O Estado de São Paulo, n.46305, 28/07/2020. Política, p.A11

 

Juiz pode determinar busca e apreensão dentro do Congresso?

Thomaz Pereira

28/07/2020

 

 

Em 2018, o STF restringiu o "foro privilegiado" apenas a crimes praticados no cargo e em razão do cargo. Com isso, dependendo do caso, congressistas podem ser investigados por juízes de primeira instância. Em 2019, a Corte decidiu que o mero fato de uma busca e apreensão ser cumprida nas dependências do Congresso não determina que o caso deva ser decidido pelo STF. Afinal, a Constituição não elegeu o local da realização de diligências como critério para definir a sua competência.

A combinação dessas duas decisões cria a dúvida. Se estiver atuando em um processo de sua competência (conforme a decisão de 2018), e considerando que o mero local da diligência não gera competência do STF (conforme decisão de 2019), um juiz de primeira instância pode determinar busca e apreensão no gabinete de um congressista?

Quando suspendeu a busca e apreensão no gabinete do senador José Serra (PSDBSP), o ministro Dias Toffoli não questionava as premissas acima. Mas sua decisão adota uma interpretação restritiva da competência do juiz de primeira instância: vê na "extrema amplitude da ordem de busca e apreensão" um "risco potencial de que sejam apreendidos documentos relacionados ao desempenho da atual atividade do congressista" – o que poderia caracterizar a competência do STF.

Sem ter acesso ao teor da decisão da ministra Rosa Weber é impossível saber exatamente quais são os fundamentos específicos e limites de sua autorização para busca e apreensão no gabinete da deputada federal Rejane Dias (PT-PI). Há duas possibilidades: primeiro, divergindo diretamente da leitura de Toffoli, a ministra pode ter entendido que juízes de primeira instância sempre poderiam determinar busca e apreensão em gabinetes de congressistas, desde que competentes para julgar a acusação contra eles. Segundo, a ministra pode ter decidido sem discordar, de fato, de Toffoli, reconhecendo que a competência do juiz de primeira instância dependeria de fatores concretos, que estariam presentes neste caso, mas não necessariamente em outros.

A mera divergência de resultados, porém, já aponta para o desafio do STF. É fundamental que o tribunal, colegiadamente, apresente uma posição clara e definitiva estabelecendo parâmetros objetivos que orientem – e limitem – as decisões não só de outros juízes, mas de seus próprios ministros.

Para que o sistema de Justiça funcione bem, e para que a legitimidade do tribunal não se desgaste, é imprescindível que a resposta a essas perguntas não dependa do ministro-relator de cada caso.

PROFESSOR DA FGV DIREITO RIO