Valor econômico, v. 21, n. 5127, 13/11/2020. Brasil, p. A4

 

Indicado à Anvisa tentou mudar contabilização da doença

Murillo Camarotto

Fabio Murakawa

13/11/2020

 

 

Tenente-coronel da reserva já pressionou técnicos da Saúde por metodologia de divulgação dos dados da covid

Indicado ontem pelo presidente Jair Bolsonaro para a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o tenente-coronel da reserva Jorge Luiz Kormann foi um dos principais articuladores da tentativa recente de mudança da contabilização das estatísticas da pandemia. Ele ocupa atualmente o cargo de secretário-executivo adjunto do Ministério da Saúde e, caso tenha o nome aprovado, comandará a diretoria da Anvisa responsável pela aprovação da vacina contra a covid-19.

A indicação ocorre em meio a críticas sobre a politização da Anvisa, que se exacerbaram após a decisão da agência nesta semana de suspender testes com a Coronavac - uma parceria entre o governo de São Paulo e a chinesa Sinovac -, após a morte de um voluntário. A Anvisa recuou depois que ficou comprovado que a morte não tem relação com a vacina.

Kormann integrou a leva de militares que chegou ao ministério após a saída de Nelson Teich do comando da pasta, em maio. No mês seguinte, passou a pressionar técnicos da pasta pela mudança no método de pesquisa para diagnósticos e mortes. Em grupos de WhatsApp, Kormann alegava que a metodologia não retratava a realidade da pandemia e advogou por um modelo defendido pelo empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan.

O risco de manipulação dos dados jogou uma sombra de desconfiança sobre o ministério, o que resultou no consórcio de veículos de imprensa, que passou a contabilizar e divulgar diariamente as informações colhidas com as secretarias estaduais de saúde.

Para fontes ouvidas pelo Valor, a indicação de Kormann sinaliza que Bolsonaro terá um aliado “em posição muito estratégica” na questão regulatória da vacina. Caso a indicação se confirme, o governo passará a dominar a diretoria colegiada da Anvisa, no momento em que diversas vacinas contra a covid-19 precisarão do aval da agência para ser distribuídas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ontem, Bolsonaro prometeu autorizar a compra da Sinovac, havendo comprovação de eficácia.

No âmbito pessoal, Kormann já deu demonstrações públicas de alinhamento a Bolsonaro, antes mesmo de ele se tornar presidente da República. Em 2018, atacou a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, quando ela acusou o então candidato de racismo e discurso de ódio. “Ridícula infame”, comentou Kormann à época, em suas redes sociais.

Ele também já compartilhou publicações do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, com ataques à imprensa. Kormann acompanha e interage nas redes com militantes bolsonaristas investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como o blogueiros Allan dos Santos, que deixou o país. Na última segunda-feira, ele se manifestou em uma publicação que chamava o governador de São Paulo, João Doria, de “China Boy” nas discussões sobre a vacina contra a covid-19.

Caso a indicação seja aprovada pelo Senado, Kornann vai assumir a 2ª Diretoria da Anvisa, atualmente ocupada pela farmacêutica Alessandra Bastos. Essa é a área da agência responsável pela análise dos testes e pedidos de registro das vacinas que poderão ser utilizadas no país. Na última terça-feira, Bastos participou da entrevista coletiva sobre a suspensão dos testes com a vacina Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinivac e pelo Instituto Butantan.

Como o mandato de Alessandra Bastos termina em 19 de dezembro, Kornann pode assumir a diretoria antes da aprovação de alguma vacina. Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou.

A escolha de Kormann para o cargo não foi a primeira opção de Bolsonaro. O presidente chegou a indicar o atual diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. Ele está no cargo desde a gestão de Luiz Henrique Mandetta e foi indicado pelo DEM do Paraná. Há duas semanas, contudo, Bolsonaro decidiu retirar a indicação.

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Morte por coronavírus cresce com normalização de registro

13/11/2020

 

 

Ministério afirma que ataque de hacker não prejudicou integridade das principais informações

O país registrou 926 mortes por covid-19 em 24 horas, até 20h de ontem, chegando a 164.332 óbitos. A média móvel de mortes em sete dias foi de 365, queda de 16% ante a semana anterior.

Foi o maior registro de mortes desde 16 de setembro, devido ao represamento causado após problemas de acesso ao sistema do Ministério da Saúde. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ficaram dias sem divulgar seus boletins.

Ontem foram diagnosticados mais 34.640 contágios, elevando para 5.783.647 os casos da doença no país. A média móvel de novos casos foi de 24.198 por dia, alta de 3% ante à semana anterior.

O consórcio de veículos de imprensa é formado pelos jornais “O Globo”, “Extra”, “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, bem como os portais UOL e G1.

Os dados são apurados junto às secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal. Diariamente o consórcio divulga três boletins, às 8h, 13h e 20h.

O Ministério da Saúde informou que até o fim desta semana deve ser normalizado o sistema que reúne dados sobre a pandemia no país, o “Painel Covid-19”. A plataforma usada pelos Estados para registro de informações da doença, o Sivec-Gripe, já foi restabelecida.

Um ataque hacker gerou instabilidade às plataformas. O problema foi percebido no fim da semana passada. Em nota, a Saúde garantiu que a integridade de dados sensíveis foi mantida.

Pelos dados do ministério, o país registou ontem 908 mortes e 33.207 novos casos de covid-19. O total de mortos pela doença atingiu 164.281, enquanto o total de contágios subiu para 5.781.582, conforme o ministério.