O globo, n. 31838, 07/11/2020. Economia, p. 23

 

Desafio na indústria

Glauce Cavalcanti

Carolina Nalin

Eliane Oliveira

07/10/2020

 

 

Vendas voltam ao nível pré pandemia, mas alta nos custos ameaça reação

A indústria comemora a recuperação do faturamento após o baque provocado pela crise do coronavírus, com as vendas em agosto retomando o patamar pré-pandemia, de fevereiro, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). No entanto, uma série de fatores ameaça areação. Ose torvem sofrendo com forte pressão de custos em razão do aumento dos preços de matérias-primas e a desarticulação de cadeias produtivas, sem poder reajustar preços ao consumidor no cenário de alto desemprego e renda em queda. Além disso, incertezas em relação a medidas de incentivo eàagend ade reformas do governo cercam de dúvidas o crescimento da indústria nos próximos meses.

Em agosto, as vendas da indústria subiram 2,3% em relaçãoa julho e 3,6% na comparação como mesmo mês do ano passado. O faturamento acumula alta de 37,8% entre abril e agosto, mas nem mesmo essa forte reação após o pior momento da pandemia foi suficiente para recuperar tudo o que foi perdido. Entre janeiro e agosto deste ano, a indústria acumula perda de 3,9% nas vendas em relação ao mesmo período do ano passado.

CONTRATAÇÕES DE VOLTA

A CNI destacou que, em agosto, o emprego industrial registrou alta pela primeira vez este ano, , de 1,9%, ficando pouco abaixo do patamar pré-pandemia. O uso de capacidade das empresas ficou em 78,1%.

O aumento nas vendas experimentado pela indústria agora não é linear —entre julho e junho a alta foi maior, de 7,4% — e não deve permanecer, avalia José Ricardo Roriz Coelho, à frente da Abiplast, associação que reúne a indústria do plástico. Ele alerta para dificuldades à frente:

— No início da pandemia, houve uma ruptura na cadeia produtiva e também de logística internacional, o que leva tempo para reorganizar. Isso

também explica a alta da demanda para recompor estoques. A matéria-prima encareceu e não dá para repassar esse custo ao preço final. Voltaremos à situação pré-pandemia, só que com empresas, famílias e governo mais endividados.

Entre os principais motivos para a alta nos preços de insumos está a desvalorização do real perante o dólar e o maior consumo de commodities pela China. Em agosto, a produção industrial cresceu 3,2% sobre julho, quando a alta tinha sido de 8,3%, segundo o IBGE. Ainda assim, a indústria segue 2,6% abaixo do nível de produção anteriorà pandemia.

A acomodação dessas taxas é explicada por um cenário de demanda ainda fraca, em que a produção sofre o efeito dos protocolos de segurança sanitária, sem esquecer da dificuldade com insumos e “incertezas elevadas” coma continuidade de programas emergenciais, diz o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Rafael Cagnin, economista d oI edi,pon tua que oefeit opositivo nos números provocado pela base fraca de comparação —em razão do tombo registrado pela indústria em abril — está ficando menor. A tendência é que os indicadores daqui par afrente espelhem odes empenhore aldo setor. E isso acende um alerta, destaca ele, porque há obstáculos a serem vencidos até haver reativação conjuntural da indústria:

— Existe o receio de voltarmos a um baixo dinamismo. Não dá mais para andarmos de lado. E esta desaceleração (dos índices) veio antes mesmo da redução do auxílio emergencial —diz ele, referindo-se à tendência de redução do consumo com o fim do benefício em dezembro. — Há também desequilíbrios desta recuperação num ambiente ainda de pandemia, que faz com que faltem insumos ao longo da cadeia.

INSUMOS EM FALTA

Segmentos como o de vestuário e calçados se mostram mais receosos. A Abvtex, que representa grandes varejistas de moda, cita a alta do algodão em até 40% nos últimos meses e o esforço para evitar aumento na ponta:

—A indústria está tentando evitar o repasse, mas não significa que ele não virá. Com a redução do auxílio emergencial, vamos enxergar a real demanda no país, casando a alta dos alimentos e o orçamento apertado —diz Edmundo Lima, diretor da entidade.

No comando da fábricaPlastlab há 30 anos em Madureira, na Zona Norte do Rio, o empresário Marcelo Oazen se equilibra entre o aumento dos pedidos de plásticos e derivados por hospitais e comércio e os gargalos na oferta mundial dePVC,porcont ada pandemia.O aumento dou sodares inano mundo, segundo ele, dificulta o crescimento alongo prazo das indústrias de transformadores de plásticos:

—O PVC está sendo bastante utilizado durante a pandemia. Com isso, começou a faltar matéria-prima, e o custo foi potencializado. Está muito difícil conseguir material. Tivemos aumento de 32% no valor do PVC em agosto. Não tenho como repassar tudo isso aos clientes, mas estoure passando 4,5% do valora eles.

O gargalo na produção tem, em paralelo, umefeit opositivonesse cenário. Dentre 26 ramos do setor acompanhados

pela CNI, 88% dizem estar com estoque siguais ou menores que o previsto. Isso pode favorecera continuidade do aumento da produção deforma a recompor esses estoques e atender à demanda, explica o Iedi. Outro alen toé o indicador de confiança da indústria, que está em alta.

O secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, reconhece que há gargalos a serem superados até que o ritmo de produção na indústria seja restabelecido. Ao participar de evento como setor de siderurgia na semana passada, ele disseque o país experimenta uma retomada“e mV maiúsculo ”, repetindo uma imagem que o ministro da Economia, Paulo Guedes, gosta de usar para descrever recuperação forte após queda brusca:

—Coma economia voltando, oque vai sustentara demanda é a própria economia, o retorno das atividades. Os informais vão voltara trabalhar, os formais vão voltara ser contratados, as empresas vão voltara demandar. Já está acontecendo isso.

A taxa de desemprego no trimestre encerrado em julho no país alcançou o patamar recorde de 13,8%, o equivalente a 13,1 milhão de pessoas. No total, falta trabalho para 32,9 milhões de brasileiros no período, de acordo com o IBGE.

‘CUSTO BRASIL’ PERSISTE

Em agosto, o Brasil teve saldo de 249.388 vagas de trabalho formais no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), melhor resultado para o mês desde 2010. O dado, porém, não pode ser comparado ao do IBGE porque considera apenas registros de empregos formais no mês avaliado.

A CNI vem monitorando as pressões que afetam a indústria neste momento. Marcelo Azevedo, gerente de Análise Econômica da entidade, avalia que, mesmo depois que a oferta se normalizar, o desafio dos custos e do consumo no país vai permanecer.

— Já apresentamos ao governo propostas para a retomada, com retirada gradual das medidas de auxílio adotadas na pandemia. Se forem suspensas sem condições de oferta e demanda retomadas, poderá afetar a capacidade de investimento e a sobrevivência de diversos grupos —alerta Azevedo. — O adiamento da reforma tributária foi um sinal ruim para a indústria. E a agenda para reduzir o custo Brasil continua sendo adiada.