O globo, n. 31845, 14/10/2020. Economia, p. 23

 

Privatização dos Correios

Manoel Ventura

14/10/2020

 

 

Governo finaliza projeto de lei que abre caminho para a venda da estatal em 2021

 O governo vai enviar ao Congresso, nos próximos dias, um projeto de lei que abre caminho para a privatização dos correios. O texto já foi assinado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e deve ser chanceler pelo presidente Jair Bolsonaro hoje. A proposta regulamenta o artigo da Constituição que tratava dos serviços postais. O modelo de privatização ainda está em estudo pelo governo, que trabalha com um cronograma em que o leilão está previsto para meados de 2021. Mas o desenho dá flexibilidade a qualquer modelo que a economia pastoril fixe para o estado vender.

A privatização dos Correios será a primeira a ser proposta pelo governo em 2020.

Nos bastidores, a expectativa de Guedes é tentar aprovar o projeto ainda este ano, como forma de demonstrar avanços na agenda de desestatização, que não tem ocorrido até agora. Em 2019, foi proposta a privatização da Eletrobras, que também não avançou no Congresso.

O artigo 21 da Constituição estabelece que compete à União “a manutenção dos Correios e do Correio Aéreo Nacional”. O projecto de lei elaborado pela equipa de Guedes define o que é o serviço postal, criando o conceito de serviço postal universal, disse ao GLOBO o secretário especial para Desestatização, Desinvestimentos e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord.

—Isso cria um mercado plenamente competitivo, cabendo ao sindicato apenas garantir que todos sejam atendidos - disse o secretário. - Isso vai ter um peso enorme do governo, que pode focar sua energia no abastecimento (dos correios) para essas regiões específicas ou então oferecer o serviço “em pacotes”, como estamos fazendo com o saneamento, misturando áreas deficitárias com outras excedentes.

Uma das principais críticas aos opostos à privatização dos correios, como a adcap, Associação dos Funcionários do Estado, é que uma operadora privada não terá interesse em manter o atual alcance do serviço postal, que atinge todos os municípios e regiões de o país. Mac Cord afirma que o governo manterá o atendimento a todos os brasileiros, independente do modelo escolhido para a privatização. O governo não descarta a venda de parte da empresa ou o lançamento de ações na Bolsa de Valores, entre outros modelos.

- Em todo caso, o texto não traz solução: apenas nos abre um leque enorme de oportunidades, mas sempre garantindo que ninguém ficará para trás - disse o secretário, acrescentando que serviços essenciais como entrega de vacinas ou urnas não pode deixar de ser oferecido. - A questão é que o faremos com mais eficiência, no que diz respeito ao recurso público.

O secretário afirma que o objetivo da o proje é abrir espaço para o futuro, citando como exemplo as demandas da privatização das telecomunicações na década de 1990, que hoje não fazem mais sentido. Por isso, afirmou, não é possível fixar tecnologias na lei: - As entregas passam a ser feitas por drones. Caminhões autônomos são uma realidade. Não é o governo que conseguirá acompanhar o ritmo das mudanças. Precisamos do empreendedor, do visionário, do inovador. Romper o monopólio nos permitirá fazer isso: melhores serviços por preços mais baixos.

CORTE DE DESPESA

Os Correios têm cerca de 100 mil funcionários, o maior contingente entre o estado. Em 2019, a empresa distribuiu 4,96 bilhões de objetos, gerando receita bruta de R $ 19,1 bilhões. A empresa lucrou R $ 102 milhões no ano passado. Em 2018, o ganho foi de R $ 161 milhões.

Alvo de escândalos de corrupção, a estatal atingiu quatro anos consecutivos de prejuízo (entre 2013 e 2016). Nos últimos anos, vem tentando reduzir custos com um programa de incentivo a demissões e Novas regras de benefícios para servidores. O Posta lis, fundo de pensão dos funcionários dos correios, tem R $ 10 bilhões.

- Os Correios têm ativos muito valiosos: uma grande capilaridade, centros de distribuição muito bem localizados. Como será feito, ainda está em estudo. É por isso que uma lei flexível é tão importante - disse Mac Cord, sem estimar quanto vale o estado.

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Modelagem é grande desafio da operação, dizem especialistas

14/10/2020

 

 

É preciso equilibrar o alcance e a atratividade da empresa para investidores

O maior desafio para uma possível privatização dos correios, segundo especialistas, é como definir um modelo de vendas que equilibre a atratividade do negócio para as empresas privadas com a manutenção da capilaridade do Serviço.

É consenso que a rede estadual, presente em todos os municípios do país, é um fator que reduz a rentabilidade da operação.

A dimensão dos Correios, que hoje conta com cerca de 130 mil funcionários, o seu passivo e o seu funcionamento deficitário são factores que devem ser tidos em consideração na concepção da privatização e afectam o valor do negócio.

O cronograma do governo, que prevê a desestatização já em 2021, é visto como excessivamente otimista.

- É uma empresa extremamente endividada com um fundo de pensão quebrado. Se o governo quer ganhar dinheiro com a privatização, tem que tirar tudo isso das mãos do investidor. Também precisaria limpar a estrutura, fazer PDV (plano de demissão voluntária), repensar os servidores, porque não terá setor privado interessado em contratar 130 mil - diz Elena Landau, economista e ex-diretora do BNDES.

Para Sérgio Lazzarini, professor do Insper, o modelo mais fácil do ponto de vista técnico seria vender a operação como um todo e deixar a iniciativa privada ajustar a estrutura adquirida.

No entanto, isso traria alta no preço dos serviços de entrega em regiões remotas e queda na área de cobertura.

- Os correios atendem regiões como favelas e áreas remotas que hoje não são atendidas pelo privado porque não há rentabilidade. Se vender a empresa sem parâmetro regulatório, o preço subirá - afirma.

A alternativa de exigir cobertura mínima em áreas menos lucrativas, como na privatização das companhias telefônicas, derruba a atratividade da empresa para a iniciativa privada.

SUBSÍDIOS PÚBLICOS

Lazzarini argumenta que o governo subsidia, a preços de mercado, uma espécie de complementação do frete para que o custo da entrega não seja alto para o consumidor dessas regiões.

Tayguara Helou, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de São Paulo, diz que a venda da empresa em um único bloco seria uma forma viável.

- É uma empresa deficitária mesmo sem pagar tributos federais, estaduais e municipais. O ideal seria dividir a operação por unidades de negócios por meio de concessões - afirma.

Helou lembra que o segmento postal não é um mercado muito lucrativo. Então, se for atendido por empresas privadas, será uma receita periférica.

Alexandre Pierantoni, diretor executivo da Duff & Phelps Consulting, afirma que, independente do modelo a ser adotado, não é viável o governo conseguir a desestatização antes de 2022.

- O tempo todo demanda modelo de concessão, precisa de estudos e conversas com investidores.

Uma divisão do estado por segmentos de serviços, em vez de um fatiamento regional, diz ele, pode fazer mais sentido para o negócio.

- A preocupação é como fatiar a operação de forma a garantir que as unidades de negócios tenham juntos regiões lucrativas e deficitárias.

Manter o serviço estadual apenas no final da entrega final, mas privatizar as demais etapas do processo logístico, como distribuição e transporte, pode ser uma solução lucrativa, segundo Luís Antônio de Souza, sócio do Souza, Mello e Torres escritório.

A modelagem de privatização, segundo ele, também precisará discutir temas como privacidade e proteção de dados de remessas e fluxos postais, informações que hoje têm alto valor comercial.