O globo, n. 31848, 17/10/2020. Mundo, p. 36

 

Bolívia: governo Bolsonaro teme retorno do MAS

Janaína Figueiredo

17/10/2020

 

 

Brasília fracassou ao buscar união das candidaturas de direita para tentar barrar nas urnas ex-ministro de Evo Morales, favorito na eleição presidencial de amanhã, mas tem esperança de que ainda possa ocorrer num eventual segundo turno

Desde que foi um dos primeiros países a reconhecera Presidência interina de Jeanine Áñez na Bolívia, em novembro passado, o Brasil acompanha com atenção a situação no vizinho e, às vésperas da eleição presidencial de amanhã, cresce o temor em Brasília de um eventual retorno do Movimento ao Socialismo (MAS) ao poder. A jogada necessária para derrotar o favorito —o ex-ministro da Economia do governo Evo Morales (2006-2019), Luis Arce — era, na visão do governo Jair Bolsonaro, uma ampla aliança da centro-direita.

  RECADO ÀS LIDERANÇAS

O recado foi dado pelo Brasil a importantes lideranças bolivianas, confirmaram fontes, masa estratégia esbarrou em disputas internas. Uma hipotética vitória do MAS é considerada pelo governo uma ameaça à estabilidade política no país, com quem o Brasil compartilha sua maior fronteira na região, além de representar o fracasso de uma clara aposta de Bolsonaro para ampliar sua zona de influência na América do Sul. Um dos principais obstáculos para a unificação da centro-direita boliviana foi a rígida posição de Luis Fernando Camacho, ex-presidente do Comitê Cívico de Santa Cruze líder da onda de manifestações contra o governo Morales em 2019. Amanhã, os três principais candidatos à Presidência serão Arce,o ex-presidente Carlos Mesa (2002-2003) e Camacho. As pesquisas apontam o triunfo do candidato do MAS no primeiro turno —para isso é preciso obter mais de 50% ou 40% dos votos comum a diferença de pelo menos 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado — ou um segundo turno entre Arce e Mesa. Se houver segundo turno, o governo de Áñez e seus sócios regionais, entre eles o Brasil, confiam numa frente de centro-direita que impeça a eleição de Arce.Se houver segundo turno, o governo de Áñez e seus sócios regionais, entre eles o Brasil, confiam numa frente de centro-direita que impeça a eleição de Arce.Se houver segundo turno, o governo de Áñez e seus sócios regionais, entre eles o Brasil, confiam numa frente de centro-direita que impeça a eleição de Arce.

— Uma vitória do MAS abriria a possibilidade de uma nova fase de instabilidade política.

Eles dizem que respeitarão as regras democráticas, mas existe na sociedade a sensação de que, se voltarem, fariam o contrário — disse ao GLOBO a chanceler boliviana, Karen Longaric.

Se o Brasil de Bolsonaro teme pela volta do MAS, a Argentina de Alberto Fernández permitiu que Morales fizesse campanha por seu candidato no país que lhe concedeu asilo. O governo de peronistas e kirchneristas nunca reconheceu a Presidência interina de Áñez e continua sustentando que o ex-presidente foi vítima de um golpe. Para o governo Fernández, a auditoria feita pela OEA

Sobre as eleições presidenciais de outubro passado cometeu graves erros e teve como objetivo legitimar o não reconhecimento da reeleição de Morales, que renunciou em novembro de 2019 sob forte pressão das forças policiais e militares. Já o Brasil de Bolsonaro acusa Morales de fraude e, antes disso, de não ter respeitado o referendo de 2016, no qual venceu o "não" à proposta do então governo do MAS de aprovara reeleição indefinida. No início de seu governo, o presidente brasileiro conseguiu construir um vínculo pragmático com Morales. No entanto, a saí dado MAS do poder

Foi vista como uma chance de levar o tabuleiro político regional mais para a direita. Uma fonte disse que há "interesse e preocupação" em Brasília sobre a situação boliviana porque "muitos brasileiros moram na Bolívia" eaexpec ta tivaéd eque"as eleições gerem estabilidade e pacificação". Assim como na Venezuela de Nicolás Maduro, onde Bolsonaro tampouco conseguiu os resultados esperados e traçados quando chegou ao poder, a visão generalizada no governoéd eque somente juntos os adversários de Morales teriam a garantia de um triunfo contundente. Só semana passada o ex-presidente Jorge Tuto Quiroga (2001-2002) renunciou à sua candidatura, pouco após a própria Áñez fazer o mesmo.

A grande pedra no sapato continua sendo Camacho. Nem mesmo seus aliados mais próximos conseguiram convencê-loe muito menos o governoBolson aro, que chegou a ter contatos com Camacho em 2019 (o dirigente boliviano esteve em Brasília e visitou o Itamaraty), mas há algum tempo se distanciou. — Tenho diferenças com outros candidatos, mas espero que atuem para derrotar o MAS — declarou recentemente Quiroga.

 EXPECTATIVAS FRUSTRADAS

Depois de ter visto suas expectativas frustradas na Venezuela, onde o líder opositor Juan Guaidó surgiu com fôlego no começo de 2019 e enfraqueceu-se após uma tentativa frustrada de golpe contra Maduro, e na Argentina com a derrota do então presidente Mauricio Macri (2015-2019), o governo Bolsonaro encontrou na Bolívia uma oportunidade. Quando o recado sobre a necessidade de união da direita foi dado, a resposta de muitos dirigentes bolivianos foi, segundo fontes, que "no momento certo vamos nos unir". O governo Bolsonaro espera que esse momento seja um segundo turno entre Mesa e Arce. Mas os cenários possíveis são variados e incluem a eleição do candidato do MAS no primeiro turno e até o não reconhecimento do resultado por parte de partidos que amanhã disputarão a Presidência.

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Após con­tro­vér­sia, bo­li­vi­a­nos no Bra­sil po­de­rão vo­tar

Suzana Correa

17/10/2020

 

 

Pleito será dividido em horários por causa da Covid-19; votos no exterior são considerados decisivos para definir resultado
Os bolivianos que vivem no exterior poderão votar neste domingo em cerca de 30 países. No Brasil, aproximadamente 45 mil eleitores são esperados em sete cidades, segundo a embaixada boliviana. O voto internacional ganhou maior peso agora que as pesquisas apontam uma disputa acirrada entre o candidato de Evo Morales, Luis Arce, e o expresidente Carlos Mesa, seu principal oponente. Cerca de 4,1% dos 7,3 milhões de eleitores bolivianos aptos moram fora do país. A maioria na Argentina (161 mil eleitores), Espanha (72,6 mil) e Brasil (45,7 mil). Embora pequeno, o contingente pode ser decisivo para a disputa, uma vez que as pesquisas apontam um resultado apertado, tanto para uma vitória de Arce no primeiro turno quanto para um segundo turno entre ele e Mesa.

A votação em solo brasileiro ocorrerá nas cidades em que o país possui consulados: Rio, São Paulo, Brasília, Brasileia (AC), Cáceres (MT), Corumbá (MS) e Guarajá-Mirim (RO). Será dividida em dois horários, pela manhã e tarde, de acordo com o número de registro do eleitor. A medida inédita é uma das providências tomadas para garantir a segurança dos eleitores em meio à pandemia. Outras medidas adotadas serão o distanciamento social e uso obrigatório de máscaras. A contagem de cédulas será aberta ao público, que deve seguir as mesmas regras sanitárias.

 PROTESTOS PELO VOTO

Por causa da crise sanitária, o consulado boliviano em São Paulo chegou a cogitar suspendera participação dos bolivianos que vivem na cidade da votação, mas voltou atrás após protestos e acusações de que o governo interino de Jeanine Áñezestari atentando impedir a participação dos eleitores que vivem no Brasil — a maioria é favorável a o MAS de Morales, segundo dados da Polícia Civil sobre a votação realizada no país em novembro de 2019. Os protestos aconteceram em setembro e outubro. Eleitores na Argentina também protestaram em Buenos Aires e Mendonza pelo direito ao voto no exterior e acusam a representação diplomática no país de mudanças repentinas de sessões eleitorais e falta de informação sobre as novas localidades. No Brasil, a reabertura das escolas nas últimas semanas favoreceu a votação em cidades como São Paulo. O fechamento delas, por causa da pandemia, era uma das justificativas anteriores do consulado paulista para considerar não realizara votação. Embaixador da Bolívia no Brasil, o ex-ministro de Desenvolvimento Pr odu tivoWilfre do Rojo Parada rebateu as críticas de parcialidade das representações diplomáticas. — Falaram estas mentiras com motivos eleitoreiros, mas aí está a democracia: vamos fazer as eleições e de modo adequado, dentro do âmbito democrático. Respeitaremos todas normas de biossegurança e esperamos um processo democrático muito normal.