Correio braziliense, n. 20971, 23/10/2020. Política, p. 4

 

Dinheiro na cueca e pepita no cofre

Renato Souza 

23/10/2020

 

 

Não foi só dinheiro na cueca e no cofre o que a Polícia Federal (PF) apreendeu na residência do senador Chico Rodrigues (DEM-RR). Na operação, os agentes também encontraram o que parece ser uma pepita de ouro. Após a ação na casa do senador, a polícia registrou, em seu termo de busca e apreensão, uma "pedra, supostamente caracterizada como pepita de ouro, encontrada no cofre do quarto do senador".

No momento da operação, o senador não soube explicar ou comprovar a origem, tanto da pedra, quanto dos valores em sua residência. Por isso, tudo foi apreendido. Havia R$ 10 mil e US$ 6 mil no cofre, além dos R$ 33 mil escondidos nas vestes íntimas do senador. A soma resulta em R$ 70 mil, se convertidos os dólares à moeda brasileira na cotação do dia.

"Quanto aos valores, o senador não soube explicar ou comprovar sua origem; e, da mesma forma, a origem da pedra, supostamente uma pepita de ouro, razão pela qual todos os objetos foram apreendidos", disse a PF no relatório da operação.

Chefe da corrupção

Em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a PF afirma que o senador é o chefe de um esquema de corrupção montado para desviar recursos destinados ao combate à pandemia de coronavírus em Roraima. De acordo com a corporação, o parlamentar atuava como "gestor paralelo" da Secretaria de Saúde do estado. Entre os crimes apontados, está o de que ele cobrava o empenho de emendas parlamentares para empresas que participavam da organização.

Em um dos trechos do relatório, a PF afirma que o parlamentar questionou um responsável pela liberação do pagamento da compra de álcool em gel sobre os repasses para uma empresa. "Você adiantou o pgto da Gilce/18: serviços?", teria escrito o parlamentar. Os investigadores alegam que "tudo indica que o senador estaria cobrando o pagamento da empresa Haiplan Construções Comércio e Serviços Ltda. tendo em vista que um dos sócios da empresa é Júlio Rodrigues Ferreira, marido de Gilce de Olliveira Pinto".

Ainda de acordo com as diligências, o produto entregue é álcool 65%, que seria útil para a limpeza de móveis e objetos, mas não é eficiente para a esterilização de vírus, como é o caso do agente causador da covid-19. "A forma com que o senador cobrava o pagamento indica que o parlamentar estaria atendendo não apenas aos interesses do estado de Roraima, mas, também, aos seus próprios", afirma o relatório da PF. O caso está com o ministro Luís Roberto Barroso, que, na quarta-feira passada, levantou o sigilo do processo.

Manuscritos

Além de bens e valores, a PF apreendeu um manuscrito contendo a descrição de um fluxograma relacionado à mudança do secretário de Saúde de Roraima, Francisco Monteiro, e a compra de respiradores, com valor de R$ 1.800.000". A informação é relevante para a investigação em andamento no Supremo, uma vez que existe a suspeita de que a demissão do ex-secretário de Saúde do estado, Allan Garcês, em fevereiro deste ano, teria sido arquitetada, para promover ao posto titular o adjunto de Garcês, Francisco Monteiro Neto – descrito no inquérito como alguém que dava apoio às demandas de Rodrigues, assim como o servidor da secretaria Francisvaldo de Melo Paixão.

As apreensões pela PF também incluíram "sete laudas descrevendo uma planilha de cotação de preço de medicações e 11 materiais médico hospitalares, localizadas sobre a mesa no escritório", bem como "sete folhas de papel contendo relação de preço de materiais médico-hospitalares". Os policias ficaram com um "caderno com timbre do Senado Federal, contendo várias anotações, dentre elas a destinação de valores a vários hospitais provenientes do fundo nacional de saúde, encontrados no quarto do senador".

Em nota, a defesa do senador negou as acusações. "Todos os bens e valores do senador têm origem lícita, de forma que inexiste razão para a perseguição da qual ele é vítima", garantem os advogados.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Suplência vira problema para o Senado 

Sarah Teófilo 

23/10/2020

 

 

A suplência de Chico Rodrigues tornou-se um problema sério para o Senado. Em condições normais, assumiria seu filho, Pedro Arthur Rodrigues (DEM-RR), que é o primeiro suplente, mas, após divulgação de novas informações do relatório da Polícia Federal, a situação complicou-se por causa não apenas da apreensão de uma pedra suspeita de ser uma pepita de ouro, mas também de um revólver Taurus 38 Special, de seis munições avulsas para a arma e de duas caixas de munições de espingarda calibres 20 e 36.

Segundo o relatório da PF, o senador foi questionado sobre o material. Disse que seriam do filho, mas mudou a versão afirmando serem dele. Mas, o relatório dos agentes registrou, ainda, que encontrou no celular de Pedro Arthur informações de que ele faz parte de um grupo de caçadores e atiradores.

Um parlamentar do Democratas, legenda de pai e filho, disse ao Correio na condição de anonimato que muitos congressistas estavam chocados com as novas informações. Para ele, não há mais clima para o retorno de Chico, e que deveria renunciar ao mandato. Ele salienta que a situação mancha a imagem da Casa, sobretudo por causa da proximidade com as eleições municipais.

O movimento, porém, é no sentido de deixar as coisas esfriarem, possibilitando salvar o mandato do senador sem que parlamentares tenham que votar um afastamento do colega ou defendê-lo publicamente. O líder da minoria, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), avalia que mesmo após as novas informações envolvendo Chico, a manobra para deixar a poeira abaixar continua. "A opção que está sendo feita é de empurrar com a barriga", afirmou.

Há uma representação contra o senador no Conselho de Ética, protocolada pelos partidos Rede Sustentabilidade e Cidadania, mas os trabalhos estão suspensos por uma resolução da Mesa Diretora desde o primeiro semestre devido à pandemia do novo coronavírus –– o colegiado é presidido Jayme Campos (MT), da mesma legenda de Chico. Enquanto isso, Pedro espera a decisão que estaria sendo construída. O filho do senador tem 30 dias para decidir se assume a cadeira do pai. O prazo vence às vésperas das eleições municipais.