O globo, n. 31834, 03/10/2020. Sociedade, p. 14

 

Mudança no INPE

Leandro Prazeres

03/10/2020

 

 

Para novo presidente, cientistas e militares podem monitorar desmate

Após mais de um ano sem um dirigente titular, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável por monitorar desmatamento e queimadas de um país que tem batido recordes nestes quesitos, tem novo presidente. O ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, nomeou ontem o engenheiro eletricista Clezio Marcos de Nardin. 

A escolha põe fim à interinidade de Darcton Policarpo Damião, à frente do órgão desde agosto de 2019, quando o físico Ricardo Galvão foi exonerado após um embate com o presidente Jair Bolsonaro sobre a idoneidade dos dados do instituto a respeito do desmatamento na Amazônia. Escolhido de uma lista tríplice, Nardin também é mestre e doutor em geofísica espacial. Servidor de carreira do Inpe, é avaliado por colegas como um cientista qualificado e que se preparou para chegar à chefia do órgão. O mandato é de quatro anos. 

Um cientista que atua no Inpe pontuou que a escolha foi melhor do que outros cenários possíveis — como a manutenção de Damião, que será assessor especial de Pontes. Uma ressalva em relação a Nardin é não estar ligado à área ambiental. O temor, segundoumr ela to,éd eque ele possa“di minuir o tamanho do Inpe”enfr aquecendo áreas que “dão problema”, como a ambiental. 

Em breve conversa coma reportagem GLOBO, Clezio de Nardim disse não ter objeção ao interesse dos militares em realizar o monitoramento do desmatamento na Amazônia, mas defendeu que órgãos civis continuem envolvidos na tarefa.

— Se os militares querem fazer (monitoramento de desmatamento), ótimo. Agora, não se pode é cercear pesquisadores de fazer pesquisa. É um princípio da ciência. Enquanto eu estiver no comando, o Inpe pretende continuar fazendo pesquisas.

  ATAQUES DO GOVERNO

Colegas afirmam que Nardin respeita a hierarquia e que deverá evitar conflitos. Desde a posse de Bolsonaro, no entanto, o Inpe se transformou em alvo de integrantes do governo, entre eles o próprio presidente e,

Mais recentemente, o vice Hamilton Mourão. Há algumas semanas, Mourão disse, sem apresentar provas, que haveria um “oposicionista” dentro do Inpe. A crítica foi feita por conta dos dados indicando aumentos expressivos no número de queimadas e desmatamento na Amazônia e no Pantanal. O vice-presidente chegou até a sugerir a criação de um órgão que centralizaria os dados sobre desmatamento e queimadas nos moldes de uma agência militar americana. —Eu não posso dizer ao governo o que ele deve ou não fazer — disse Clezio à reportagem. — Não vejo os militares como inimigos, tomando algo do Inpe. Vejo como um grupo que quer monitorar também.

  ‘FAÇO CIÊNCIA, NÃO POLÍTICA’ 

Em entrevista coletiva concedida logo após conversar com o GLOBO, Nardin defendeu o Inpe e disse que o órgão é uma das instituições de pesquisa espacial mais importantes do mundo. Segundo ele, não há nenhuma indicação de que o órgão possa mudar a forma de divulgar informações de desmatamento e queimadas. Atualmente, esses dados são divulgados on-line. Questionado sobre a declaração do vice-presidente de que haveria um “oposicionista” no Inpe, o novo diretor da instituição se esquivou.

— O Inpe faz ciência. Eu faço ciência, não faço política. —afirmou.

Mais adiante, Nardin atribuiu as críticas que o órgão vem recebendo tanto de Bolsonaro quanto de Mourão a “falhas na comunicação do Inpe” e convidou o presidente a visitar as instalações do instituto. —A imagem do Inpe precisa melhorar. Fica o meu convite público ao presidente Bolsonaro, ao meu ministro (Marcos Pontes). Venham visitar o Inpe. Abro tudo, todos os processos e tenho certeza de que, sensibilizados, verão a joia rara que temos no nosso trabalho —afirmou Nardin.

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Mangues e restingas voltam a perder proteção após queda de liminar

03/10/2020

 

 

No mais novo capítulo da batalha judicial sobre a preservação de manguezais e restingas no país, a Justiça Federal derrubou uma liminar que vinha impedindo o governo de relaxar o status de proteção ambiental dessas áreas. A disputa teve início na segunda-feira, quando o governo federal revogou as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) relativas às áreas de restinga e manguezais e ao entorno de reservatórios d’água. No mesmo conjunto de medidas, cancelou também exigências técnicas para projetos de irrigação e queima de agrotóxicos e resíduos da indústria do cimento. 

No dia seguinte, a Justiça Federal do Rio concedeu liminar que revogou a medida, mas a decisão só teve efeito por quatro dias. A liminar foi derrubada ontem, e a suspensão do status de proteção das áreas em questão volta a valer. 

A revogação inicial das normas que protegiam manguezais e restingas foi iniciativa do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que no ano passado reestruturou o Conama, reduzindo o número de conselheiros e aumentando a influência do governo federal, em detrimento da participação da sociedade civil. A liminar que havia derrubado a medida de Salles foi concedida pela juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, após uma ação pública ser impetrada. As resoluções revogadas do Conama permitiram a “ocupação e desmatamento” de “ecossistemas sensíveis”, afirmou a juíza. Ontem, o desembargador Marcelo Pereira da Silva, do TRF 2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), derrubou a liminar, afirmando que se tratava de interferência indevida da Justiça no poder Executivo por “não haver qualquer ameaça de dano ao meio ambiente”.