Correio braziliense, n. 20967, 19/10/2020. Cidades, p. 16/17

 

Atenção aos cursos a distância

Ana Maria da Silva 

19/10/2020

 

 

A educação a distância (EAD) cresce rapidamente em todo o país. Para aproveitarem o tempo de sobra que surgiu com a pandemia, estudantes recorrem cada vez mais à modalidade de ensino. Entre as principais vantagens, está a comodidade, uma vez que o conteúdo pode ser acessado de qualquer lugar e horário, por meio de um aparelho conectado à internet.

Com os benefícios em mente, a estudante universitária Juliana Vieira, 20 anos, conta que decidiu iniciar novos cursos na modalidade a distância. “Com a pandemia, comecei a ter muito tempo livre e achei por bem iniciar coisas que já tinha vontade antes, mas não fazia por falta de tempo”, explica. De acordo com a estudante, o momento foi propício para novos aprendizados. “Eu queria me qualificar mais, me preparar mais para o mercado de trabalho. Encontrei alguns cursos voltados à minha área e que eram bem em conta. Então, aproveitei a oportunidade”, lembra.

Após assinar o contrato, Juliana começou o curso, mas teve alguns problemas ao longo do caminho. “A plataforma de estudos que a instituição oferecia não estava funcionando muito bem. De início, pensei que fosse algum problema com a internet, já que todos da minha família estavam ficando em casa e acabava sobrecarregando a rede. Mas, conversei com alguns colegas e percebi que eu não era a única”, lembra. Sem conseguir ter acesso ao conteúdo, a estudante entrou em contato com a instituição. “Eles disseram que realmente estava havendo sobrecarga, mas que logo resolveriam”, diz.

Depois de duas semanas com problemas, Juliana explica que a situação foi resolvida, mas sentiu-se prejudicada. “É compreensível a sobrecarga, mas perdemos muito tempo devido à falha. Essas duas semanas foram pagas, e não vamos ter esse tempo reembolsado. Mesmo sendo uma disciplina a distância, é preciso levar em consideração o tempo que aquele aluno dedica ao estudo”, pondera. “As provas não foram adiadas, então, tive de correr atrás do prejuízo em bem menos tempo que teria”, lamenta.

De acordo com o advogado especialista em direito do consumidor Welder Rodrigues Lima, os problemas envolvendo a contratação de cursos EAD são diversos. “Todos eles estão relacionados à precariedade na disponibilização de informações no momento da contratação, ao passo que o consumidor acaba sendo surpreendido durante a realização do curso”, explica.

Dentre os problemas mais relatados, o advogado cita: “a falta de registro do curso no Ministério da Educação e Cultura (MEC); a estrutura precária das plataformas de tecnologias da informação (TI) utilizadas na prestação do serviço; cobrança por material sem o conhecimento prévio do consumidor; corpo docente de baixa qualidade e descontinuidade do curso antes do término; além do descontentamento com o plano pedagógico”, ressalta.

Segundo o especialista, a contratação de cursos a distância é considerada uma relação de consumo e pode ter aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC). “Uma relação de consumo estará caracterizada sempre que envolver fornecedor e consumidor, nos termos dos artigos 2º e 3º, respectivamente, do CDC. Nesse passo, se há uma oferta de prestação de serviço educacional, com um curso, ainda que a distância, e um contratante que será o destinatário final desse serviço, o código pode ser aplicado”, explica.

Antes de contratar um curso EAD, Welder adverte ao consumidor: “pesquisar a respeito da reputação da escola prestadora do serviço, a qualidade do corpo docente, indagar a respeito de eventuais cobranças de materiais ao longo do curso, verificar se a plataforma de TI usada no curso é adequada, exigir cópia do contrato e analisar todas as cláusulas do contrato”, ressalta. Segundo o advogado, o documento deve conter todos os detalhes do curso, a carga horária, data de início e término, o plano pedagógico, preço e cláusula prevendo hipótese de rescisão.

Conteúdo pedagógico

O não cumprimento do conteúdo pedagógico também fere o contrato de prestação de serviço. Os órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, podem ser acionados caso isso ocorra, conforme explica o advogado especialista em direito do consumidor Leonardo Memória. “Caso tenha no contrato matérias específicas, e não seja dado o referido conteúdo, tem-se aí uma violação do contrato, podendo ser reparada na esfera judicial”, ressalta.

Outros aspectos também podem ferir a prestação de serviço, como “a não disponibilização do material didático em tempo hábil, a ausência de comunicação e o encerramento de viabilidade para assistir as aulas antes do prometido”, diz o advogado. Quando não satisfeito com o serviço oferecido, o consumidor deve buscar reparar os danos. “A depender da insatisfação, o estudante deve tentar rescindir o contrato amigavelmente antes do fim do curso. Se a insatisfação for por ausência de matéria ministrada, é interessante que antes do fim do contrato seja feita uma reclamação com a empresa para depois procurar qualquer meio de defesa do consumidor”, explica.

Caso o consumidor seja lesado, deve recorrer ao Procon, Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário. “Se o currículo não for cumprido, deve-se fazer uma denúncia na ouvidoria do MEC. Com o cancelamento do contrato, o consumidor deve ser ressarcido de maneira proporcional à quantidade de aulas ministradas. Lembrando que aqui se aplica o CDC no sentido que ao comprar o curso, o consumidor pode desistir com restituição integral do valor após sete dias”, alerta Leonardo.

* Estagiária sob a supervisão de  Adson Boaventura

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Os estudos continuam 

Thalyta Guerra

19/10/2020

 

 

Preparar-se para concursos públicos está mais difícil devido às medidas de isolamento social impostas pela pandemia do novo coronavírus. O Correio conversou com alguns concurseiros que viram a rotina mudar por força da crise sanitária. Com bibliotecas fechadas, crianças e adolescentes em casa e home office, novas estratégias de estudos tiveram de ser adotadas.

Para a advogada Camila Fontana, 30 anos, o silêncio é essencial para um bom ambiente de aprendizagem. Antes da pandemia, ela frequentava a biblioteca da faculdade onde se formou para estudar. Agora, tendo como alternativa apenas o apartamento onde mora com mãe, pai e dois irmãos, no Cruzeiro, a dedicação diminuiu. “O barulho é o meu maior desafio, porque acabo fazendo com que todos da casa sigam meus horários. Tevê alta nem pensar, nem ouvir música alta. Não consegui manter a rotina, falhei muitos dias”, lamenta.

Para a especialista em concursos públicos, psicóloga Juliana Gebrim, manter o bem-estar emocional enquanto se estuda para concursos públicos é fundamental, sobretudo no cenário atual. “A concentração é algo que deve ser analisada com profissionais da área de saúde. Inúmeros estudantes podem ter processos ansiosos, depressivos ou até um quadro de anemia. Aí, o aluno ‘enxuga gelo’, a autoestima fica abalada e a causa não é tratada”, explica.

A arquiteta e urbanista Mayara Neres, 26, conta que a dedicação exclusiva para os estudos, por si só, é estressante. “Um dos fatores pelo qual sempre preferi estudar na biblioteca a estudar em casa, era por conseguir manter uma rotina rígida, estudar em um ambiente silencioso, propício, e ter contato com outras pessoas que compartilhavam diariamente a mesma rotina, o que tornava tudo, de certa forma, até mais leve”, avalia.

Devido às medidas de enfrentamento à covid-19, Mayara teve de redobrar o empenho para seguir com os estudos em casa, em Samambaia, onde mora com pai, mãe e irmã. “Ao passar dos meses, acabei conseguindo estabelecer uma rotina à medida que conhecia melhor os horários, mais ou menos produtivos, e que, ao mesmo tempo, adequavam-se com as obrigações ligadas à família”, conta. “O esforço para conseguir me manter concentrada com o estudo em casa é imensamente maior, esforço esse, que considero responsável por um maior desgaste mental”, analisa.

Juliana Gebrim ressalta que o ambiente ideal para o aprendizado sempre será algo individual, conforme as necessidades de cada um, mas usualmente há semelhanças entre esses locais. “Um lugar organizado, claro e arejado sempre vai ajudar. Mas, é preciso observar se esse ambiente tem barulho, se é frequentemente movimentado por familiares, porque isso vai gerar interrupções que podem prejudicar a concentração. Ouço muitos depoimentos de pessoas que estudam em casa e sofrem com as interrupções dos parentes”, aconselha.

Mayara teve a prova suspensa por mais de uma vez, no início da pandemia e novamente no mês de setembro. Em casos como esse, a psicóloga recomenda que o candidato veja o adiamento do certame como uma oportunidade. “Quando os alunos reclamam sobre o cancelamento de alguma prova, eu sempre pergunto se eles se consideram 100% preparados para aquele concurso e todos, sem exceção, sempre respondem que não. Então, minha orientação é para que eles encarem isso como uma chance para tirar dúvidas com professores, reforçar aquele conteúdo que sempre teve mais dificuldade e cuidar do emocional para essa nova etapa de estudos”, explica.

A bacharela em direito Maíra Nunes, 33 anos, está há três anos estudando para concursos públicos, e a pandemia não facilitou o processo. “Foi muito difícil manter a rotina de estudos, até por conta de alguns problemas pessoais, mas, tenho para mim, que desistir não é uma opção. Voltei aos poucos e, hoje, consigo cumprir minha rotina de forma mais estabilizada”, relata.

Antes da chegada do novo coronavírus no DF, Maíra vivia com os pais, no Guará. Por serem idosos, ela se mudou, momentaneamente, para a Asa Norte.  “A pior parte do isolamento é ficar longe da minha família e dos meus amigos mais próximos. Não poder abraçá-los é muito ruim. Mas, penso que neste momento precisamos nos distanciar para podermos nos reencontrar o mais rápido possível”, afirma.

O que esperar?

Diretor-presidente e fundador do Gran Cursos Online, Gabriel Granjeiro acredita que o ciclo de aplicação de concursos deve ser adiado para o ano que vem e afirma que os candidatos não devem parar com os estudos, mesmo que não mantenham o ritmo de antes da crise sanitária. “O importante é gerar uma frequência que seja sustentável, alguns dias pode não conseguir, mas outros sim. Com o tempo, gera hábitos, e esses, geram a rotina e os resultados”, completa Gabriel.

Até o final deste ano, segundo Gabriel Granjeiro estão previstos os editais dos concursos da Secretaria de Educação do Distrito Federal e Secretaria de Saúde, da Polícia Civil do DF e da Polícia Federal (PRF). Para o ano que vem, de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA), estão previstos os editais dos concursos para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF), Departamento de Trânsito (Detran), Procon e DF Legal. “Não está garantido, mas há um indicativo”, ressalta o empresário.

Estagiária sob a supervisão de Guilherme Marinho