Valor econômico, v. 21, n. 5131, 19/11/2020. Brasil, p. A8

 

Atraso na LDO mostra lacuna orçamentária

Fabio Graner

19/11/2020

 

 

Sem lei, até dívida pode ficar sem pagamento; alternativa seria ter regra fixa para execução provisória

O impasse político que está inviabilizando a votação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 evidencia uma carência do arcabouço fiscal brasileiro: a falta de uma regra permanente de contingência para a gestão orçamentária.

Normalmente, a LDO estabelece um plano para o caso de não aprovação do orçamento, determinando a execução de 1/12 de pelo menos parte das despesas. A questão é que não há previsão sobre o que fazer se não tiver LDO.

Nesse caso, que seria inédito no Brasil, não há previsão sobre como agir. O risco é não poder se pagar nem sequer salários e tampouco a dívida pública, entre outras despesas. Uma fonte da área econômica aponta que uma alternativa para resolver essa lacuna está prevista no projeto de lei de finanças públicas, que, no entanto, não tem previsão de votação. Uma possibilidade seria tentar emplacar o dispositivo em um dos projetos que tratam de temas correlatos, como o de lei complementar de socorro e ajuste dos Estados, e que tem chances de avançar neste ano.

A ideia, contudo, não é simples. No Congresso há quem veja que esse caminho pode, na prática, reduzir o poder dos parlamentares. Isso porque, conforme uma fonte, uma regra permanente daria conforto para o governo atuar, já que não teria nunca o risco de paralisação total.

No governo, acredita-se que a votação da LDO vai ocorrer, apesar da dificuldade atual. Mas já se trabalha com a possibilidade de isso ser feito pelos congressistas nos últimos momentos do ano, por causa da briga entre os deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Arthur Lira (PP-AL), mantendo nas próximas semanas um clima de elevada incerteza.

No governo, contudo, evita-se falar de mecanismos alternativos para lidar com essa inusitada situação. O discurso é de que o Congresso pode até deixar para última hora, mas vai aprovar a lei porque não pretende arcar com o custo político de um “shutdown” (paralisia de serviços no setor público) no país.

Alguns especialistas avaliam que, sem esse instrumento, o governo só poderá funcionar em janeiro se editar uma medida provisória abrindo crédito extraordinário para pagar o funcionalismo e manter a regularidade da gestão da dívida, bem como outros gastos essenciais. Além disso, a execução de restos a pagar pode ocorrer sem problema, aliviando as dificuldades em algumas áreas.

A solução, contudo, é vista como uma “excentricidade” e com grandes chances de parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Os critérios de urgência e relevância certamente estariam atendidos para o caminho do crédito extraordinário, mas há dúvidas se o requisito de “imprevisibilidade” estaria preenchido.

Para o diretor-adjunto da consultoria de orçamento da Câmara, Ricardo Volpe, é importante ter um plano permanente de contingência, que garanta uma execução orçamentária provisória em situações como essa. Para ele, sem a LDO, só existem as alternativas de “shutdown” ou o polêmico crédito extraordinário, que, lembra, coloca as despesas fora do teto de gastos.

Volpe aponta ainda que uma regra permanente também tiraria a discricionariedade que hoje ocorre nas definições anuais da LDO, na qual governos fortes conseguem aprovar possibilidades mais amplas de execução de 1/12 de despesas, enquanto outros com menos poder de fogo no Congresso acabam tendo versões bem mais restritivas.

Pelas regras fiscais vigentes, a LDO, cujo projeto é enviado em abril, tem que ser aprovada até o recesso parlamentar do meio do ano. Com frequência isso não ocorre e o mecanismo acaba sendo votado no segundo semestre. Mas não é comum ela ficar tanto tempo em aberto, como agora.

Esse quadro está ocorrendo basicamente pela disputa entre Maia e Lira pelo comando da Comissão Mista de Orçamento, que, diante do impasse, ainda não foi instalada. Essa rixa tem por trás as articulações para a sucessão de Maia na presidência da casa no ano que vem. Diante disso, já se cogita que a LDO seja votada diretamente em plenário.

A atuação de Rodrigo Maia na Câmara tem sido fonte de incômodos no governo. A leitura é que o chefe da Câmara está de olho na eleição presidencial de 2022 e seus movimentos visam desgastar o presidente Jair Bolsonaro. E, nessa disputa política, sobra também para a agenda econômica, que tem sido postergada.

Por outro lado, no Palácio do Planalto já parece cristalizada a ideia de que Lira é o candidato de Bolsonaro para a sucessão de Maia. Ele é visto também como o favorito a ocupar o posto a partir de fevereiro de 2021.

A continuidade do atual presidente da Câmara só ocorrerá por meio de uma manobra que pode beneficiar outro aliado do governo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O Planalto vê com bons olhos a manutenção de Alcolumbre, mas receberia como um revés a reeleição de Maia ou a ascensão de algum apadrinhado dele.

Além do atraso da LDO, outros temas prioritários têm tido dificuldade para avançar. A equipe econômica, por exemplo, quer votar ainda neste ano a autonomia do Banco Central, recentemente aprovada no Senado. A visão é que, nesse ambiente de repique inflacionário, ainda que ele seja temporário, a votação da medida seria um bom sinal ao mercado e uma garantia extra de que o movimento inflacionário será passageiro.

Maia, porém, tem dito que o tema não é prioritário em sua agenda na presidência da Casa. O discurso dele é para votar temas como a PEC Emergencial (que ainda está no Senado) e a reforma tributária, embora no governo não se veja chance de isso ocorrer na legislatura do parlamentar fluminense.