O Estado de São Paulo, n.46305, 28/07/2020. Economia, p.B2

 

Só com a Lei do Gás

Robson Braga de Andrade

28/07/2020

 

 

Depois da aprovação do marco legal do saneamento básico, o Congresso Nacional precisa retomar a análise e a votação da lei que modernizará o mercado brasileiro de gás natural. A legislação atual, aprovada em 2009, é insuficiente para promover as transformações necessárias ao setor, como a quebra de monopólios, ampliação dos investimentos e redução do preço desse importante insumo para a indústria.

Atualmente, a tarifa cobrada pelo gás natural dos consumidores brasileiros – uma das mais altas do mundo – é um obstáculo à competitividade da economia nacional. No ano passado, o preço do combustível para o setor industrial ficou entre US$ 13,50 e US$ 14 por milhão de BTU (unidade térmica britânica), mais que o triplo da média de US$ 4 praticada nos EUA e o dobro da dos países europeus. Mesmo no Japão, que importa quase 100% do gás natural que consome, os preços são inferiores aos do Brasil.

Nós temos reservas significativas de gás natural. Com a exploração do pré-sal, a produção doméstica, de cerca de 124 milhões de m3 ao dia, poderá dobrar nos próximos dez anos. A expansão da oferta, combinada com estímulos adequados e um ambiente regulatório seguro, permitirá a redução do preço do insumo.

Os efeitos multiplicadores da equação que une oferta abundante e preços competitivos do gás natural na economia brasileira estão estimados em estudos recentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entre os impactos positivos se destacam a expansão do consumo, atração de investimentos e conservação do meio ambiente. As projeções indicam que, com uma queda de 50% nos preços, a indústria intensiva em energia triplicará o consumo de gás e poderá ampliar os investimentos em R$ 150 bilhões em 2030. E muitas empresas serão incentivadas a substituir de 50% a 80% do carvão utilizado nos processos de produção por gás natural, contribuindo para reduzir a emissão de poluentes que geram o efeito estufa.

Mas a materialização dessas estimativas depende da aprovação do Projeto de Lei (PL) 6.407/13, que está pronto para votação e é o principal instrumento para a efetiva redução dos custos do gás natural no País. As mudanças previstas no texto, que está em discussão há sete anos no Congresso, são cruciais para promover o tão esperado choque de energia barata, anunciado pelo governo em junho de 2019, no lançamento do Programa Novo Mercado de Gás Natural.

De lá para cá, os esforços do governo para enfrentar o monopólio no setor na proposição de ações infralegais para a abertura do mercado foram muito importantes. Entretanto, o País ainda espera a efetiva diversificação dos atores e os investimentos necessários para adequar a cadeia de gás natural às exigências de um mercado cada vez mais competitivo.

É importante lembrar que, no passado, o sistema elétrico brasileiro era considerado um dos mais eficientes do mundo e era uma importante vantagem competitiva para o País. Com a fonte hídrica responsável por quase 65% da matriz elétrica, assegurada por grandes reservatórios de regulação e um sistema interligado por ampla rede de transmissão, a energia no Brasil era barata. Infelizmente, ao longo dos últimos anos os custos da energia aumentaram por uma série de problemas, entre eles a proliferação de taxas e encargos setoriais incidentes sobre as tarifas. Além disso, o uso maciço de termoelétricas de alto custo em períodos de escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas elevou ainda mais os preços da energia.

Por isso, a aprovação do PL n.º 6.407/13 é uma chance que não pode ser desperdiçada. Um novo marco legal para o gás natural, com regras claras para os vários elos da cadeia – produção, comercialização e transporte – se adequarem às exigências do mercado, está entre as ações indispensáveis para que o setor energético volte a ser uma vantagem competitiva para a economia brasileira.

A abertura do mercado à competição e a queda do preço do gás natural de forma consistente são cruciais para o País superar a grave crise provocada pela covid-19. Com oferta e tarifas adequadas às demandas da indústria, o Brasil terá melhores condições para atrair investimentos, enfrentar a acirrada concorrência externa, retomar o crescimento econômico e criar empregos no pós-pandemia.

EMPRESÁRIO, É PRESIDENTE DA CNI