Correio braziliense, n. 20964, 16/10/2020. Política, p. 2

 

Planalto tenta se descolar de Senador

Sarah Teófilo 

16/10/2020

 

 

Em meio ao escândalo envolvendo o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), pego em operação da Polícia Federal, na quarta-feira, com dinheiro na cueca, o presidente Jair Bolsonaro tenta, ao máximo, desvincular sua gestão da figura do parlamentar. O político do Democratas era vice-líder do governo no Senado até o fim da manhã de ontem, quando foi publicada, no Diário Oficial da União (DOU), a dispensa dele da função. Também ontem, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o afastamento do senador por 90 dias (leia reportagem na página 4).

Apesar de Chico Rodrigues atuar pelo governo e conhecer Bolsonaro há mais de duas décadas, o presidente buscou se afastar do parlamentar e manteve o discurso de combate à corrupção. No Palácio da Alvorada, destacou que a operação que flagrou o senador foi desencadeada pela PF e pela Controladoria-Geral da União (CGU). “Ou seja, nós estamos combatendo a corrupção, não interessa quem seja a pessoa suspeita”, enfatizou.

Bolsonaro fez questão de ressaltar que Chico Rodrigues não integra o governo. “Essa investigação de ontem é um exemplo típico do governo, que não tem corrupção no meu governo, e de combate à corrupção seja de quem for. Vocês estão, há quase dois anos, sem ouvir falar de corrupção no meu governo”, frisou. “O meu governo são os ministros, estatais e bancos oficiais, esse é o meu governo”. Ele disse que a ação da PF foi motivo de orgulho. “Nós estamos combatendo a corrupção, não interessa quem seja a pessoa suspeita”, insistiu.

Chico Rodrigues estava no cargo de vice-líder do governo desde fevereiro do ano passado. A relação de proximidade dele com Bolsonaro se mostra, também, pela composição do gabinete do parlamentar. Desde abril de 2019, Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, é assessor do senador. Ele, que tem livre trânsito no Palácio do Planalto e chama Bolsonaro de tio, pediu exoneração ontem (leia reportagem abaixo).

Nas redes sociais de Chico Rodrigues, há diversas imagens com Bolsonaro e ministros de Estado. Um deles é um vídeo, de junho deste ano, no qual ele e o presidente aparecem lado a lado falando sobre ações voltadas a Roraima. Na gravação, o chefe do Executivo chama o senador de “velho colega da Câmara dos Deputados”.

A operação de distanciamento abrange todo o Planalto. O vice-presidente Hamilton Mourão também tratou logo de se pronunciar sobre o caso, dizendo que o senador não faz parte da atual gestão. “Todos aqueles que estão dentro do Parlamento e que trabalham em favor do governo, ocupando cargos de vice-liderança e até mesmo fazendo parte da base, são uma linha auxiliar. Ele não é um membro do Executivo”, disse.

Ao contrário de Bolsonaro, porém, Mourão lamentou o ocorrido. “Sempre teve um bom relacionamento. Tem de terminar essa investigação, obviamente”, afirmou. Segundo ele, o caso mostra que o presidente não interfere na Polícia Federal.

A Secretaria Especial de Comunicação Social, ligada ao Ministério das Comunicações, divulgou uma nota assim que o desligamento do vice-líder foi publicado no DOU. “A ação da Polícia Federal e da CGU, respeitando os princípios constitucionais, é a comprovação da continuidade do governo no combate à corrupção em todos os setores da sociedade brasileira, sem distinção ou privilégios”, ressaltou.

Na última quarta-feira, enquanto ocorria a operação que atingiu Chico Rodrigues, Bolsonaro disse que daria uma “voadora no pescoço” de quem se envolvesse com corrupção dentro do seu governo.

A operação

Chico Rodrigues foi alvo de busca e apreensão no âmbito da Operação Desvid-19, que apura esquema de desvio de verbas públicas oriundas de emendas parlamentares destinadas ao combate à pandemia da covid-19 em Roraima, no âmbito da Secretaria de Estado da Saúde. Conforme relatório da PF, o senador estava com R$ 15 mil “no interior de sua cueca, próximo às suas nádegas”, e mais R$ 18.150 na restante da peça íntima.

O dinheiro foi descoberto quando Chico Rodrigues pediu para ir ao banheiro, e um delegado da PF “percebeu que havia um grande volume, em formato retangular, na parte traseira das vestes do senador”. Ao ser questionado sobre o que era, o parlamentar “ficou bastante assustado e disse que não havia nada”, mas o delegado resolveu fazer buscas e encontrou dinheiro. Antes da revista pessoal no congressista, os agentes já tinham encontrado um cofre no armário do quarto dele com R$ 10 mil e US$ 6 mil (cerca de R$ 33.720).

Em nota, o senador afirmou que deixou o cargo de vice-líder para esclarecer os fatos e “trazer à tona a verdade”. “Acreditando na verdade, estou confiante na Justiça, e digo que, logo, tudo será esclarecido e provarei que nada tenho a ver com qualquer ato ilícito de qualquer natureza”, ressaltou. Chico Rodrigues disse, ainda, que acredita nas diretrizes que o presidente usa para gerir o país. “Vou cuidar da minha defesa e provar minha inocência”, destacou.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Uma bolada em espécie 

16/10/2020

 

 

O senador Chico Rodrigues declarou à Justiça Eleitoral ter mais de R$ 500 mil em espécie, guardados em casa. As informações prestadas por ele em 2018, quando concorreu ao Senado, apontam uma soma de R$ 525 mil em dinheiro vivo.

O valor cresceu em quatro anos. Ele disputou o governo de Roraima em 2014. Na época, disse à Justiça Eleitoral guardar R$ 455 mil dentro de um cofre. De uma eleição a outra, portanto, acumulou mais R$ 70 mil em notas.

Os montantes contrastam com o que ele mesmo diz ter na conta bancária. Em 2018, excluídas as quantias de dependentes, informou R$ 4.578,03. Em 2014, declarou manter R$ 53,2 mil em uma conta do Banco do Brasil.

O patrimônio do senador saltou de R$ 1.765.047,16 para R$ 1.999.315,15, conforme dados disponíveis na base do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Significa que 26% de todos os seus bens estão em dinheiro vivo.

Não é crime manter altas quantias de dinheiro em casa. No entanto, as cifras chamam a atenção de órgãos de fiscalização. Investigadores sempre alertam que parte das declarações informadas à Justiça Eleitoral pode ser estratégia para lavagem antecipada de capital.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Léo Índio pede exoneração 

Augusto Fernandes 

16/10/2020

 

 

Devido à repercussão do escândalo envolvendo o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), encontrado com R$ 33,1 mil dentro da cueca, durante uma operação da Polícia Federal em Roraima, na quarta-feira, o assessor parlamentar dele e sobrinho do presidente Jair Bolsonaro, Leonardo Rodrigues de Jesus, mais conhecido como Léo Índio, pediu exoneração do cargo.

Ele optou por romper com o parlamentar, para evitar ainda mais desgastes ao tio, especialmente pelo fato de o comandante do Planalto ter dito, nos últimos dias, que não há corrupção no governo.

Em uma rede social, Léo Índio explicou que partiu dele a decisão de ser exonerado. O ato que vai confirmar o desligamento do assessor do gabinete de Rodrigues deve ser publicado na próxima edição do Diário do Senado Federal. “A decisão de sair do gabinete do senador Chico Rodrigues foi decisão unicamente minha, sem orientação da Presidência e de aliados do governo”, escreveu.

Léo Índio havia sido nomeado por Rodrigues em abril de 2019. Nesse tempo como assessor parlamentar, o salário bruto do sobrinho de Bolsonaro subiu de R$ 5.353 para R$ 22.943, de acordo com informações do Portal da Transparência do Senado. Ao se manifestar ontem, ele não lamentou o episódio relacionado ao senador e apenas agradeceu a oportunidade de ter trabalhado com o congressista. “O tempo no gabinete parlamentar me trouxe experiência e aprendizado sobre mais uma região rica e singular do nosso país, Roraima”, afirmou.

No ano passado, quando foi convidado por Rodrigues para trabalhar no Senado, Léo Índio fez questão de enaltecer o parlamentar. Na ocasião, disse admirá-lo “há bastante tempo”. “Nossa convivência foi estreitada desde os primórdios da campanha de Jair Bolsonaro à presidência, quando o senador pôde constatar algumas das minhas características e a convergência de nossas ideias”, comentou Léo Índio.

À época, o sobrinho de Bolsonaro também destacou que a “boa política” era “indissociável” a ele desde a infância. Além disso, afirmou que, ao lado de Rodrigues, não ia medir esforços “para honrar a missão de servir ao país”.

Família

Léo Índio é filho de Rosimeire Nantes, irmã de Rogéria Nantes, ex-mulher de Bolsonaro e mãe de três filhos do presidente: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Nos seus perfis na internet, Léo Índio costuma fazer postagens enaltecendo o trabalho do presidente e dos primos. Além disso, faz publicações em que debocha de rivais do tio, como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.