Valor econômico, v. 21, n. 5134, 24/11/2020. Política, p. A6

 

Bolsonaro contraria TCU e não apresenta plano de imunização

Murillo Camarotto

24/11/2020

 

 

AGU busca adiar entrega de proposta detalhada para vacinação da população contra covid-19

A despeito do avanço no desenvolvimento de diversos tipos de vacina contra a covid-19 e dos riscos de uma segunda onda da doença atingir o Brasil, o governo Jair Bolsonaro está resistindo a cumprir uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) e entregar um planejamento detalhado para a imunização da população.  A determinação do órgão de controle foi aprovada pelo plenário no dia 12 de agosto, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu e até agora não há indicação de que o plano sequer exista e, muito menos, de que será apresentado.

Não é a primeira vez que a AGU atua para postergar o compartilhamento de informações com o tribunal. Em junho, apresentou recurso contra um pedido para que o governo divulgasse as atas das reuniões do Centro de Coordenação de Operações do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da covid-19.

Cresce a preocupação entre especialistas e técnicos do governo sobre como o país deve se preparar e agir assim que os primeiros lotes da vacina estiverem disponíveis. Pouco se sabe, por exemplo, como se dará a distribuição para Estados e municípios, se haverá agulhas e seringas suficientes e quantas salas de vacinação possuem os equipamentos necessários para o correto armazenamento das doses. Enquanto outros países já discutem se o ideal é vacinar primeiro os idosos ou os jovens, que poderiam acelerar a retomada da atividade econômica, no Brasil não se sabe ainda qual parcela da população será tratada com prioridade - além dos profissionais de saúde.

A pandemia também provocou atritos do governo com os outros Poderes e entes subnacionais, depois que o presidente Jair Bolsonaro adotou uma postura contrária ao isolamento social e relativizou a gravidade da covid-19. Dois ministros caíram até a nomeação do general Eduardo Pazuello para a pasta da Saúde, que agora tenta reduzir a percepção de que o Executivo politizou o assunto.

Nesse contexto, em sua decisão de agosto, o ministro do TCU Vital do Rêgo deu um prazo de 15 dias para a Casa Civil detalhar as ações de produção e de compra das vacinas, bem como o esquema planejado para viabilizar a imunização da população.

Também foi solicitada a apresentação e o detalhamento dos eventuais riscos associados às medidas em análise, além das ações para mitigá-los. Para a eventualidade de tais planos ainda não existirem, o TCU determinou na ocasião que a Casa Civil e o Ministério da Saúde elaborassem o plano em parceria com as secretarias estaduais de Saúde e enviassem tudo em até 60 dias.

Se esse prazo fosse cumprido, todas as informações deveriam ter chegado na semana passada ao tribunal, o que não ocorreu.

Ao justificar o pedido de reexame, a AGU informou que o atendimento da determinação poderia ter implicações prejudiciais para o governo. Isso porque a ordem teria sido encaminhada à Casa Civil, enquanto que o órgão responsável pelo planejamento desse tipo de ação seria o Ministério da Saúde. O TCU recebeu o recurso, mas internamente criticou o caráter “meramente procrastinatório” da apelação.

Na peça, assinada pelo consultor-geral da União substituto, Giordano da Silva Rosseto, a AGU reconhece que países com grandes populações precisam de planejamento para a vacinação, “uma operação sem precedentes”. Sustenta, porém, que o trabalho não compete à Casa Civil.

“Diante dessas regras, há de se reconhecer que o Ministério da Saúde é o órgão dotado de estrutura adequada e corpo técnico com expertise e profundidade técnica necessários para a realização do planejamento determinado”, alegou a AGU no recurso.

O órgão argumentou ainda que o Programa Nacional de Imunizações (PMI) foi implementado há muito tempo pelo Ministério da Saúde e que apresenta “resultados vigorosos”.

“Portanto, criar uma estrutura apartada para tratar do processo da busca por uma vacina contra a covid-19, bem como uma logística necessária para imunização dos brasileiros, fora da governança do Ministério da Saúde, pode trazer resultados inoperantes”, justificou a AGU.

Em nenhum momento o órgão considerou a hipótese de o planejamento ser elaborado pelo Ministério da Saúde e apenas revisado e encaminhado pela Casa Civil. De qualquer forma, o recurso está em análise e ainda sem prazo para ir ao plenário do TCU.

“Ressalte-se, mais uma vez, que a irresignação não é voltada à necessidade de elaboração de plano de imunização. Nada obstante, é evidente que, por cuidar de política afeitas ao Ministério da Saúde, a determinação deve ser dirigida àquele órgão, sob pena de se incorrer em sobreposição de competência, duplicidade de esforços e ineficiência administrava”, completou a AGU.

Parte do planejamento passa pela Diretoria de Logística do Ministério da Saúde (DLOG), comandada por Roberto Ferreira Dias. Indicado pelo DEM do Paraná, ele chegou a ser indicado por Bolsonaro para a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ficaria encarregado justamente da área que cuida da aprovação de vacinas, mas o presidente mudou de ideia e acabou indicando o tenente Jorge Luiz Kormann, atual secretário-executivo adjunto da pasta.

Possíveis falhas na gestão dos testes de covid-19, que podem otimizar a aplicação das vacinas ou até mesmo atestar uma nova onda de infecções, também entraram na mira dos órgãos de controle. Isso porque uma reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” revelou que um lote com 6,9 milhões de testes comprados pelo ministério está em um armazém do governo em Guarulhos. Todos têm data de validade expirando entre dezembro deste ano e janeiro de 2021.

O Ministério Público junto ao TCU solicitou a abertura de uma investigação, e a comissão do Congresso que acompanha as ações do governo no enfrentamento da pandemia tenta adiantar uma audiência pública com o ministro da Saúde. Auxiliares de Pazuello devem ser ouvidos amanhã.

Por meio de nota, a Saúde informou que, a exemplo do que ocorreu com outros lotes de testes utilizados em outros países, devem chegar ao Brasil ainda nesta semana estudos de estabilidade estendida para os testes que a pasta tem em estoque. Já o presidente Jair Bolsonaro disse que o governo federal não tem responsabilidade sobre os quase 7 milhões de testes para covid que vencerão nos próximos dois meses e até hoje não foram utilizados. “Todo o material foi enviado para Estados e municípios. Se algum Estado/município não utilizou deve apresentar seus motivos”, escreveu o presidente a um apoiador que o questionou no Facebook.

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STF confirma liminar e obriga governo a divulgar dados

Luísa Martins 

Isadora Peron

24/11/2020

 

 

Governo havia dificultado, em junho, a divulgação das informações sobre covid-19, dificultando o acesso à população e aos jornalistas

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a liminar que, em junho, obrigou o governo federal a divulgar a íntegra dos dados sobre a pandemia. Os processos foram ajuizados por partidos de oposição e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) depois que o Ministério da Saúde mudou o método de divulgação das informações, dificultando o acesso à população e aos jornalistas.

No julgamento em plenário virtual, encerrado na sexta-feira, o STF decidiu que a pasta deve “manter, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à covid-19, inclusive no site, e com os números acumulados de ocorrências, exatamente conforme realizado até o dia 4 de junho”.

Nas ações, a OAB e os partidos Rede Sustentabilidade, Psol, PDT e PCdoB contestaram mudanças feitas pelo Ministério da Saúde na forma de dar publicidade às informações. Primeiro, a pasta adiou das 17h para as 22h a divulgação dos balanços diários. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro celebrou o fato de o novo horário inviabilizar a veiculação de reportagens no Jornal Nacional, da TV Globo.

A tentativa do governo de alterar a divulgação dos dados levou à criação do consórcio de veículos de imprensa. Desde então, o consórcio levanta as informações diariamente junto as secretarias de saúde dos Estados e do DF e divulga em três boletins diários: às 8h, 13h e 20h.

Depois, retirou do ar o painel que mostrava o número acumulado de mortos e doentes, passando a publicar apenas os casos registrados no dia - uma forma de “maquiar” a verdadeira situação da pandemia no país.

A OAB e as legendas argumentaram que a medida afronta a Constituição, que prevê o princípio da publicidade como um dos pilares da administração pública. Além disso, afirmaram que Lei da Transparência obriga o governo a disponibilizar informações de interesse público em local de fácil acesso.

Em seu voto, Moraes afirmou que as alterações promovidas pelo governo “obscureceram” os dados epidemiológicos, dificultando as análises e projeções necessárias para auxiliar as políticas públicas de contenção ao coronavírus. Ademais, impediram que a sociedade tivesse “pleno conhecimento” sobre o estágio da pandemia. “O acesso às informações consubstancia-se em verdadeira garantia instrumental ao pleno exercício do princípio democrático”, escreveu o relator, seguido pelos demais.

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Butantan espera iniciar vacinação contra covid em janeiro

Hugo Passarelli

24/11/2020

 

 

Testes com a vacina produzida por instituto do governo de SP devem ser concluídos na primeira quinzena de dezembro e só dependem de autorização da autoridade sanitária

O governo do Estado de São Paulo informou ontem que os resultados da terceira e última fase do estudo sobre a eficácia da vacina Coronavac, feita em parceria com a chinesa Sinovac, devem estar prontos para divulgação na primeira semana de dezembro ou, no mais tardar, até a primeira quinzena do mês que vem .

A partir daí, os dados serão analisados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a sua correspondente na China. Se houver liberação de registro, é possível iniciar a vacinação da população já em janeiro.

“Estamos muito próximos de ter uma vacina disponível para o programa nacional de imunização. Na primeira semana de dezembro, teremos os resultados dessas análises, que serão remetidos ao comitê internacional independente. [Depois], o comitê deverá validar esses resultados e produzir um relatório, que será encaminhado para a Anvisa e à agência correspondente da China”, afirmou Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan.

Segundo Covas, o estudo clínico atingiu o número mínimo de pacientes infectados, de 61 até semana passada e de 74 no dado mais recente, o que permite a abertura dos resultados. “A celeridade do Instituto Butantan vai permitir que a Coronavac seja a primeira vacina disponível para nossa população”, acrescentou Jean Gorinchteyn, secretário de Saúde do Estado de São Paulo.

A previsão do Butantan e do governo é de que 46 milhões de doses estejam disponíveis no Brasil em janeiro de 2021. Como o processo de produção deste tipo de imunizante é similar ao dos demais fabricados pelo instituto paulista, uma campanha de vacinação poderia começar assim que a Coronavac seja registrada pela Anvisa.

No total, são 13 mil voluntários envolvidos nos estudos no Brasil. A pesquisa utiliza o modelo duplo cego, em que metade dos voluntários recebe doses de vacina, e os demais, um placebo.

Ontem, a divulgação dos resultados de outra vacina, a de Oxford/ AstraZeneca, mostrou eficácia entre 62% e 90%. “A expectativa é que os resultados da fase 3 da Coronavac repitam os achados encontrados na fase 2”, disse o médico infectologista David Uip.

Na semana passada, as conclusões sobre fase anterior de estudos clínicos da Coronavac foram publicados pela revista científica “Lancet”. A publicação mostrou que a vacina é segura e tem capacidade de produzir resposta imune no organismo 28 dias após sua aplicação em 97% dos casos.

O avanço na pesquisa da Coronavac e de outras vacinas ocorre em meio à segunda onda da pandemia já confirmada na Europa e suspeitas que o mesmo esteja ocorrendo no Brasil.

Para o governo do Estado de São Paulo, no entanto, é cedo para falar em nova disseminação descontrolada do vírus. Isso porque a instabilidade no sistema do Ministério da Saúde que contabiliza os casos e mortes por covid-19 dificulta a análise. “Os dados não nos permitem fazer qualquer consideração sobre um repique ou onda mais robusta [de casos e mortes]. Precisamos consagrar os dados e os próximos dias serão fundamentais ”, disse Gorinchteyn.

Segundo Patricia Ellen, secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, as informações sobre internação hospitalar, mais confiáveis e de contabilização estadual, ainda não apontam para a segunda onda da doença.

“Registramos 17% de aumento nas internações. No pico da crise, passamos de 2 mil internações e agora estamos com 1.180”, afirmou Patricia.

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Defeito no sistema do SUS ainda afeta estatística

24/11/2020

 

 

Inserção dos dados incompleta no início do mês dificulta verificação de tendência da covid-19 no país

O Brasil computou mais 344 mortes por covid-19 ontem, até 20h, segundo o consórcio de veículos de imprensa. Agora já são 169.541 mortos pela doença no país desde o começo da pandemia.

A média na semana móvel encerrada ontem foi de 496 mortes por dia, com aumento de 51% em relação à semana móvel anterior.

Com mais 17.585 casos confirmados ontem, o Brasil alcançou a marca de 6.088.004 pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

A média da semana foi de 30.181 diagnósticos por dia, alta de 57% sobre a semana anterior.

Pelo levantamento do consórcio, 11 Estados apresentaram alta na média móvel de mortes: RS, SC, MG, ES, RJ, SP, GO, MS, AM, RR e CE.

É necessário relembrar o problema ocorrido no sistema nacional de registros de mortes e casos de covid-19 do Ministério da Saúde, que teve início no dia 6 de novembro.

Diversos Estados relataram dificuldades de acesso ao sistema eletrônico do SUS e divulgaram dados incompletos ou até mesmo ficaram sem atualizações diárias durante alguns dias. Foi o caso de São Paulo, Estado mais afetado pela pandemia em números absolutos, que não teve mortes registradas durante cinco dias seguidos.

Nos próximos dias, essa ausência de atualizações e os números incompletos terão reflexo nos percentuais indicativos de tendência de alta, estabilidade ou baixa nas mortes, nos Estados afetados naquela semana, e consequentemente também nos percentuais da tendência nacional nas mortes e nos novos diagnósticos.

O consórcio de veículos de imprensa é formado pelos jornais “O Globo”, “Extra”, “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, bem como os portais UOL e G1.

Os dados são apurados junto às secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal. Diariamente o consórcio divulga três boletins, às 8h, 13h e 20h.

De acordo com o levantamento do Ministério da Saúde, foram 302 mortes por covid-19 em 24 horas até 18h30 de ontem.

Com isso, o total de óbitos provocados pela doença chegou aos 169.485, segundo as estatísticas do governo federal. De acordo com o órgão, foram contabilizados 16.207 novos casos de covid-19 no período de 24 horas, elevando o número de infectados para 6.087.608.

Segundo o ministério, o balanço aponta 5.445.095 pacientes recuperados da doença e 473.028 sob acompanhamento.

São Paulo é o Estado com mais mortes (41.276) e casos confirmados (1.210.625) de covid-19. Minas Gerais é o segundo Estado com mais casos (398.014) e o Rio de Janeiro é o segundo com mais óbitos (22.028).