiões da Constituição e, ao mesmo tempo, afrontá-la com um voto que vá contra a independência que deve ter um membro do Poder Judiciário e a neutralidade em separar, sobretudo, a questão política da questão técnica", disse. "O ministro não pode votar como a sociedade quer e, principalmente, de acordo com o que o contexto político assim o desejar. A partir do momento que ele toma posse, acabou o contexto político. A partir dali, ele será ministro do STF e deverá agir como tal."

A Rede entrou com a ação pedindo que o senador seja julgado pela primeira instância da Justiça do Rio de Janeiro. O processo foi protocolado e distribuído em 29 de junho, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contrária ao pedido da legenda.

Kassio Marques tomou posse na última quinta-feira, um dia depois de o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) denunciar o filho de Bolsonaro por organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita, entre os anos de 2007 e 2018. Para promotores, quando era deputado na Alerj, Flávio foi o principal responsável por esquema de rachadinha — quando funcionários devolvem parte do salário para o parlamentar.

Em sua defesa, Flávio acusou os promotores de cometerem uma "série de erros bizarros". O texto foi publicado no perfil do senador no Instagram. "Acredito que a denúncia sequer será aceita pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro", escreveu.