Correio braziliense, n. 20976, 28/10/2020. Saúde, p. 13

 

Defesa pouco duradoura

Vilhena Soares 

28/10/2020

 

 

A imunidade adquirida por pessoas infectadas e curadas da covid-19 cai rapidamente, principalmente, em indivíduos assintomáticos. Essa foi a principal constatação de uma pesquisa da universidade britânica Imperial College London e da Ipsos Mori, que acompanhou 350 mil pessoas, testadas, periodicamente, durante três meses. Os especialistas observaram que a redução das células protetoras ocorreu mais em idosos. Divulgado ontem, o trabalho ainda precisa passar pela revisão de cientistas antes de ser publicado em revistas especializadas.

A pesquisa foi feita de 20 de junho a 28 de setembro na Inglaterra. Todos os participantes foram escolhidos aleatoriamente. O grupo se submeteu a exames regulares, feitos em casa, para verificar se apresentavam anticorpos para o novo coronavírus.

Na primeira fase de testes, realizada entre o fim de junho e o início de julho, cerca de 60 em cada mil pessoas tinham anticorpos detectáveis. Porém, na última análise, feita em setembro, foram 44. "Isso sugere que o número de pessoas com anticorpos diminuiu em mais de 26% entre o verão e o outono londrino", detalharam os pesquisadores, no artigo. "A imunidade diminui bastante e rapidamente", destacou Helen Ward, professora de Saúde Pública na Imperial College London e uma das autoras do estudo.

Os cientistas também observaram que a redução de anticorpos foi menor nas pessoas que apresentaram sintomas (22,3%) em comparação com as que nada sofreram (64%). "Os resultados sugerem que aqueles que não apresentaram sintomas da doença são suscetíveis a perder mais rapidamente seus anticorpos detectáveis que os indivíduos sintomáticos", ressaltaram os autores no estudo.

A equipe de pesquisa destacou ainda que, embora todas as idades sejam afetadas pela redução de anticorpos, os pacientes com idade avançada apresentam uma diminuição mais significativa. "Entre junho e setembro, o percentual de pessoas com mais de 75 anos que registrou queda de anticorpos foi de 39%, enquanto a redução foi de 14,9% na faixa de idade entre 18 e 24 anos", especificaram os especialistas.

Reinfecção

Os cientistas destacaram, de qualquer forma, que a diminuição de anticorpos vistas no estudo não deve ser vista como uma notícia negativa, já que pouco se sabe sobre os efeitos dessas células de defesa no organismo humano. "Ainda não sabemos se essa queda registrada deixará essas pessoas em risco de reinfecção, mas é essencial que todos continuem a seguir as recomendações médicas e orientações para reduzir o risco para si e para os outros", declarou Ward.

Infectologista do Hospital Santa Marta, em Brasília, Nazareth Fabíola Rocha ressaltou a importância da pesquisa britânica. "Esse estudo é robusto em número de pacientes avaliados e muito importante para a ciência pois corrobora pesquisas anteriores, porém menores, realizados na China e na Holanda, entre outros países, e que evidenciavam essa queda progressiva de anticorpos gerados após uma infecção pela covid-19", detalhou.

Segundo a médica, a queda rápida de anticorpos verificada se justificaria por uma exposição menor ao vírus no grupo analisado pelos cientistas londrinos, já que a redução não foi vista em pesquisas feitas com pacientes em estado grave da covid-19. Estudo divulgado na semana passada demonstrou a presença das células protetoras até sete meses após a infecção em pessoas hospitalizadas por complicações decorrentes do novo coronavírus.

"É esperado fisiologicamente que, frente a uma quantidade menor de antígenos virais, deveria haver uma resposta imunológica também menor (existem raras exceções para essa situação) e, portanto, também mais fugazes", frisou Nazareth Rocha. "Já foi observado também em alguns estudos que, em geral, quanto mais grave a evolução da doença, maior a quantidade de anticorpos produzidos (em indivíduos sem doenças imunológicas preexistentes). Portanto, é possível compreender que exista uma relação direta e proporcional e que uma infecção assintomática pela covid-19 gere um menor número de anticorpos", opinou.

A infectologista enfatizou ainda que existe um grande número infecções virais que não geram imunidade duradoura e os vírus que causam doenças respiratórias, em geral, são bons exemplos disso. "Por esse motivo, é possível se reinfectar inúmeras vezes pelos vírus da gripe comum (Influenza), por exemplo, motivo pelo qual a vacina é repetida de forma anual. A imunidade gerada pela vacina da Hepatite B também gera imunidade que pode diminuir ao longo do tempo e, às vezes, necessita de uma dose de reforço", elencou.

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O poder da vitamina D 

28/10/2020

 

 

Um estudo publicado, ontem, no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism reforça as suspeitas de especialistas de que a deficiência de vitamina D seja, efetivamente, um fator de alto risco para o novo coronavírus, comprometendo a resposta imunológica do doente. Na pesquisa, cientistas da Universidade de Cantabria, na Espanha, observaram que 82,2% dos pacientes internados com covid-19 em um hospital na cidade de Santander apresentavam o problema.

A descoberta foi feita durante a análise da evolução do quadro clínico de 216 pacientes do Hospital Universitário Marqués de Valdecilla. No acompanhamento, constatou-se maior necessidade de internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) daqueles que tinham taxas mais baixas da vitamina D. Os especialistas acreditam que os dados verificados no trabalho poderão contribuir para o tratamento da enfermidade.

A vitamina D é um hormônio produzido pelos rins que controla a concentração de cálcio no sangue e que parece afetar positivamente o sistema imunológico. "Muitos estudos apontam para o efeito benéfico da vitamina D no sistema de defesa do organismo, principalmente, no que diz respeito à proteção contra infecções", destacaram os autores do estudo.

Algumas pesquisas recentes têm mostrado uma relação entre níveis mais baixos do hormônio e alguns problemas de saúde, ainda há muito o que explorar sobre o tema.

Segundo os pesquisadores, entre os pacientes do Hospital Universitário Marqués de Valdecilla, os homens tinham níveis ainda mais baixos de vitamina D do que as mulheres. Os pesquisadores também verificaram quantidades elevadas de dois marcadores inflamatórios (ferritina e dímero-D) em todo o grupo com níveis baixos da substância.

Para a equipe envolvida no estudo, os resultados precisam ser considerados durante o tratamento dos pacientes com o novo coronavírus. "É importante identificar e tratar a deficiência de vitamina D, especialmente, em indivíduos de alto risco, como idosos, pacientes com comorbidades e residentes de asilos, que são a principal população-alvo da covid-19", observou, em um comunicado à imprensa, José L. Hernández, pesquisador da Universidade de Cantabria, na Espanha, e coautor do estudo. "Essa intervenção pode ter efeitos benéficos tanto no sistema musculoesquelético quanto no sistema imunológico", acrescentou o especialista.