Valor econômico, v. 21, n. 5121, 05/11/2020. Política, p. A11

 

Flávio e Queiroz são denunciados por lavagem

André Guilherme Vieira

Cristian Klein

05/11/2020

 

 

Filho do presidente pode se tornar réu

A denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu ex-assessor Fabrício Queiroz e outros 15 investigados conta com a confissão de uma ex-funcionária do gabinete do parlamentar na assembleia fluminense, que afirmou contribuir com quase todo o seu salário para abastecer um esquema de rachadinha. A denúncia envolve os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Trata-se do depoimento de Luiza Sousa Paes, que falou ao MP fluminense em setembro e entregou seus extratos bancários. A denúncia foi protocolada no dia 19 de outubro no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) Mas a informação só foi divulgada na madrugada de quarta-feira.

Além de Flávio e Queiroz, apontados respectivamente como líder e operador financeiro do suposto esquema, também foram denunciados a mulher do senador, Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro e o ex-chefe de gabinete dele, Miguel Ângelo Braga Grillo; a mulher de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar e as filhas do policial militar da reserva, Nathalia e Evelyn Melo de Queiroz.

Foram denunciados, ainda, amigos e indicados por Queiroz para cargos na assembleia: Agostinho Moraes da Silva, Jorge Luis De Souza, Sheila Coelha de Vasconcellos, Maria Cristina Nascimento dos Santos, Wellington Sérvulo da Silva, Flávia Regina Thompson e a ré confessa Luiza Sousa Paes.

A ex-mulher e a mãe do líder do escritório do crime, Adriano Nóbrega, Danielle Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães, também foram denunciadas por terem repassado, juntas, R$ 200 mil para Queiroz. Adriano chefiava a milícia de Rio das Pedras e foi morto em fevereiro em confronto com a polícia da Bahia. Já o corretor de imóveis Glenn Dillard foi denunciado por ter sido responsável pela venda de dois imóveis a Flávio. O MP-RJ afirma ter se tratado de uma operação para ocultar a origem do dinheiro recebido com as rachadinhas. Os investigadores descobriram que Flávio e Fernanda registraram em cartório ter pago R$ 310 mil por dois apartamentos em Copacabana, em 2012. Mas Dillard, procurador dos proprietários, depositou na mesma data da venda R$ 638,4 mil em espécie em sua conta.

 Luiza contou que transferia mais de 90% de seu salário ao esquema que o MP-RJ afirma ter sido operado por Queiroz e liderado por Flávio Bolsonaro. Ela disse que ficava com apenas R$ 700,00 por mês e que repassou mais de R$ 160 mil ao policial aposentado, por meio de depósitos bancários e transferências, realizados entre 2011 e 2016. Luiza afirmou ainda que era obrigada a repassar todos os benefícios que recebia da assembleia, como vale-alimentação, e até mesmo a sua restituição de imposto de renda.

Caberá ao TJ-RJ analisar as mais de 300 páginas da denúncia. A Corte vaio decidir se abrirá ou arquivará ação penal contra o primogênito de Jair Bolsonaro e Queiroz, amigo de mais de 30 anos do presidente da República.

A relatoria do caso está com o desembargador Miguel Fernandes. Indagado pelo Valor, o magistrado não respondeu quando encaminhará a denúncia para apreciação do Órgão Especial, que reúne o colegiado do tribunal.

A denúncia, baseada em investigações que duram mais de dois anos e meio, é considerada robusta pelos promotores pela quantidade de evidências e cruzamentos feitos a partir de relatório inicial do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que apontou movimentação financeira atípica na conta de Fabrício Queiroz.

A eles se juntam a confissão espontânea - não houve acordo de delação premiada - de Luiza Sousa Paes. A ex-funcionária foi nomeada como assessora no gabinete de Flávio em agosto de 2011 e lá trabalhou até abril de 2012. Depois passou por outras áreas dentro da Assembleia. O último vencimento dela na Alerj foi na TV mantida pelo Parlamento fluminense. Ela recebia R$ 5.264,44 brutos.

Luiza também afirmou no depoimento que havia outras pessoas na mesma situação que a dela enquanto trabalhavam no gabinete de Flávio. Ela disse que só tomou conhecimento do esquema de “rachadinha” no dia em que foi tomar posse do cargo, em 12 de agosto de 2011. Na ocasião, segundo o depoimento, Queiroz disse a ela que seria avisada quando houvesse algum trabalho a realizar na assembleia e que, naquele momento, não havia nenhuma tarefa para ela desempenhar.

Procurado pelo Valor, o advogado de Queiroz, Paulo Emilio Catta Preta de Godoy, se manifestou por meio de nota: “A defesa de Fabrício Queiroz tomou conhecimento da notícia do oferecimento de denúncia pelo MP-RJ, sem, no entanto, ter tido acesso ao seu conteúdo. Inaugura-se a instância judicial, momento em que será possível exercer o contraditório defensivo, com a impugnação das provas acusatórias e produção de contraprovas que demonstrarão a improcedência das acusações e, logo, a sua inocência”.

A denúncia contra o filho do presidente Jair Bolsonaro conta com relatórios financeiros do Coaf que sugerem uma série de operações financeiras e transações imobiliárias compatíveis com lavagem de dinheiro, segundo o MP-RJ.

A advogada de Flávio, Luciana Pires, afirmou que a “denúncia já era esperada, mas não se sustenta”. “Dentre vícios processuais e erros de narrativa e matemáticos, a tese acusatória forjada contra o senador Bolsonaro se mostra inviável, porque [é] desprovida de qualquer indício de prova”, disse. Em nota, afirmou que a peça de acusação do MP-RJ “não passa de uma crônica macabra e mal engendrada”. Ela disse acreditar que a denúncia “sequer será recebida pelo Órgão Especial”.

Sobre o depoimento de Luiza Sousa, a criminalista alegou que a confissão da ex-funcionária envolve Queiroz, mas não Flávio, embora o filho de Bolsonaro seja apontado como o líder da suposta organização criminosa - e Queiroz acusado de ser seu operador financeiro.