Valor econômico, v. 21, n. 5128, 16/11/2020. Política, p. A10

 

Ausência cresce e amplia alienação eleitoral

Maria Luíza Filgueiras

Ana Carolina Neira

16/11/2020

 

 

Nas grandes capitais, o número de votos em branco, nulos e abstenções chega perto de 40%

A expectativa de maior ausência dos eleitores nessa votação devido à pandemia se confirmou ontem, com números recordes. As abstenções representaram 23,1% do eleitorado, alta significativa em relação aos 17,6% de abstenções no primeiro turno de 2016. Mesmo com a alta, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso, considerou um bom número - dado o contexto e por ter ficado abaixo de 25%. Em grandes capitais, no entanto, o índice de alienação eleitoral - que soma abstenções, brancos e nulos - chegou perto de 40%.

Em São Paulo, as abstenções somaram 29,3%, ante 21,8% em 2016. Em Belo Horizonte, foi de 28,3% de abstenções. No Rio de Janeiro, somente as ausências foram de 32,8%, dado recorde, assim como Porto Alegre, que registrou o maior patamar, de 33%.

“Eleições municipais já empolgam pouco, ainda mais em um contexto que envolve pandemia, crise econômica e campanhas feitas de maneira quase totalmente digital”, diz Eduardo Grin, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Eaesp). “Ficou muito mais difícil atrair o interesse da população e isso é refletido em um aumento de abstenções, reforçando uma tendência de desinteresse que já vinha crescendo nos últimos pleitos”, afirma.

Candidatos e especialistas em política acompanham de perto esses números, que podem ter alterado o jogo eleitoral. A soma de ausentes na votação, votos em branco e votos nulos representam a chamada alienação do voto, ou seja, o percentual do eleitorado que não é efetivo e assim não contribui na definição dos candidatos vencedores. Para Grin, a escolha este ano de um candidato a prefeito ou vereador acaba perdendo peso diante da realidade enfrentada pelos brasileiros, que envolve perda de renda, alto índice de desemprego e a morte de pessoas próximas por covid-19.

Na avaliação de Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, o resultado de abstenções poderia ser ainda pior. O número não é muito dissonante, por exemplo, do segundo turno de 2016, quando as abstenções representaram 21,55%.

Para Melo, essa eleição é marcada pela “desilusão com a desilusão”, em um movimento que teve início com a eleição de candidatos vindo de fora do sistema político tradicional (os chamados outsiders) em 2018, como um voto de protesto, que agora é direcionado para um ponto de maior equilíbrio.

“O maior exemplo disso talvez seja o Wilson Witzel [eleito governador do Rio de Janeiro em 2018 e que passa por processo de impeachment], que mostrou ser mais do mesmo”, diz Melo. Assim, ele compara o movimento atual como o de um pêndulo: nos últimos anos, eleitores foram de um extremo ao outro do espectro político, mas agora buscam outra vez a política tradicional quando comparecem às urnas.

Neste ano, eleitores com sintomas de covid-19 foram orientados a não comparecer nos locais de votação. Para tentar reduzir a ausência em eleitores no grupo de risco por faixa etária, pessoas com mais 60 anos tiveram preferência no turno da manhã. Eleitores relataram ao longo do dia problema para utilizar o aplicativo e-Título, usado para substituir o título na votação e também para justificar o voto de quem não irá comparecer às urnas. O Tribunal Superior Eleitoral informou que se trata de instabilidade no aplicativo. O ministro Luís Roberto Barroso afirmou em entrevista coletiva que todas as pessoas que baixaram o e-Título e o usaram para votar não tiveram problema, mas que a instabilidade se deu pela quantidade de acessos para informação de local de votação e para justificativas de ausência.

De acordo com Barroso, 13 milhões de pessoas baixaram o aplicativo. De ontem para hoje, foram 3 milhões de downloads. Sobre a possibilidade de que a pandemia aumentaria o número de abstenções, ele se limitou a dizer que “não dá para fechar os olhos para a realidade”, concordando que isso pode ocorrer.

Para Murilo Gaspardo, coordenador e professor na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), é importante analisar abstenções ou votos em branco e nulos em cada município.

“É necessário fazer um recorte local. Para entender as ausências, é mais importante olhar o contexto dos municípios, como a pandemia foi sentida neles e aí sim fazer a leitura brancos, nulos e abstenções”, comenta.

Essa é a maior eleição municipal já realizada no país. Conforme o TSE, 147,9 milhões de eleitores estavam aptos a participar da votação em 5.567 municípios. São 556.033 candidatos - desses, 518.326 disputam o cargo de vereador, 19.346 de prefeito e 19.721 de vice-prefeito.