O globo, n. 31847, 16/10/2020. País, p. 4

 

'Day after' da cueca

Aguirre Talento

Júlia Lindner

Daniel Gullino

Natalia Portinari

16/10/2020

 

 

Bolsonaro busca se isolar de senador, afastado do mandato por Barroso

Um dia depois de o senador Chico Rodrigues (DEMRR) ser pego pela Polícia Federal com dinheiro escondido na cueca, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso ordenou sua destituição do cargo por 90 dias. No mesmo dia, em meio às repercussões do caso, o parlamentar perdeu o cargo de vice-líder do governo Bolsonaro. Embora o próprio Rodrigues tenha pedido para deixar a liderança, o gesto foi precedido de pressões da Cúpula de Governo, preocupadas com a imagem do presidente, a enorme repercussão do caso, e uma possível associação de um episódio de corrupção ao governo. Na quarta-feira, Bolsonaro prometeu "voar no pescoço" de quem é corrupto no governo e, na semana passada, disse que acabou com o Lava-Jato porque "não há mais corrupção no governo" ”

No despacho que determinou a expulsão de Rodrigues do Senado, o ministro Barroso revelou o conteúdo das acusações que recaem sobre o parlamentar. Ele é investigado por participar de um suposto esquema de desvio de recursos federais para o combate à pandemia provocada pela Covid-19 em Roraima. O pedido de destituição imediata do senador será submetido ao Senado, que terá de decidir se mantém a decisão de Barroso ou recoloca Rodrigues no mandato. O suplente do senador é seu filho.

A PF chegou a solicitar a prisão preventiva de Rodrigues, sob o argumento de que a tentativa de esconder dinheiro caracterizaria flagrante, mas o ministro Barroso destacou que atualmente há dúvidas no entendimento do STF sobre a prisão preventiva de parlamentares. Portanto, decidiu autorizar apenas a destituição do senador, determinando que o Senado seja intimado a analisar a homologação da medida.

Barroso, no entanto, observou que havia elementos para sua prisão preventiva. “Ao tentar esconder maços de dinheiro, o senador procurou frustrar a coleta de provas essenciais para a continuidade da investigação”, escreveu em sua decisão.

A Polícia Federal informou ao Ministro do Supremo que foram localizados notas de dinheiro na cueca de Chico Rodrigues que totalizavam R $ 15 mil, além de valores encontrados em sua residência.

Barroso destacou que “existe a possibilidade real de que o osenador, permanecendo no exercício da sua função parlamentar, use o meu poder para, em desvio da sua função, dificultar o aprofundamento das investigações. Ainda mais grave, poderia continuar a cometer os alegados crimes pelos quais é investigado, uma vez que faz parte da comissão parlamentar responsável pela execução orçamental e financeira das medidas à Covid-19 ”.

A investigação teve início após denúncia de um ex-funcionário da Secretaria de Saúde de Roraima. Ele citou a existência de mesquem para desvio de recursos destinados a fazer frente à pandemia de Equique envolveu membros do Congresso Nacional.

O presidente Bolsonaro passou o dia tentando se desassociar de seu aliado, cuja relação, em um vídeo de 2018, já brincava ser "quase uma união estável". Além de deixar a vice-liderança do governo, o senador Rodrigues perdeu um assessor: Leão Índio, primo dos filhos de Bolsonaro, pediu exoneração do cargo. Nas redes sociais, afirmou que renunciou ao gabinete por decisão estritamente pessoal.

BOLSONARO SE AFASTA

Ainda pela manhã, o presidente afirmou que a operação da PF que encontrou dinheiro entre as nádegas do senador não tem relação com o seu governo. Segundo o presidente, a operação é um "fator de orgulho" para o governo.

—Lamento o desvio de recurso, seria bom se houvesse, pois afinal, quando se desviam dinheiro da saúde, inocentes morrem, então a operação de ontem é motivo de orgulho para o meu governo - disse a simpatizantes no Palácio da Alvorada .

Acrescentou que o seu governo é composto por ministros, presidentes de Estado e bancos públicos e que, em dois anos, não houve casos de corrupção.

- Alguns pensam que toda corrupção tem medo de ver como governo. Não tem]. A gente aloca dezenas de bilhões de reais para estados e municípios, tem as emendas parlamentares também, e, de vez em quando, não é muito raro, a pessoa se apropriar desse recurso - disse, acrescentando: - Se um vereador fizer alguma coisa errado, não tenho nada a ver com isso. Ou melhor, tenho que ir atrás dele, comer Polícia Federal se for pôr do sol, como apoio da CGU, é o que a gente faz.

Apesar do discurso, Bolsonaro mantém como dirigentes na Câmara e no Senado outros políticos sob investigação, como o deputado Ricardo Barros (PP-PR) e o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Em nota, o senador Chico Rodrigues disse ser inocente e afirmou ter cumprido seu papel de buscar recursos de saúde em Roraima.