Valor econômico, v. 21, n. 5125, 11/11/2020. Brasil, p. A6

 

Avanço de acordo UE-Mercosul em 2021 está mais distante

Assis Moreira

11/11/2020

 

 

Esforço esperado pela presidência portuguesa do Conselho da Europa no ano que vem está “subindo no telhado”

A possibilidade de Portugal poder avançar a tramitação do acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul, quando assumir a presidência do Conselho da Europa no primeiro semestre do ano que vem, está cada vez mais ameaçada, segundo o Valor apurou.

Inicialmente, alguns membros da União Europeia e do Mercosul esperavam que a presidência da Alemanha, neste semestre, impulsionaria o encaminhamento do no Conselho Europeu (reunindo os chefes de governo) e depois no Parlamento.

Mas o governo da chanceler Angela Merkel, visivelmente temeroso dos efeitos internos que isso poderia ter, se retraiu e mesmo jogou dúvidas sobre o acordo no estado atual em razão do desmatamento e outros estragos ambientais no Brasil.

Nesse cenário, a melhor das hipóteses passou a ser Portugal assumindo a tarefa entre janeiro e junho de 2021. O governo de Jair Bolsonaro chegou a enviar uma delegação a Lisboa, quando recebeu a confirmação do engajamento português em tentar avançar o acordo comercial durante sua presidência.

Ocorre que também esse esforço esperado dos portugueses “está subindo no telhado”. A Comissão Europeia, o braço executivo da UE, que é fortemente favorável ao acordo que negociou, só o submeterá aos chefes de Estado e de governo dos 27 países-membros com a certeza de que o tratado pode ser aprovado por eles.

A constatação, porém, no momento é de falta de viabilidade política para que isso ocorra. No ano que vem, haverá eleição federal na Alemanha, onde os verdes, que não cessam de atacar o tratado UE-Mercosul, tem quase 20% das intenções de votos.

Ou seja, antes havia a expectativa que, se o encaminhamento do acordo não ocorresse na presidência alemã, isso aconteceria na portuguesa. Agora, nem isso está mais claro, mesmo que essa possibilidade não possa ser completamente descartada.

Os mais pessimistas na Europa dizem, no entanto, que a apreciação do acordo provavelmente só ocorrerá em 2022, depois da eleição presidencial na França em abril daquele ano.

Até lá, a Comissão Europeia vai querer ação do governo de Jair Bolsonaro na área ambiental. Isso é considerado pré-requisito para Bruxelas se movimentar depois junto ao Conselho da Europa e no Parlamento.

Fontes da comissão notam que o texto do acordo UE-Mercosul continua em revisão jurídica. Ainda há pontos a resolver. De forma que nem sequer foi apresentado até agora à própria comissão. Ou seja, ainda pode demorar um tempo. E que a pressão das forças contrárias só aumenta.

Enquanto isso o governo Bolsonaro, que perde um aliado em Washington, enfrenta os efeitos do virtual congelamento de relações com a Europa. Desde 2014 não ocorre o encontro de cúpula anual, como estabelecido pela relação estratégica.

Existe falta de vontade política europeia. Primeiro, foi por causa da instabilidade antes do impeachment de Dilma Rousseff, concretizado em 2016. Depois, não quiseram maior contato com Michel Temer com a legitimidade contestada. E agora pelo desgaste forte do governo Bolsonaro junto à opinião pública européia.