Correio braziliense, n. 20961, 13/10/2020. Saúde, p. 11

 

Vírus fica no celular por quase um mês

13/10/2020

 

 

O vírus Sars-CoV-2, que causa a covid-19, pode sobreviver por até 28 dias em objetos comuns, como cédulas de dinheiro, vidro e aparelhos celulares. A descoberta foi feita por cientistas australianos, que testaram a longevidade do micro-organismo em diferentes superfícies e temperaturas. Os pesquisadores observaram que o agente infeccioso consegue se manter vivo por mais tempo em locais frios e lisos (veja quadro). Detalhes sobre a investigação foram apresentados na revista especializada Virology Journal.

Segundo os autores do trabalho, essas informações podem ser valiosas no combate à pandemia. “É importante saber quanto tempo esse vírus pode durar para que saibamos com que frequência precisamos desinfetar os objetos e que tipo de risco as superfícies comuns representam”, justifica, em comunicado, Trevor Drew, um dos autores do estudo e diretor da Agência Nacional de Ciências da Austrália (ACDP, em inglês).

Os cientistas usaram amostras do vírus envolvidas em um muco artificial, que foi aplicado em diferentes superfícies, como algodão, vidro vinil, e em concentrações semelhantes às relatadas em amostras de pacientes infectados. A equipe testou a exposição do patógeno em três níveis de temperatura: 20C°, 30°C e 40°C. O estudo também foi realizado no escuro, para remover o efeito da luz ultravioleta, já que pesquisas têm demonstrado que a luz solar direta pode inativar rapidamente o vírus.

Nas análises, os pesquisadores descobriram que, a uma temperatura de 20ºC, o Sars-CoV-2 é “extremamente resistente” em superfícies lisas, sobrevivendo até 28 dias em vidro, como os de telas de celulares, em aço ou em notas de dinheiro plastificadas. “Para fins de contexto, experimentos semelhantes com o vírus da influenza A, o H1N1, revelaram que esse micro-organismo sobreviveu em superfícies por 17 dias, o que mostra o quão resistente é o SarS-CoV-2”, ilustra Drew.

A 30ºC, a sobrevivência cai para sete dias, e para 24 horas em temperaturas de 40ºC. O Sars-CoV-2 sobreviveu em períodos mais curtos em superfícies porosas, como tecidos de algodão: até 14 dias em baixas temperaturas e menos de 16 horas em altas. Segundo os cientistas, os resultados mostram um tempo de sobrevivência do patógeno “significativamente maior” do que o constatado em estudos anteriores, que apontaram cerca de quatro dias de sobrevivência em superfícies lisas.

Gorduras

O estudo também mostra que proteínas e gorduras presentes nos fluidos corporais podem aumentar significativamente o tempo de sobrevivência do novo coronavírus. “Esses dados ajudam a explicar as aparentes persistência e disseminação do Sars-CoV-2 em ambientes frios e com alta contaminação de lipídios ou proteínas, como locais em que ocorre o processamento de carne”, detalham os autores do artigo.

A equipe pondera que mais pesquisas precisam ser feitas para esmiuçar os dados observados. Por exemplo, nas investigações, foi mantida a umidade em 50%, e os autores acreditam que, além da temperatura, outras condições ambientais, como a exposição à luz ultravioleta e a umidade, podem interferir na sobrevivência do vírus.

Independentemente de novas investigações, os resultados de agora, segundo eles, podem contribuir na adoção de estratégias preventivas. “Embora ainda não saibamos o papel preciso da transmissão do vírus por meio da superfície, como o grau de contato necessário para que ocorra a infecção, essas informações são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de mitigação de risco em áreas de alto contato”, enfatiza Debbie Eagles, diretora do ACDP e também autora do estudo. “É possível que, se uma pessoa não tiver cuidado com esses materiais, ao tocar neles e, depois, colocar a mão na boca, nos olhos ou no nariz, ela possa se infectar caso essas superfícies tenham sido contaminadas em até duas semanas”, alerta.

Manter a higiene segue como uma das medidas mais importantes na prevenção de contágio do novo coronavírus, reforça Trevor Drew. “Dispositivos touchscreen, como telefones celulares, caixas eletrônicos de bancos, caixas automáticos em supermercados e quiosques de check-in em aeroportos, são superfícies de alto toque e, se não forem limpas regularmente, representam um risco de transmissão”, afirma. “É por isso que o uso regular de desinfetantes para as mãos faz a diferença. Nossas conclusões reforçam o mantra de que você deve lavar as mãos, não tocar nas superfícies, a menos que seja absolutamente necessário, e não deve tocar no rosto e na boca”, complementa.

Para a equipe australiana, a mensagem principal do trabalho é que “as pessoas são muito mais infecciosas do que as superfícies”, disse Drew à rede de notícias americana ABC. “No entanto, esses dados podem ajudar a explicar por que, mesmo quando não há pessoas infectadas, às vezes, surgem novos surtos, mesmo em países considerados livres do vírus.”

» Tempo de sobrevivência

40 º C

Tecidos de algodão        Menos de 16 horas

Vidro, aço, cédulas de dinheiro de plástico e de papel 24 horas

Vinil       48 horas

30ºC

Tecidos de algodão e vinil           3 dias

Vidro, aço e cédulas de dinheiro de plástico       7 dias

Cédulas de dinheiro de papel    21 dias

20°C

Tecidos de algodão        Menos de 14 dias

Vidro, aço, papel, vinil e cédulas de dinheiro de plástico              Pelo menos 28 dias

Frase

“Nossas conclusões reforçam o mantra de que você deve lavar as mãos, não tocar nas superfícies, a menos que seja absolutamente necessário, e não deve tocar no rosto e na boca”

Trevor Drew, diretor da Agência Nacional de Ciências da Austrália