O Estado de São Paulo, n.46307, 30/07/2020. Política, p.A4

 

Toffoli e Maia defendem carência para juiz-candidato

Bianca Gomes

Camila Turtelli

Matheus de Souza

Paulo Roberto Netto

Rayssa Motta

30/07/2020

 

 

Poderes. Presidente do Supremo diz que magistrados devem ficar oito anos fora do cargo antes de disputar eleição; classe política se preocupa com candidatura de Sérgio Moro

Julgamento. Dias Toffoli durante sessão do CNJ que analisou a participação de juiz do Maranhão em 'lives' de políticos

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, defendeu ontem que juízes e promotores fiquem oito anos afastados de seus cargos antes de disputarem uma eleição. Em discussão na Câmara, a quarentena de magistrados agrada à parte do mundo político, que vê no ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro um possível candidato à Presidência daqui a dois anos. O ex-juiz da Lava Jato, no entanto, nega ter interesse na disputa. Após as declarações de Toffoli, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a proposta deve ser votada "em breve" e pode valer já em 2022.

Analistas e parlamentares afirmam que, embora a preocupação com Moro seja o pano de fundo para a discussão sobre o período de desincompatibilização de juízes, há dúvidas se ele poderá ser atingido por uma nova regra. O entendimento deles é de que o projeto de lei não terá efeito sobre quem abandonou a magistratura antes da aprovação do texto. Procurado ontem, Moro não quis se pronunciar

Toffoli levantou o assunto durante sessão extraordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também preside, pela manhã. O julgamento virtual manteve proibição ao juiz Douglas de Melo Martins, do Maranhão, de participar de transmissões ao vivo com conotação político-partidária. O magistrado foi responsável por determinar o lockdown na região metropolitana de São Luís em 30 de abril. Após a sentença, ele passou a participar de uma série de 'lives' com políticos. Durante a discussão, Toffoli defendeu que um período de oito anos de inelegibilidade serviria para evitar a "utilização da magistratura e do poder imparcial do juiz para fazer demagogia, aparecer para a opinião pública e se fazer candidato".

"A imprensa começa a incensar determinado magistrado e ele já se vê candidato a presidente da República sem nem conhecer o Brasil, sem nem conhecer o seu Estado, sem ter ideia do que é a vida pública", afirmou Toffoli. "Quer ir para a política, pode ir. Sai da magistratura, e tenha um período de inelegibilidade. Para que não possam magistrados e membros do Ministério Público fazer dos seus cargos e das suas altas e nobres funções meios de proselitismo e demagogia", concluiu.

Horas depois, Maia afirmou que Toffoli estava "correto", pois, em suas palavras, as carreiras jurídicas "não podem ser utilizadas como trampolim". "Não discuto nem prazo, mas o presidente Toffoli já conhece a política, trabalhou no Parlamento, é um grande presidente do STF. O Parlamento deve ouvir a proposta do presidente Toffoli e decidir pelos oito anos, por seis anos, por quatro anos...", afirmou Maia, que prevê votar a medida no segundo semestre.

Um dos textos em discussão na Câmara é um projeto de lei complementar apresentado no ano passado pelo deputado Beto Pereira (PSDB-MS). Apoiada por outros parlamentares que também discutiam a quarentena para juízes e promotores, a proposta prevê cinco de desincompatibilização. "As decisões daquele que pretende disputar a eleição podem estar contaminadas pela sua pretensão política", afirmou o parlamentar ao Estadão. De acordo com ele, antes da pandemia, o projeto estava para ser apreciado em comissão, mas a pandemia atrasou o cronograma. A iniciativa tem apoio do Centrão, como noticiou o Estadão em setembro.

Embora atenda a interesses de políticos, a proposta de Toffoli foi criticada por entidades que representam magistrados. Em nota, a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, afirmou que já existem prazos estabelecidos para que juízes e promotores deixem cargos públicos para se candidatar – seis meses (mais informações nesta página). "Projetos com esse teor ferem o princípio da isonomia e violam os direitos políticos dos membros do Poder Judiciário."

Para o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Eduardo André Brandão, a ampliação da quarentena para os juízes pode ser discutida, mas o tempo proposto por Toffoli é "exagerado". "Três anos seria um parâmetro, mas oito você praticamente precisa apagar todo o tempo dele na função para concorrer."

Por outro lado, outros ministros de cortes superiores dão respaldo a Toffoli. Em dezembro, ao julgar a cassação do mandato da senadora Selma Arruda (Podemos-mt), o ministro Luís Felipe Salomão, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que era preciso discutir uma "quarentena efetiva" para magistrados. A sugestão dele é que a quarentena seja de dois anos. "Alguma coisa para inibir essa questão, que seguramente virá à tona no futuro", disse.

PARA ENTENDER

A Lei de Inelegibilidade prevê, atualmente, que juízes e promotores devem deixar o cargo seis meses antes de se candidatarem a presidente ou vice-presidente. Há casos específicos em que o chamado prazo de desincompatibilização vai para oito anos: se o juiz sofreu aposentadoria compulsória ou perdeu o cargo após passar por processo disciplinar. A Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, estabelece que ocupantes de outros cargos, como ministros, secretários estaduais, diretores de autarquias, autoridades policiais e servidores públicos, também deixem seus trabalhos seis meses antes da eleição. O mesmo período vale para um governador que quer concorrer à Presidência, por exemplo.