O globo, n. 31839, 08/10/2020. Sociedade, p. 17

 

Brasil chega a 5 milhões de infectados pela Covid

Renato Grandelle 

Evelin Azevedo

08/10/2020

 

 

Pesquisadores estimam que, devido a subnotificação, o número de contágios seja até seis vezes maior; perfil típico de contaminados mudou de população economicamente ativa para jovens e idosos que estão abandonando a quarentena

 Passados 225 dias de seu primeiro registro no país, em São Paulo, a pandemia do coronavírus alcançou ontem o patamar de 5 milhões de notificações no Brasil. Segundo o boletim das 20h divulgado pelo consórcio de imprensa, o Brasil tem 5.002.357 infectados e 148.304 mortos em decorrência da doença. A média móvel de óbitos foi de 631, a menor desde 11 de maio.

Um levantamento independente, no entanto, indica que a Covid-19 já atingiu 30 milhões de pessoas. Apesar das divergências nos cálculos e do problema da subnotificação dos casos, é consenso que o contágio está mudando de cara. Hoje, as ocorrências são menos graves, em parte porque os profissionais de saúde aprenderam o comportamento da doença.

Reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal assegura que a pandemia já infectou seis vezes mais pessoas do que os números divulgados pelo Ministério da Saúde. Sua estimativa vem do levantamento EpiCovid-19, que coordena, e já realizou testes rápidos de coronavírus em 133 cidades dos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal.

As quatro primeiras fases da pesquisa já foram concluídas — as duas últimas, financiadas pela Fapesp e pelo próprio Ministério da Saúde, devem ser encerradas até novembro.

—Os testes rápidos são facilmente aplicáveis e permitem conhecer o panorama da doença nos dois meses anteriores à sua aplicação. Mas os casos mais antigos, especialmente de leve gravidade, não são identificados —pondera o epidemiologista. — Voltamos às cidades em cada fase do estudo e vemos como é complicado dizer se alguma chegou à imunidade de rebanho. Pensei que isso teria ocorrido em Manaus e Boa Vista, mas a média móvel de ocorrências voltou a aumentar nos meses seguintes. Então, não acredito que haja uma região do país com este tipo de proteção contra o vírus.

PRIMEIRA ONDA ‘ALARGADA’

Christovam Barcellos, sanitarista e coordenador do MonitoraCovid-19 da Fiocruz, avalia que no Brasil a evolução da curva de casos é bem mais lenta do que em países europeus.

— Tivemos um aumento de ocorrências muito lento quando comparado com os países da Europa, já que não chegamos ao pico logo no início da pandemia —recorda

Barcellos. — O país chegou ao platô em maio e se fixou nele. O número de casos de óbitos caiu a partir de setembro, mas é uma curva muito lenta em relação a outras nações. Isso significa que a transmissão continua e que ainda estamos em um período crítico. Não é uma segunda onda; ainda estamos na primeira, que se manifestou de forma alargada.

O perfil dos infectados, no entanto, está mudando. Na primeira fase, as principais vítimas eram da população economicamente ativa. Agora, segundo Hallal, são de “grupos etários extremos” — jovens e idosos que estão abandonando a quarentena. Ainda assim, desde o início da pandemia, pessoas de baixa renda são as mais vulneráveis à Covid-19.

—O Brasil e todo o planeta viverão uma segunda onda do coronavírus. É inevitável — explica Hallal. — A boa notícia é que a ciência evoluiu no manejo da doença. Sabemos, por exemplo, qual é o remédio mais adequado para cada fase do tratamento e o momento em que o paciente deve ser entubado. Meses atrás, não tínhamos conhecimento sobre a rápida queda dos anticorpos e a alta transmissão entre crianças. Também não conhecíamos o sintoma mais clássico da Covid-19, que é a perda do olfato e do paladar.

Hallal sugere que, no ritmo atual, o Brasil demoraria um ano e meio para dobrar o atual número de infectados — uma demonstração de que a taxa de contágio está diminuindo:

—Somos um carro de Fórmula 1 que segue andando, mas devagar. Até termos uma vacina, os números continuarão crescendo.

Doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Petry concorda que a subnotificação da pandemia é alta no país, mas os números oficiais têm sido cada vez mais fiéis à realidade, já que aumentaram a testagem e o número de instituições envolvidas na análise da Covid-19.

NOVOS VETORES

Petry também sublinha os avanços científicos, como a aplicação de medicamentos antivirais, entre eles o remdesivir. Mas a pandemia ainda cresce, embora em ritmo inferior, amparada em um “novo público”.

— Os jovens estão desrespeitando normas de distanciamento social e, agora, são os novos infectados. São vetores circulantes, ou seja, contraem o vírus e levam para casa, onde interagem com idosos ou pessoas que têm comorbidades, que são os responsáveis pelo maior número de internações —assinala.

O epidemiologista considera, portanto, “precipitado” reabrir as escolas, uma medida aventada em diversos estados, e que aumentaria a aglomeração nas ruas.

— O número de casos subiu rapidamente no país desde o início da pandemia e, agora, desce devagar. Mas não podemos nos acostumar com a quantidade de ocorrências registradas hoje, que continua muito elevada. Ainda temos um caminho a seguir.