Valor econômico, v. 21, n. 5129, 17/11/2020. Política, p. A9

 

Olavistas querem partido para Bolsonaro

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

Raphael Di Cunto

17/11/2020

 

 

Em embate com militares, ala ideológica vê ‘resultado ‘terrível’ e tenta afastar presidente do centro

A ala ideológica do governo e dentro do Congresso está reagindo ao resultado das eleições e vai tentar convencer o presidente a retomar as bandeiras que o elegeram em 2018. Alguns dos expoentes desse grupo foram ontem a público expor a derrota do bolsonarismo nas urnas, defendendo a importância da “política real” e de haver um partido de direita e conservador.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, essa análise deve levar a bancada bolsonarista hoje filiada ao PSL a tentar reimpulsionar a criação do quase esquecido Aliança pelo Brasil.

A avaliação dos chamados ideológicos vai na contramão das conclusões a que chegaram ministros militares e membros da ala política da Esplanada, que relutam em admitir derrota e defendem que Bolsonaro adote uma postura “de centro” e se afaste do “radicalismo” para chegar forte a 2022.

“Se queremos manter vivo o conservadorismo, devemos antes de mais nada recuperar os ideais, as bandeiras e as propostas que nos uniram em torno de um propósito comum em 2018, mobilizando milhões de pessoas na luta por um país melhor”, tuitou Filipe Martins, assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência.

Discípulo do escritor Olavo de Carvalho, Martins avalia que “nossa vitória em 2018 foi circunstancial, fruto de uma conjunção de fatores ocasionais”, como ter “o melhor candidato” e “uma conjuntura favorável, construída desde 2013”. “Para obtermos novas vitórias”, prosseguiu, “temos que ter constância, organização estratégica e ritmo tático”.

Para ele, “candidatos apoiados por cabos eleitorais de peso foram derrotados” nas urnas “perderam porque eleição municipal é base, é construção, não é improviso”. Esquerda e os fisiológicos, disse, venceram porque têm partido e base.

“Não adianta chegar às vésperas da eleição e dar carteirada nem tentar levar no grito”, disse.

Outro representante desse grupo, o diretor de Comunicação Digital da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), Mateus Colombo Mendes, afirmou também no Twitter que “o resultado geral das eleições municipais de 2020 foi em si terrível, mas foi também um mal necessário. Muito necessário”. Para ele, “é necessário resgatar e valorizar aquilo que levou a direita ao poder: os posicionamentos e as ações que mobilizaram milhões de pessoas e que deram um sentido de unidade à maioria dos brasileiros”

“Sem organização, sem partido, sem base não se sai do lugar”, defendeu. “2018 foi uma onda criada por vários fatores. [...] Mas as ondas, por definição, passam. E essa passou. Depois da onda que impulsionou a direita adiante, era necessário navegar em frente.”

Uma fonte ligada ao Aliança disse que “a eleição mostrou a necessidade do partido, e os deputados mais bolsonaristas devem puxar um movimento pela sua criação”.

Para um ministro ouvido pelo Valor, o resultado deixa Bolsonaro em condições favoráveis para negociar sua volta ao PSL. A sigla comandada por Luciano Bivar elegeu 90 prefeitos em primeiro turno, ante 30 em 2016 - antes da filiação do presidente. Mas, para efeito de comparação, o MDB elegeu 766 prefeitos, seguido pelo PP, com 672, o PSD, com 640, e o DEM, 458.

O desempenho do PSL, portanto, foi inferior a 2018, quando o partido elegeu a segunda maior bancada da Câmara (52), além de três governadores.

Outra fonte do governo próxima ao presidente enxergou nas eleições municipais um alerta de que a imagem de “mito” não será suficiente para viabilizar a reeleição de Bolsonaro. Para isso, ele precisaria retomar a capacidade de fazer política, sem deixar a missão relegada a parlamentares.

“O governo estava no rumo certo antes da pandemia, precisa retomar reformas, a agenda de modernizar o Estado e o que mexe com a vida das pessoas”, defendeu.

Anteontem, Bolsonaro usou o Twitter para dizer que “a esquerda sofreu uma histórica derrota nessas eleições, numa clara sinalização de que a onda conservadora chegou em 2018 para ficar”.

“Para 2022 a certeza de que, nas urnas, consolidaremos nossa democracia com um sistema eleitoral aperfeiçoado. Deus, pátria e família”, escreveu, em uma manifestação que agrega tanto a visão defendida por militares como a dos chamados olavistas.

Ontem, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, também a rede social para dizer que a “a esquerda saiu derrotada”.

Advogado da aproximação de Bolsonaro com o chamado centrão, ele listou números que mostram o avanço de PSD, PP, DEM e MDB nas prefeituras.

“Conclusão: esses dados mostram que a esquerda perdeu muito espaço no cenário político. Além disso, os partidos aliados às pautas e ideais do governo Bolsonaro saíram vitoriosos!”, escreveu.

Líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), rebateu as análises de que Bolsonaro saiu derrotado da eleição municipal e afirmou que o grande perdedor é o PT. “O bolsonarismo caiu? Como ele caiu, se nem existia na eleição passada?”, questionou, em entrevista ao Valor.

Aliados do presidente, como o deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP) e o coronel Menezes (Patriota), ficaram de fora do segundo turno em São Paulo e Manaus, mas Barros repete o argumento, já usado por Bolsonaro nas redes sociais, de que os petistas foram os derrotados nesta eleição. Para o líder do governo, que integra o Centrão se os apoiadores do grupo mais “ideológico” não tiveram tanto sucesso nas urnas, os partidos que compõem a base congressual saíram maiores.

Em sua manifestação no Twitter, Bolsonaro também aproveitou para cutucar o governador João Doria, potencial rival em 2022. “Há quatro anos, Geraldo Alckmin elegeu João Doria prefeito de São Paulo no primeiro turno”, disse. “Dois anos depois Alckmin obteve apenas 4,7% dos votos na disputa presidencial.”