Valor econômico, v. 21, n. 5124, 10/11/2020. Política, p. A6

 

Bolsonaro critica empresa Isolux por apagão no Amapá

Fabio Murakawa

Rafael Bitencourt

10/11/2020

 

 

De acordo com o presidente, a responsabilidade pela energia no Amapá não é do Estado ou da União

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que a energia no Amapá “não é de responsabilidade do Estado nem da União”. Ele criticou a Isolux por permitir um apagão no Estado que já chega ao seu sétimo dia e disse que cerca de 70% da energia já está restabelecida. Reconheceu, no entanto, que a situação só deve estar normalizada em nove dias. a Isolux não é mais responsável pelo fornecimento de energia no Estado (ver reportagem Controle acionário da transmissora responsável foi transferido este ano).

“O ministro das Minas e Energia vai apurar responsabilidades. Se bem que essa energia lá não é responsabilidade do Estado nem da União. É de uma empresa lá que ganhou a concessão, disse Bolsonaro em “live” nas redes sociais. Ao criticar a empresa espanhola, o presidente se confundiu ao descrever a situação dos transformadores de energia no Estado, chamando os equipamentos de geradores. “É de lamentar que uma empresa privada fique dez meses para fazer manutenção de um gerador [sic] e o outro gerador [sic] funcione de forma precária porque seu óleo está contaminado. E o outro, então, deu azar, foi atingido por um raio, foi completamente destruído. Esse gerador [sic] não dá para aproveitar mais", afirmou. “Estamos aqui fazendo o possível e o impossível para restabelecer em 100% a energia para todo o nosso Estado do Amapá.”

Mais cedo, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, reiterou que o pleno abastecimento de energia elétrica no Amapá deverá levar cerca de dez dias, apesar de a Justiça Federal ter dado, no sábado passado, o prazo de três dias para que 100% do fornecimento volte à normalidade no Estado. A declaração foi dada em entrevista à Rádio CBN.

“Não há a possibilidade técnica de restabelecer 100% da energia até amanhã [hoje]”, disse Albuquerque à emissora. Ele informou que soube da determinação judicial pela imprensa e a consultoria jurídica do órgão estava acompanhado o caso.

A ação na Justiça foi movida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). A ordem judicial foi direcionada à Isolux, concessionária responsável por manter e operar a linha de transmissão. O empreendimento inclui a subestação de energia que teve um dos transformadores atingido por descarga elétrica (um raio) e, em seguida, explodiu. Outros serviços, como comunicações e fornecimento de água, também foram afetados.

O ministro ainda afirmou que a eventual cassação do contrato de transmissão da Isolux - possibilidade levantada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) - depende das conclusões do processo de fiscalização conduzido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). “Isso poderá ser uma consequência, mas teremos que aguardar”, afirmou Albuquerque, que classificou o que ocorreu no Estado como “inadmissível” e “inaceitável”.

Ainda na manhã de ontem, em entrevista à Rádio Bandeirantes, o ministro comentou o fato de ter recorrido à Eletronorte - estatal do grupo Eletrobras, que integra o programa de privatização do atual governo - para restabelecer o fornecimento de energia no Amapá o mais rápido possível. Para ele, o blecaute não está relacionado ao fato de ser uma empresa privada ou pública e à necessidade ter uma estatal no setor para garantir a oferta de um bem essencial.

“O que ocorreu no Estado não tem relação se era privado ou se era público. Isso poderia ter ocorrido se a empresa fosse estatal ou fosse pública”, afirmou o ministro. Para ele, o mais importante é o país ter a capacidade de controlar e fiscalizar o setor para que blecautes da mesma proporção voltem a ocorrer.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que apresentará à Justiça Federal, “dentro do prazo solicitado”, as respostas ao requerimento de informações sobre a fiscalização do contrato de concessão da Isolux. A agência reiterou que adota “todas as providências” para apurar as responsabilidades das empresas de energia. Além disso, o órgão frisou que trabalha para encurtar os prazos de análise das causas da falha no sistema. Este esforço já teria resultado na antecipação, para hoje, da reunião de “Análise da Perturbação”, a ser realizada pelo ONS.

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Controle acionário da transmissora responsável foi transferido este ano

Letícia Fucuchima

10/11/2020

 

 

Prestadora do serviço até então, Isolux apresentou problemas e está em recuperação judicial no Brasil e na Espanha

Responsável pelos equipamentos que foram alvo de incêndio no Amapá, a transmissora de energia Linhas de Macapá (LMTE) passou a ser controlada neste ano pela Gemini Energy, holding que tem por trás as gestoras Starboard Partners e Perfin. A participação da Starboard na Gemini se dá pelo fundo Power Fip, e a da Perfin, pelo fundo Apollo 14 Fip.

Originalmente o ativo era administrado e controlado pela Isolux Energia e Participações, braço da espanhola Isolux Corsán. Especializado nas áreas de construção, engenharia e concessões de infraestrutura, o grupo espanhol chegou a atuar em mais de 40 países e virar referência no setor de energia, mas mergulhou em dificuldades financeiras e, desde 2016, vinha tentando se desfazer de ativos. A crise fez com a empresa pedisse recuperação judicial na Espanha e também no Brasil.

No mercado brasileiro, a Isolux tem um histórico problemático em transmissão de energia. A companhia não entregou uma série de projetos vencidos em leilões do governo, vários deles na região da Amazônia. Entre as empreitadas fracassadas, estava uma das linhas que reforçariam o escoamento da energia produzida pela usina hidrelétrica Belo Monte, no Pará.

A Gemini assumiu neste ano a transmissora de Macapá e outros dois ativos da Isolux, a Linhas de Xingu e a Linhas de Taubaté. No caso da LMTE, a holding detém 85,04% do ativo - a participação da Starboard se dá pelo fundo Power Fip, e a da Perfin, pelo fundo Apollo 14 Fip. A fatia restante é da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, cuja participação se dá pela conversão de seis parcelas de debêntures em ações.

Em nota à imprensa, a Gemini afirmou que desde janeiro vem concentrando esforços em “estabilizar e reforçar a operação dos ativos”. “A empresa teve seus processos revisados e aprimorados com a participação de prestadores de serviço de primeira linha, conduzidas por consultorias reconhecidas no mercado, como KPMG, Lunarti, Grupo Energia, Oracle e Deloitte. Também contribuiu com programas sociais em conjunto com o BNDES e Unicef para combater a covid-19, além de ações específicas no Amapá”.

A crise no Amapá teve início na noite de terça-feira da semana passada, quando um incêndio atingiu os transformadores de uma subestação da LMTE. Um transformador foi completamente avariado, enquanto outro foi parcialmente danificado. Havia ainda um terceiro transformador reserva, em manutenção.

O incidente comprometeu o suprimento de energia de praticamente todas as cidades do Estado, criando uma situação de calamidade pública. Até ontem, o fornecimento não havia sido totalmente restabelecido. Segundo a Gemini, o retorno da carga estava próximo de 80%.

Durante o fim de semana, a Justiça Federal deu o prazo de três dias para que haja a “completa solução” do problema no Amapá. A decisão, assinada pelo juiz plantonista João Bosco Soares da Silva, atendeu a um pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede), que é do Estado.

O juiz acionou tanto a responsável pelos equipamentos, quanto a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Eletronorte, que deveriam comprovar a fiscalização regular do contrato com a empresa privada.

A Aneel informou que enviará à Justiça as respostas sobre a fiscalização do contrato dentro do prazo solicitado, de cinco dias. Também disse já está adotando todas as providências para apurar as responsabilidades dos atores envolvidos.