Valor econômico, v. 21, n. 5124, 10/11/2020. Brasil, p. A8

 

Para diplomatas, desconfiança diminuiu após ida à Amazônia

Daniela Chiaretti

10/11/2020

 

 

Embaixadores dizem, porém, que ainda é preciso ver redução no desmatamento

A questão da soberania brasileira sobre seu território amazônico esteve presente na viagem de embaixadores à região a convite do vice-presidente Hamilton Mourão, que conduz o Conselho Nacional da Amazônia Legal. O tema, contudo, teve apelo menos nacionalista e excludente do que em outras situações, segundo a percepção de representantes de governos estrangeiros que participaram da visita. A abertura de diálogo ajudou a romper a desconfiança.

“O Brasil é soberano sobre seu território, isso não se discute”, disse ao Valor Ignacio Ybañez Rubio, embaixador da União Europeia no Brasil. A discussão passa pela responsabilidade brasileira de exercer a soberania sobre a região e fazer com que a lei seja cumprida.

“Entendo que a soberania sobre a Amazônia é uma questão muito importante para o Brasil. Mas também asseguro que ninguém questiona a soberania brasileira sobre a região”, resume o embaixador alemão Heiko Thoms. “O maior risco a esta soberania vem de dentro e acontece pela ilegalidade, pela ameaça do crime organizado. O Brasil tem que exercer sua soberania, fazer com que a lei seja respeitada e combatendo a ilegalidade.”

A viagem de três dias ao Amazonas, encerrada na sexta-feira, teve aspectos positivos a começar pela abertura do diálogo entre o governo brasileiro e os estrangeiros. Outro ponto importante foi o reconhecimento, pelos ministros brasileiros, de que o desmatamento é um problema real.

“Organizar esta viagem em meio à pandemia e com tantos embaixadores foi um grande esforço do governo que tem que ser reconhecido”, diz Ybañez Rubio. “Reconhecemos a mensagem política da iniciativa. Agora precisamos ver os resultados deste esforço. Enquanto a curva do desmatamento não baixar, nossa preocupação continuará”, seguiu.

Gilles Pécassou, encarregado de negócios da embaixada da França, observa o mesmo ponto. “Os parceiros do Brasil esperam agora resultados por parte das autoridades brasileiras na área ambiental”, diz ele. “O problema, para nós, não era falta de informação, mas de diálogo”, registra.

“Nossa ação não é de apenas criticar, mas de fazer propostas”, diz Pécassou. Neste ano, a França enviou ao Brasil € 400 milhões (cerca de R$ 1,4 bilhão) em ajuda a ações de combate ao desmatamento, projetos de desenvolvimento sustentável e ajuda emergencial em resposta à covid-19, em todo o país. “Na Amazônia temos uma cooperação longa e bem-sucedida”, diz, mencionando a troca de experiências entre os militares brasileiros e o Exército francês na zona de fronteira com a Guiana Francesa.

A abertura de diálogo com os parceiros é o aspecto positivo da viagem, na percepção dos embaixadores. A expectativa, agora, é pelo plano concreto do governo de combate à ilegalidade. Isto ainda não está sobre a mesa.

Um dos temas discutidos foi a regularização fundiária. Os embaixadores sabem que o título da terra estimula a preservação da propriedade. Sabem, ainda, que sob o argumento que defende os pequenos agricultores se escondem também grandes desmatadores e grileiros.

Entre os pontos negativos da viagem, está o fato de o roteiro não ter contemplado a região do arco do desmatamento. Outro ponto foi que a comitiva não incluiu integrantes de organizações ambientalistas e indígenas nem chefes de órgãos como Ibama e ICMBio.

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Conselho vê interesse em recurso hídrico do Brasil

Rafael Walendorff

10/11/2020

 

 

Documento aponta países e instituições internacionais cujos olhos podem se voltar para a abundância de água doce da Amazônia

O interesse internacional e a soberania do Brasil em relação à água ganharam destaque nas discussões do Conselho Nacional da Amazônia Legal, na semana passada. Documento que circulou entre os integrantes do colegiado relata o interesse da China e dos Estados Unidos, além de europeus, como França, Inglaterra e Alemanha, nas reservas hídricas brasileiras.

“A entrada da China no seleto grupo de grandes potências econômicas hegemônicas do mundo contextualiza uma nova realidade global, na qual regiões ricas em recursos naturais estratégicos passam a ser o alvo das políticas externas do governo chinês”, diz o documento da reunião do dia 3.

O texto expõe a “crise global da água”, com o registro de queda de um metro ao ano nos lençóis freáticos da China, Índia, México, países africanos e do Oriente Médio, apontando um cenário grave nos próximos 25 anos. Também é mencionada a situação de Taiwan, Austrália e do meio-oeste americano, onde a população cresceu acima da capacidade de abastecimento, produzindo poluição e escassez de recursos hídricos.

O documento mostra o Brasil como detentor das maiores reservas de água doce do mundo, com as bacias dos rios Amazonas, São Francisco, Tocantins-Araguaia, Parnaíba e Paraná, e os aquíferos Guarani, com 45 mil km3, e Alter do Chão, com 86 mil km3.

O texto diz que existem “interesses expressos” de países e instituições internacionais no estoque de recursos estratégicos da Amazônia e destaca o “apoio das entidades ambientalistas aos governos europeus”, bem como “interesses menos republicanos entre nacionais”. O documento questiona a troca de provocações nas relações externas e define que o melhor para o país é assegurar a “soberania” por meio das ações do conselho.

O documento também cita riquezas minerais e biodiversidade para configurar a importância geopolítica da região e para reforçar a necessidade de definir a estratégia para preservar, proteger e desenvolver a Amazônia.

O documento traz seis iniciativas estratégicas prioritárias: efetividade no combate ao desmatamento e queimadas, fortalecimento dos órgãos de combate aos ilícitos ambientais, utilização do Fundo Amazônia e novas fontes de financiamento, ordenamento territorial, monitoramento a ilícitos ambientais e fundiários e o estímulo à inovação e à bioeconomia

A meta é reduzir desmatamento e queimadas aos níveis apurados entre 2016 e 2019, o que representa um reconhecimento ao crescimento no número de ocorrências, fato muitas vezes negado por integrantes do governo. Outra proposta é a utilização do Fundo da Amazônia. Nesse quesito, o governo deixa claro que quer criar um “marco regulatório para a atuação das ONGs” historicamente com atuação no bioma e com acesso aos recursos do fundo gerido pelo BNDES, mas sem dar detalhes.