Valor econômico, v. 21, n. 5130, 18/11/2020. Brasil, p. A6
Instabilidade no sistema provoca novo apagão no Amapá
Rafael Bitencourt
18/11/2020
Blecaute ocorreu horas depois de a Aneel ter informado que recebeu, antes do primeiro incidente, ofício da concessionária de transmissão, em que a empresa relata o risco da operação na pandemia
Uma instabilidade no sistema de abastecimento provocou ontem uma nova queda de energia no Amapá. O blecaute ocorreu horas depois de a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ter informado que recebeu, antes do primeiro e mais grave incidente, um ofício da concessionária Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE) no qual a empresa relata o risco da operação de rede na pandemia. A informação foi confirmada ontem pelo diretor-geral da agência, André Pepitone, que participou, por videoconferência, de audiência pública do Congresso.
O envio do ofício foi uma das questões levantadas pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para questionar a eficácia da fiscalização da Aneel. O parlamentar, que chegou a pedir à Justiça o afastamento da diretoria do órgão regulador, disse que, no ofício, a transmissora relata a possibilidade dos impactos da pandemia afetar as obras em andamento e a prestação do serviço de operação e manutenção.
A preocupação da empresa era de resguardar o seu direito em relação a possíveis “penalidades ou redução de receitas, decorrentes de eventos que não sejam possíveis evitar ou impedir que cause eventuais falhas ou atraso na prestação do serviço público”.
Para Randolfe, a agência deveria ter enviado sua equipe de fiscalização para uma “verificação in loco” e, assim, evitar o “caos” que ainda atinge o Estado.
Pepitone disse que, embora não tenha feito o acompanhamento presencial, não aliviou a transmissora em qualquer aspecto regulatório que pudesse comprometer a confiabilidade do abastecimento. “A Aneel respondeu que reconhece a complexidade do momento, porém não autorizou nenhuma flexibilização”, disse.
O diretor da Aneel informou que o relatório de investigação das causas do blecaute será concluído nos próximos dez dias.
Segundo o diretor, a última vez que a Aneel fiscalizou presencialmente a LMTE foi em fevereiro de 2019, quando os técnicos fizeram a vistoria da subestação de Oriximiná, que faz parte da linha de transmissão que apresentou falha no Amapá. Na ocasião, foi aplicada uma multa de R$ 460 mil, já paga pela empresa.
Ao defender a atuação da Aneel, Pepitone afirmou que “nenhum sistema elétrico é infalível”, “imune à intercorrência”. “O que não podemos aceitar é a negligência”, pontuou.
Durante a audiência, o diretor disse que o sistema de transmissão de energia no Brasil é altamente confiável, inclusive o projeto de rede idealizado para atender o Amapá. “Tínhamos três transformadores no Amapá. A falha em mais de um transformador era um evento totalmente improvável do ponto de vista da engenharia, mas aconteceu.”
A tendência de órgãos reguladores no mundo de adotar o modelo de “regulação responsiva” foi usada pelo diretor para defender a estratégia de fiscalização, mesmo que não tenha conseguido detectar o risco de blecaute no Amapá.
A regulação responsiva, já difundida entre as agências reguladoras no Brasil, não está focada somente no controle da estratégia e das atividades cumpridas no dia a dia das empresas, mas no incentivo econômico ao aperfeiçoamento da prestação do serviço com qualidade. No caso da transmissão, se há melhora no desempenho, a concessionária consegue obter aumento de receita.
Pepitone ressaltou que esse modelo de regulação é recomendado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). A agência, segundo ele, passou a aplicar o novo conceito no fim de 2016.
“Desde então, a gente vê total reversão de tendência, em que a gente consegue reduzir 54% dos desligamentos de carga no país”, afirmou. Ele classificou a situação atual do Amapá como “completamente inaceitável”.
Ele voltou a afirmar que o blecaute, “antes de uma questão técnica, é uma questão social” e, por isso, a agência “apoia todas as medidas” para retomar a normalidade do abastecimento, pois reconhece que muitos consumidores estão há mais de uma semana sem energia. “Nossa prioridade é resolver o problema das pessoas”, disse o diretor, na audiência.