Correio braziliense, n. 20982, 03/11/2020. Política, p. 2

 

Maia cobra do governo que defina pauta do país

Luiz Calcagno 

03/11/2020

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se disse pessimista sobre o cenário que o Brasil enfrentará em 2021. Isso, por conta da demora do governo em definir as prioridades econômicas e pelo atraso da pauta da Câmara, obstruída pela base do governo em uma disputa pela presidência da Comissão Mista de Orçamento. Segundo o parlamentar, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está isolado no governo, na defesa da necessidade de encontrar soluções para enfrentar a crise econômica provocada pelo coronavírus, "respeitando as regras do jogo" —isto é, o teto de gastos.

Maia falou pouco menos de uma hora em uma live, ontem, promovida pelo jornal Valor Econômico. Logo de início, confrontado com o cenário atual em relação ao de julho, no qual havia uma grande tensão entre parlamentares e governo, o presidente da Câmara disse estar "mais preocupado hoje do que em julho". Alertou que o país entrará no próximo ano com uma dívida muito alta, com o desemprego batendo recorde e a inflação "voltando com força". Para ele, a responsabilidade pela busca de soluções não pode vir somente dos parlamentares, mas do Executivo e do Legislativo juntos. "E nosso tempo já passou", avisou.

LDO em dezembro
O deputado voltou a insistir na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no início de dezembro. Mas, antes, quer ver aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/19, que regulamenta e cria gatilhos para a manutenção do teto de gastos.

"Se fizermos a conta dos prazos para passar o orçamento é fundamental que a gente tenha a PEC Emergencial aprovada antes. E não é simples. Tem pontos muito polêmicos, muitos parlamentares ficam assustados. Um líder experiente disse que, de 17 a 19 pontos em que se pode cortar no orçamento, destacou que têm 10 ou 11 que não aceita nem conversar. É um momento muito difícil, de insegurança grande. Ninguém sabe o que vem e há uma falta completa da organização da agenda", criticou.

O parlamentar destacou que o orçamento primário será de cerca de R$ 1,48 trilhão, mas que as despesas correntes representarão R$ 1,41 tri. "E a projeção dos técnicos é de que precisamos de mais R$ 80 bilhões nas (despesas) discricionárias para a manutenção da máquina", observou.

"Precisamos de um limite do teto de gastos. É claro que tenho uma expectativa muito grande, acho que a reforma tributária é o caminho para fazer o Brasil crescer. Conseguimos aprová-la (na comissão). Falta organizar o texto com o governo, que o ministro Paulo (Guedes) às vezes tem dúvida em relação ao fundo, que queremos um fundo que vai tirar dinheiro do governo. De forma nenhuma. Temos um acordo com ele", salientou.

Participação

Para Maia, vai ser difícil falar em cortes sem que o presidente Jair Bolsonaro participe do debate. O receio é de que um processo nesses termos passe a ideia de que o Legislativo quer tomar decisões à revelia do governo, incluindo apenas o ministro da Economia. "Não tem solução fácil. Na política, muitas vezes, é assim. Se quisermos a PEC Emergencial e o Orçamento, precisamos andar rápido e com coragem para que a Câmara possa ter condições de fazer o debate e promulgar a matéria", sugeriu.

O temor de Maia é de que o relatório da PEC Emergencial só seja apresentado depois de 29 de novembro, quando ocorrerá o segundo turno das eleições. Assim, a aprovação e promulgação só viria, nos cálculos do deputado, em fevereiro.

O presidente da Câmara elogiou o secretário de Governo, ministro Luiz Eduardo Ramos, e os líderes do governo na Casa. Para Maia, o problema não é a articulação no Legislativo, mas a indecisão do Palácio do Planalto sobre o que será feito.

"Nenhum de nós tem certeza do que o governo vai fazer. Cada semana tem uma linha de atuação. Numa, é balão de ensaio em prorrogar o auxílio emergencial; noutra, prorrogar o estado de calamidade. E você não vê uma posição de governo em relação à PEC Emergencial e à agenda das próximas semanas. Isso tudo atrasa e gera insegurança em todos", disse.

Frase

"Nenhum de nós tem certeza do que o governo vai fazer. Cada semana tem uma linha de atuação. Numa, é balão de ensaio em prorrogar o auxílio emergencial; noutra, prorrogar o estado de calamidade. E você não vê uma posição de governo em relação à PEC Emergencial e à agenda das próximas semanas. Isso tudo atrasa e gera insegurança em todos"

Rodrigo Maia, presidente da Câmara

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Controle da CMO mede a força do Centrão 

03/11/2020

 

 

A guerra da Comissão Mista de Orçamento (CMO) mostrará a verdadeira força do governo na Câmara. E, por enquanto, os prognósticos não são bons para o Palácio do Planalto e seus aliados. Às vésperas de um 2021 de forte crise econômica provocada pelo coronavírus, a base aliada liderada pelo Centrão luta para ocupar a mesa do colegiado e construir, ao mesmo tempo, um candidato viável para suceder Rodrigo Maia (DEM-RJ) no comando da Casa. Na comissão, porém, o grupo do presidente da Câmara garante que tem votos para manter a situação como está. Isso forçaria o governo a negociar com Maia ou até mesmo aceitar um candidato independente para sucedê-lo.

O cabo de guerra levou o Centrão, sob o comando do deputado Arthur Lira (PP-AL), a obstruir a pauta da Câmara. A paralisação dos trabalhos joga para frente projetos importantes e prejudica o andamento de matérias de interesse do Executivo –– como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, apelidada de PEC Emergencial, que cria gatilhos para preservar o teto de gastos, além da reforma tributária. O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), prometeu resolver o impasse até amanhã, mas poucos parlamentares acreditam nessa possibilidade. Uns falam até em levar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) direto para o plenário, sem debates prévios.

A disputa pela presidência da Câmara atingiu a CMO, devido à reorganização dos blocos partidários. O acordo fechado para a composição da comissão, em fevereiro, contava com um grande bloco que ligava DEM, MDB e PSDB ao Centrão, composto por PP, PL, PSD, Solidariedade e Avante. A configuração permitiu que as três primeiras legendas assumissem os principais cargos, sendo a presidência reservada ao deputado Elmar Nascimento (DEM-BA).

Porém, quando o Centrão fechou com o Palácio, que tentou adiantar a corrida eleitoral na Câmara, o grupo de Maia desembarcou da coalizão. Sem o controle da comissão que debaterá e definirá o orçamento de 2021, restou aos aliados do governo quebrarem o acordo, justificar que as circunstâncias mudaram e exigir espaço no colegiado. A indicação de Flávia Arruda (PL-DF) para disputar a presidência da CMO com Elmar consolidou o confronto.

Pós-eleição
Para Ricardo Ismael, doutor em Ciência Política, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), vai ser difícil o governo se movimentar para construir algum acordo até 15 de novembro, data do primeiro turno das eleições municipais. "O governo deve esperar passar o primeiro turno para dizer o que está pensando para 2021, seja na questão da receita, seja do aumento de carga tributária e de alguma coisa que possa sinalizar como corte", avaliou.

O Executivo precisa, segundo Ismael, do controle do Orçamento para traçar estratégias para a crise e, também, para tentar recuperar o crédito com o mercado financeiro, cada vez mais desconfiado do perfil errático de Jair Bolsonaro. E Maia, por outro lado, precisa de visibilidade para dar continuidade ao próprio projeto político.

Segundo o advogado e analista político Melillo Dinis, mesmo com a CMO em funcionamento e a pauta destravada, a batalha prosseguirá até "as eleições para a presidência da Câmara e do Senado", o que também deverá interferir na agenda de votações. A oposição, que também obstrui a pauta para forçar a votação da Medida Provisória 1.000/20, do auxílio emergencial, e aumentar o valor do benefício dos informais, será peça-chave na definição do próximo presidente.

"Teremos um dezembro maluco. Vai se apresentar um Orçamento em cima da hora. Estão todos apostando na volatilidade. Essa disputa representa a negociação dos parcos recursos que restaram diante de um Orçamento quase que totalmente comprometido. E incide, lamentavelmente, no projeto que teremos de Brasil em 2021, um ano muito duro", alertou Melillo. (LC)

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Decreto de calamidade não será prorrogado 

03/11/2020

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que não pautará a prorrogação do decreto de calamidade pública ou da Emenda Constitucional do Orçamento de Guerra, que deu poderes ao Executivo para burlar a regra de ouro e o teto de gastos. Para o parlamentar, a base do governo obstrui a votação na Casa para tentar esvaziar seu comando e a pauta que elabora, mesmo que isso prejudique matérias de interesse do próprio Executivo. “Nenhum dos dois assuntos será pautado até 1º de fevereiro. O governo esqueça isso. Aqueles que sonham com o jeitinho na solução do teto, aproveitem a partir do dia 2 ou 3 de fevereiro, com o novo presidente da Câmara, que tenha a coragem de ser responsável por uma profunda crise econômica e social”, desafiou.