Correio braziliense, n. 20967, 19/10/2020. Política, p. 4

 

Entrevista - Tiago Mitraud

Vera Batista 

19/10/2020

 

 

A Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, no Congresso, foi lançada em 8 de setembro, com apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Apesar disso, o presidente do colegiado, deputado Tiago Mitraud (Novo/MG), não poupa críticas ao Executivo. Para ele, o governo cometeu um grande erro estratégico ao não incluir no texto da reforma (PEC 32/2020) outros membros de poderes, como magistrados, procuradores, defensores, parlamentares e até os militares.

Mitraud diz que “não está contra os servidores”, mas, afirma que o funcionalismo federal, com salários muito superiores aos da iniciativa privada, não deve receber reajuste anual até que seus ganhos mensais “se aproximem da realidade brasileira”.

O Executivo não incluiu na PEC várias carreiras, justamente as que têm os maiores salários. Transferiu a responsabilidade para o Legislativo?

Acho que o governo errou, sim. Tinha condições de incluir essas classes. É isso que a população quer. Creio que o Ministério da Economia gostaria que todos os servidores participassem das mudanças. Mas o presidente Jair Bolsonaro acabou não concordando. Lamento que o presidente tenha defendido privilégios. Isso, no entanto, poderá ser corrigido. Já existem vários projetos tramitando com esse objetivo, além da disposição de alguns parlamentares de não deixar ninguém de fora.

O senhor é defensor de um nxugamento radical dos gastos do Estado, mas acredita ser possível contrariar o governo e os interesses corporativos, a exemplo de pautas históricas que defendem reajuste anual de salários?

As alterações propostas na administração não são para agradar nem ao governo nem aos servidores. O foco são os cidadãos. Na verdade, a PEC 32/2020 não tem como objetivo principal os salários, por enquanto. O assunto, porém, não está descartado. O funcionalismo federal tem remunerações muito superiores às da iniciativa privada, conforme várias pesquisas de instituições nacionais e internacionais. E não deve receber reajuste anual, pelo menos até que seus ganhos mensais se aproximem da realidade brasileira.

Há muita reclamação, justamente, porque as correções não são automáticas.

A gente valoriza e reconhece os bons servidores, mas temos de nos adequar. Ninguém fala, por exemplo, de aumento anual para parlamentar. Por quê? Porque o salário é acima da média. O mesmo acontece com várias carreiras. Não é possível que um juiz ganhe R$ 300 mil por mês, mesmo que retroativo e eventual. Isso acontece, normalmente, porque ele vende parte das férias de 60 dias, acumula folgas e ainda tem o recesso. Também não achou justificativa para férias de 45 dias dos professores.

Apesar da pandemia, algumas categorias receberam aumento, e os parlamentares aprovaram alegando que já estava no orçamento.

Todos têm de estar alinhados. Não pode haver exceções, como no caso dos policiais civis e militares e bombeiros do Distrito Federal, que, recentemente, tiveram correção nos subsídios. Precisamos congelar salários, sem exceção. Se, no passado, foi dado um aumento maior, seja qual foi o motivo, não justifica, agora, corrigir. Não podemos admitir distorções. Tudo que é feito agora tem repercussões no futuro. A sociedade não quer mais aumento de despesas com pessoal e custeio. Quer mais investimentos.

O projeto  tem restrições para os atuais e futuros servidores. O próprio ministro Paulo Guedes, que defende o ajuste fiscal, firmou que presidente de estatais devem ganhar bem. omo se explica cortar de um lado e gastar do outro?

Para evitar essas distorções e possíveis dificuldades do governo em atrair no mercado dirigentes de estatais (como na substituição do presidente do Banco do Brasil), essas empresas devem ser privatizadas. Todas: Caixa, Banco do Brasil e Petrobras. O governo não tem de ser dono de empresa. Essas organizações operam na lógica do mercado. Mas temos de levar em consideração que uma coisa é um salário específico de executivos altamente qualificados, outra, o aumento em massa. O ministro da Economia, como outros executivos de fora do serviço público, sequer precisa do salário. Setor público não é para ficar rico, é para cumprir uma missão.

Quanto à estabilidade dos servidores, considerada inegociável pela maioria das carreiras? O senhor já disse que não é uma bala de prata, nem uma máxima que não deva ser discutida.

E não é. A administração pública está engessada. Vai ser difícil sair dessa situação de engessamento sem reestruturar. Temos de sair desse contexto. Discutir em que medida e para quem a estabilidade é importante. No caso da estabilidade, assim como nos reajustes salariais e privilégios, não há regra. Ganha mais quem grita mais. E isso não é possível. É preciso um estudo detalhado para avaliar cada detalhe.

Outro ponto defendido pelo funcionalismo é de que é “injusto e imoral” ter servidores públicos de primeira e de segunda categorias, ou seja, com salários diferentes na mesma atribuição?

Na verdade, isso não é um problema. Pelo contrário, vai incentivar o servidor a se esforçar mais para elevar o seu salário. Nada deve ser automático. Também dizem que uma futura lei que reduza as remunerações de entrada tornará o serviço público menos atrativo para os novos trabalhadores. Não acredito nisso. O Brasil tem de enriquecer, e o que impede esse avanço é a morosidade da máquina pública. Repito: não estou contra os servidores, eles são que precisam estar do nosso lado. São eles que, muitas vezes, ficam com a reputação arranhada pelas distorções. Espero que a sociedade pressione o Congresso para que a reforma administrativa avance.

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Reforma administrativa só deve avançar em 2021

19/10/2020

 

 

A PEC da reforma administrativa enviada pelo governo ao Congresso, considerada branda demais, já conta com o aceno de deputados e senadores para ser mais rigorosa, com a inclusão dos atuais servidores (o Executivo previa mudanças apenas para os novos) e de membros de poderes, como magistrados, parlamentares, promotores, procuradores e militares.

Presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa no Congresso, o deputado Tiago Mitraud (Novo/MG) já anunciou sugestões ao texto como acabar com a licença remunerada para disputa eleitoral e com as aposentadorias e pensões vitalícias; tornar opcional o pagamento de abono permanência; criar processo seletivo para a maior parte dos cargos de liderança e assessoria, entre outras. Todas as medidas talhadas para manter o foco perseguido pela equipe econômica de economizar R$ 30 bilhões em 10 anos e elevar o nível de investimentos.

Defensor da reforma para os novos servidores, como propôs o governo, o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, afirma que “é importante reestruturar carreiras e garantir que os próximos salários sejam menores, para tornar o Estado mais eficiente”.

Ele apoia, também, a avaliação de desempenho que, hoje, é protocolar, conforme destaca. “Mais do que tudo, agora, é fundamental a coordenação do governo na proposta, sua participação no processo legislativo e o detalhamento de cada passo. As distorções precisam ser corrigidas. Do contrário, continuaremos com as incertezas sobre o ajuste fiscal e com a desconfiança do mercado”, reforça.

Servidores também defendem, em parte, a reforma administrativa. Vicente Braga, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), não descarta a avaliação de desempenho. “Precisamos dar um choque de gestão do Estado. Temos de garantir ao cidadão um bom serviço”. Mas Braga tem ressalvas, entre as quais o item que veda a possibilidade de o servidor exercer qualquer outra atividade fora da administração pública (Artigo 1º da PEC 32/2020, que altera o Artigo 37 da Constituição). “Ou seja, o funcionário não poderá lançar um livro, dar palestra, criar galinha. Se Vinícius de Moraes, que era diplomata, vivesse hoje, não poderia ser compositor ou poeta”, explica.

Mesmo com a disposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de instalar, até o fim de outubro, a comissão que analisará a reforma administrativa, os movimentos de bastidores apontam que nada de conclusivo ocorrerá neste ano. Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), afirma que a PEC 32/2020 foi apresentada num momento extremamente inoportuno, quando o Brasil está em estado de emergência em saúde pública e 93% do funcionalismo integra o Poder Executivo. Desses, 60% em áreas essenciais ao enfrentamento da crise sanitária e social. “São médicos, enfermeiros, agentes de saúde, assistentes sociais, policiais, professores e pesquisadores que não podem parar o que estão fazendo para estudar o texto, apesar de serem os alvos principais das reformas em curso, em termos de precarização de vínculos de trabalho”, critica. (VB)