O globo, n. 31838, 07/10/2020. Sociedade, p. 16

 

Efeito da Covid-19

Paula Ferreira

Bruno Alfano

07/10/2020

 

 

Conselho Nacional de Educação aprova resolução que libera ensino remoto até dezembro de 2021

 O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou por unanimidade na tarde de ontem uma resolução que permite a continuidade do ensino remoto até dezembro de 2021, caso seja opção das redes. A proposta aprovada no colegiado recomenda ainda que os sistemas de ensino não reprovem os estudantes. O texto precisa ser homologado pelo Ministério da Educação (MEC) e vale para educação pública e privada.

A medida prevê a reorganização flexível dos sistemas e sugere, por exemplo, a adoção do “continuum escolar”, ou seja, as redes poderão fundir os anos escolares dos estudantes, de modo que eles concluam no próximo ano o conteúdo que ficou prejudicado em 2020 devido à pandemia. Estados como São Paulo e Espírito Santo já anunciaram que adotarão o ano contínuo.

“O reordenamento curricular do que restar do ano letivo de 2020 e o do ano letivo seguinte pode ser reprogramado, aumentandose os dias letivos e a carga horária do ano letivo de 2021 para cumprir, de modo contínuo, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento previstos no ano letivo anterior”, diz o texto.

— Considerando que os sistemas de ensino deverão indicar o ano de 2021 para replanejamento curricular, vai ser um ano complicado. Então, nós estendemos (a liberação do ensino remoto) a critério do sistema —explicou a relatora da proposta, a socióloga Maria Helena Guimarães.

— Há sistemas de ensino que estão falando que a recuperação e reposição vão ocorrer até o final do ano que vem. Estamos tratando de uma situação complexa para a qual não existem soluções únicas, então tentamos apresentar a possibilidade de diversificação para abranger sistemas de ensino que enfrentam situações diferenciadas.

EXCEÇÕES PERMITIDAS

O documento libera o estabelecimento de um quarto ano de ensino médio, como alguns estados já demonstraram interesse; as redes estarão liberadas a abrir turmas a alunos que concluírem a educação básica e quiserem voltar para recuperar aprendizagens perdidas em 2020.

Outra mudança: está dispensado o controle de frequência para a educação infantil em escolas públicas e privadas.

Sobre a volta às aulas presenciais, o CNE afirma que deve ser feita de forma “gradual, por grupos de estudantes, etapas ou níveis educacionais, em conformidade com protocolos produzidos pelas autoridades sanitárias locais, pelos sistemas de ensino, secretarias de educação e instituições escolares, com participação das comunidades escolares”.

A reposição de carga horária pode estender-se para 2021 de modo presencial ou remoto. Essas aulas podem ser oferecidas, diz o texto, no contraturno ou em datas programadas no calendário original, como em dias não letivos.

Pesquisador associado da Fundação Getúlio Vargas, o especialista em educação João Marcelo Borges afirma que, para esta estratégia funcionar, é preciso garantir uma boa seleção de conteúdos indispensáveis a serem ministrados, com base na Base Nacional Comum Curricular. Este, segundo ele, é uma tarefa para conselhos municipais e estaduais de educação.

— Não é uma tarefa fácil porque envolve preparação pedagógica, seleção dos materiais didáticos e um sequenciamento que não é trivial, mas é essencial para que os alunos não sejam comprometidos em dois anos —afirma Borges.

DEMANDA EXTERNA

Presidente da comissão que elaborou o parecer, Luiz Roberto Curi explicou que anteriormente o prazo previsto era até julho, mas a partir da demanda de diversos entes, o CNE resolveu estendê-lo para dezembro como uma medida de cautela.

— É um artigo que permite (a utilização do ensino remoto até dezembro), mas não exige, nem obriga e nem estende, no sentido de indicar que o retorno se dará (somente em dezembro) — afirmou durante a discussão.

Na avaliação de Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, a liberação do ensino remoto é uma decisão acertada do CNE que possibilita a implementação do ensino híbrido, quando há um momento presencial e outro à distância.

— Até que exista uma vacina eficaz contra a Covid-19, só deveremos ter aulas com capacidade reduzida de turmas para haver distanciamento social. Isso significa que os alunos precisarão ter parte das aulas em casa. Essa decisão do CNE possibilita esse formato —afirma Costin.

Em relação à recomendação sobre a reprovação dos estudantes, a relatora da proposta, Maria Helena Guimarães, argumentou que a medida é importante para evitar a evasão, mas não é uma imposição:

— Não proibimos a reprovação. Isso é uma decisão dos sistemas de ensino. Mas indicamos a necessidade de busca ativa dos estudantes, sabemos que vai ter uma evasão grande.

A relatora explica que a orientação é que os mecanismos de avaliação sejam flexíveis, considerando projetos e outros tipos de atividades e não apenas provas escritas ou de múltipla escolha.

O texto do CNE orienta que as atividades presenciais sejam retomadas de forma gradual e estabelece que cabe à família, em acordo com a escola e a normatização do sistema, definir se o estudante continua em atividade à distância ou não.

No caso dos anos iniciais, que compreende a etapa da alfabetização, o documento estabelece que as redes “poderão propor processo próprio de avaliação formativa ou diagnóstica”.

“Não é uma tarefa fácil (garantir os conteúdos necessários até 2021). É essencial para que os alunos não sejam comprometidos em dois anos” 

João Marcelo Borges, pesquisador associado da FGV

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EJA: faltam critérios a avaliações durante pandemia

Paula Ferreira

Vinicius Sassine

07/10/2020

 

 

Educação de Jovens e Adultos à distância tem aprovação praticamente automática, sem exigência de frequência ou notas

 As primeiras avaliações de ensino durante a pandemia, momento em que quase tudo é virtual ou à distância, revelam falta de padrão para decidir quem pode prosseguir, dificuldade em mensurar o aprendizado de alunos e situações em que “passar de ano” foi praticamente automático, sem exigência de frequência ou notas. A Educação de Jovens e Adultos (EJA), que, em geral, tem regime semestral, foi a primeira modalidade de ensino a ser posta à prova. Um levantamento feito pelo GLOBO junto às secretarias de Educação das 27 unidades da federação, com o recorte específico da EJA no ensino médio, mostra a fragilidade dos sistemas de avaliação e acompanhamento da aprendizagem.

As diretrizes genéricas do Ministério da Educação (MEC) e do Conselho Nacional de Educação (CNE) foram insuficientes para que escolas que ofertam EJA conseguissem estabelecer uma rotina e um padrão mínimo de aferição do desempenho dos alunos. Essas turmas são formadas por alunos mais velhos do que os matriculados no modelo tradicional, menos afeitos à tecnologia e mais impactados pela pandemia, segundo professores que atuam nessa modalidade de ensino. Avaliar o quanto aprenderam durante as atividades remotas foi um desafio com dimensões distintas em cada estado, sem um padrão e sem a certeza de eficácia, como mostra o levantamento feito pela reportagem.

Além disso, a EJA foi praticamente excluída dos planos do MEC este ano: o orçamento da pasta previa apenas R$ 23,5 milhões para a modalidade. Toda a verba foi bloqueada por restrições orçamentárias. Assim, o MEC não investiu um real do que estava previsto para 2020.

Embora já houvesse previsão para a realização da EJA no modelo à distância mesmo antes da pandemia, a realidade é um reflexo das dificuldades em manter o ensino remoto. Educadores opinam que, embora seja esperado que cada rede adote seu critério, é preciso que isso não seja feito de forma descuidada.

O MEC afirma ter contratado avaliador externo para o monitoramento da implementação dos projetos da EJA integrada à educação profissional, “sobretudo na consolidação das atividades realizadas até novembro de 2020 no enfrentamento da pandemia”.

Além de bloquear todo o orçamento da modalidade neste ano, os recursos utilizados no ano passado já tinham valores menores do que o previsto. Enquanto o montante disponibilizado foi de R$ 25,6 milhões, foram de fato empenhados — autorizados para serem gastos —R$ 19,4 milhões.

O professor Eduardo Deschamps, integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), afirma:

— A EJA vive uma grande crise. Nem sempre se lança luz sobre essa modalidade. Esse bloqueio de verbas acaba com a modalidade, que precisa de apoio do governo federal para se desenvolver mais.